A financeirização do agronegócio brasileiro não chega a ser exatamente uma novidade, mas ainda existe um desafio central na avaliação dos principais nomes do mundo financeiro e também da CVM, a autarquia reguladora do mercado: integrar mais produtores e criar mecanismos capazes de ampliar a presença do setor na Faria Lima.
O movimento ganha tração com a chegada do crowdfunding para produtores rurais e cooperativas, além da perspectiva de que mais investidores estrangeiros passem a aportar recursos no agro nacional.
Essa foi a tônica do evento “O Agro e o Mercado de Capitais”, realizado na manhã desta sexta-feira, dia 5 de dezembro, na Arena B3, em São Paulo, em uma parceria entre IBDA, CVM, IPA e B3.
No palco da B3, o evento reuniu nomes de peso como Bruno Gomes, superintendente de Securitização e Agronegócio da CVM, Moacir Teixeira, sócio fundador da Ecoagro, e Flavia Palacios, diretora da Anbima e CEO da Opea, que discutiram o momento do mercado e os próximos passos.
“O mercado de securitização para o agro agora está parado ao longo desta manhã, esperando a turma voltar para continuar (a trabalhar)”, brincou Gomes ao abrir sua fala.
O superintendente fez um retrospecto da evolução da engenharia financeira do agro, movimento que, segundo ele, começou há pouco mais de 20 anos, com a lei de 2004 que criou os CRAs, avançou com o amadurecimento do mercado e ganhou novo impulso com a regulamentação específica da CVM em 2018 e com a criação do Fiagro em 2021.
Ainda assim, ele lembrou que, quando comparado a outros setores, o agro está entrando agora em uma fase inicial de aprendizado.
“O agro está começando praticamente agora, passando pelas suas primeiras experiências”, disse. “A gente precisa de mais participantes. Começaram a nascer gestores olhando para o agronegócio, gestores de Fiagro, algumas securitizadoras novas também chegando.”
Uma das grandes apostas para ampliar a base de participantes vem da reforma da Resolução nº 88, que regula o crowdfunding de investimentos.
A CVM deve substituir a Resolução 88 por uma norma mais ampla, atualmente em consulta pública até 23 de dezembro e prevista para ser oficializada em 2026.
A proposta eleva significativamente os limites das ofertas: dos atuais R$ 15 milhões para até R$ 25 milhões no caso de sociedades empresárias não registradas na CVM, e R$ 50 milhões para securitizadoras com registro na autarquia do governo.
O novo marco também abre caminho para que produtores rurais pessoa física e cooperativas acessem diretamente as plataformas de crowdfunding – por meio de CPRs, no caso dos produtores, e, no caso das cooperativas, utilizando também CDCAs e notas comerciais.
“É a primeira vez que a CVM reconhece a pessoa física como emissora de valores mobiliários e também é a primeira vez que a gente traz a sociedade cooperativa”, afirmou Gomes. “É um desafio, é um balão de ensaio. Queremos atrair bons produtores, ainda que na pessoa física, mas com governança e demonstrações organizadas.”
Pelo texto em discussão, produtores rurais poderão captar até R$ 2,5 milhões por safra, chegando a R$ 7,5 milhões por ano caso operem três safras, explica Gomes.
Para cooperativas, o limite proposto é maior, de R$ 25 milhões por ano. Apesar dos tetos pequenos, Gomes acredita que haverá demanda por esse mecanismo, que nasce com o objetivo de aproximar o mercado de capitais do produtor rural.
"Para que bons produtores rurais, que tenham governança, bons pagadores e com operação estruturada, tenham essa via de acesso também".
Para Gomes, esse processo deve estimular a criação de um “ecossistema de plataformas” pelo País. “Em algum momento, a gente vai ter um conjunto de plataformas operando pelo país, oferecendo CPRs, e vamos ter gestores de Fiagros fazendo parcerias com essas plataformas, por que não? Porque eles vão estar na ponta.”
As cooperativas, na avaliação do superintendente da CVM, podem ser uma forma de trazer o produtor rural para mais perto.
"Acho que a cooperativa pode ser o elo mais importante entre o mercado de capitais e o pequeno produtor rural, vai ser difícil o pequeno produtor rural acessar direto, mesmo ofertando via plataforma de crowdfunding, não vai ser o pequenininho que vai ofertar ali, mas a cooperativa vai fazer esse complemento e vai ter esse papel", disse Gomes.
"A gente tem visto as cooperativas cada vez mais bem estruturadas e bem organizadas para fazer isso, então, acho que falta pouco para a gente ter Fiagros financiando cooperativas, emitindo direto no mercado", complementou.
Gomes disse acreditar que falta pouco para que Fiagros passem a financiar cooperativas de forma recorrente – e até cogita, no futuro, incluir cooperativas no regime Fácil de ofertas. “Equity é mais difícil porque precisa mudar a lei do cooperativismo, mas dívida acho que faz todo o sentido.”
Se a infraestrutura regulatória está amadurecendo, outro desafio agora é provar, com dados, que os recursos obtidos a partir desses instrumentos financeiro está chegando efetivamente ao campo. Foi essa a principal mensagem de Flavia Palacios, CEO da Opea Securitizadora e diretora da Anbima, em sua fala no evento.
Palacios estima que o estoque somado de CRAs e Fiagros já passa de R$ 200 bilhões, mas que ainda é preciso desmontar a narrativa de que esse capital atende apenas grandes empresas.
"Quando a gente fala de bilhões de operação, sempre vem uma contrapartida dizendo: 'Ah, mas foi uma empresa tal, uma empresa aberta que está captando 2, 3, 4 bilhões via CRA e isso não está indo para o produtor, não está indo para o mercado.", disse.
"E isso não é verdade. acho que cada vez mais a gente tem visto a captação de mercado de capitais chegando no campo" Por isso, Palacios diz que a Abima, ao longo deste ano, trabalhou ao longo deste ano para entender a destinação dos recursos captados via CRAs.
"Para entender onde está indo o dinheiro captado via CRA, o que vai para soja, o que vai para café, para boi, etc. Precisamos levar dado para mostrar ao mercado que isso é fonte complementar real de recursos da safra." Palacios também destacou o esforço educacional que a Anbima tem feito para trazer mais informações ao mercado e ajudá-los a entender melhor a realidade do campo.
"O mercado de capitais está acostumado a analisar crédito, balanço. Mas o mercado não sabe analisar produtor", afirmou a diretora da Anbima. "A verdade é que são poucos players, com exceção do Moacir que está aqui, que estão no mercado de capitais do agro há muitos anos. A maioria desses players são recentes. E a gente sentiu uma necessidade de ajudar o mercado", emendou.
Moacir Teixeira, da Ecoagro, retribuiu o elogio: "Eu gosto de comparar com a indústria do automóvel: se os estoques crescem, a indústria dá férias coletivas, fecha a porta, reabre de novo, e a vida vai seguir", diz.
"(Já no agro,) eu tenho dia para plantar, dia para colher. Por isso, esse material que vocês estão fazendo, até para investidores entenderem que existe prazo certo, é muito importante".
Palacios complementou dizendo que a Anbima lançou um guia técnico para estruturadores de títulos com indicações de informações mínimas para análise do produtor rural e agora prepara um guia sobre ciclos biológico, para auxiliar o mercado a compreender risco agrícola.
“A regulação não é o problema. O gargalo é educacional.” Teixeira, por sua vez, destacou, em sua fala, que o Fiagro é a grande "locomotiva de crescimento" do mercado de capitais focado no agro. "Vai sofrer alguns probleminhas, fruto da falta de conhecimento, mas isso se adapta. Acho que o importante é a gente continuar lutando pra isso."
A entrada de investidores estrangeiros privados financiando o agro brasileiro também entrou na discussão. Em resposta a uma pergunta da platéia sobre o tema, Flavia Palacios disse que o agro brasileiro reúne hoje algumas condições para atrair o investidor estrangeiro em um momento em que “vender Brasil” no exterior se tornou mais difícil.
“A gente tem que vender cenário econômico, cenário político… tem uma série de desafios nessa venda do Brasil para o mercado lá fora, que já trazem um certo pé atrás, muitas vezes, do investidor.”
Para Palacios, três características do agro brasileiro se destacam para diferenciá-lo e chamar a atenção dos investidores estrangeiros: prazos curtos de operações, que permitem ao investidor testar a dinâmica do país; a dolarização natural das cadeias exportadoras; e o forte potencial para emissões verdes, algo em escassez global.
“Às vezes, o investidor fala por livre espontânea vontade: ‘Eu não vou pro Brasil’. Só que ele precisa, porque está buscando títulos sustentáveis, títulos verdes e essa oferta, globalmente falando, não é tão grande quanto o potencial que a gente tem no agro do Brasil.”
Moacir Teixeira, da Ecoagro, mencionou os fundos de pensão em sua fala, em referência à resolução nº 5.202 do Conselho Monetário Nacional (CMN), publicada em março deste ano, autorizou que fundos de pensão possam utilizar até 10% de seus recursos para adquirir cotas de Fiagros.
“Há 20 anos, houve uma primeira entrada do mercado de capitais através de CPR com os fundos, que gerou um desconforto enorme e quase destruiu o mercado por tantos anos. A gente está tendo a oportunidade de novo, de refazer isso, com muito cuidado. Temos que levar a informação para evitar o problema que os Fiagros tiveram na Faria Lima num passado recente.”
Resumo
- Grandes nomes do mundo das “finanças do agro” avaliaram, em evento na B3, que a financeirização do agro vem avançando com novas regras, maior presença do crowdfunding e um esforço para integrar produtores e cooperativas ao mercado de capitais, mostrando que o setor ainda vive sua fase inicial de aprendizado financeiro, apesar de duas décadas de evolução regulatória.
- Reforma da Resolução 88, que permitirá ofertas maiores e a entrada direta de produtores pessoa física e cooperativas aos sistemas de crowdfunding, é aposta da CVM para incrementar acesso de agricultores a crédito