A crise atual das sementeiras – com excesso de oferta, sobras recordes e margens espremidas pela queda da soja – não é a primeira que a Agro-Sol Sementes enfrenta. E provavelmente não será a última.

“Ao longo de 25 anos, passamos pelo menos por cinco crises, porque o ciclo do mercado é mais ou menos de cinco anos. Mas ela passa, como tudo, isso passa”, resume Eduardo Dallastra, CEO da Agro-Sol, em entrevista ao AgFeed.

A diferença é que a empresa – fundada pela família Dallastra em Mato Grosso no fim dos anos 1990 e que hoje tem metade de seu controle acionário nas mãos da companhia francesa InVivo – chegou ao momento atual com características que muitas companhias do setor ainda não têm: negócios separados da fazenda, governança estabelecida, alavancagem baixa e uma cultura quase obsessiva com qualidade e logística.

A Agro-Sol, que produz e comercializa sementes de soja e milho principalmente em Mato Grosso e Rondônia, acabou sentindo menos os efeitos da crise que esfriou o setor de sementes, embora não tenha passado totalmente ilesa ao ajuste de mercado.

Há dois anos, a sementeira projetava fechar 2025 com um faturamento de R$ 750 milhões, mas o cenário não se confirmou. A expectativa agora é terminar o ano com um faturamento de cerca de R$ 500 milhões. A maior parte da receita vem das sementes de soja.

“Os preços da commodity e da semente foram caindo, e mantivemos o foco no crescimento de volume, mas já sabendo que aquele valor não viria mais”, afirma Eduardo Dallastra. Para 2026, o executivo projeta uma alta moderada, de 8% a 10%, o que levaria a empresa a, no máximo, R$ 550 milhões em receita.

O ponto que mais chama atenção é a capacidade da Agro-Sol de preservar seu faturamento ao longo dos anos, mesmo diante das turbulências e mudanças no mercado.

“Não dá para a gente se assustar muito com as situações. É óbvio que temos que dedicar tempo e atenção para ler bem o mercado. Mas estamos vivendo uma situação um pouco melhor, porque a empresa está bem estruturada”, diz Dallastra, que há, alguns anos, adotou uma postura que já previa alteração de mercado no horizonte à frente.

Em janeiro de 2023, ele levou aos acionistas da Agro-Sol com um pedido difícil: reduzir o orçamento de vendas em meio ao entusiasmo do mercado de sementes após anos de boas margens e crescimento.

É que, somando dados de sementes autorizadas e efetivamente vendidas, Dallastra percebeu antes de outros players o que hoje é consenso: havia semente demais na praça.

"Numa reunião difícil, eu mostrei a eles: 'Isso aqui foi a quantidade de semente autorizada e aqui está a quantidade de semente vendida. É um diferencial muito grande, está sobrando muita semente, eu preciso revisar o nosso número para baixo’", recorda. A estratégia se revelaria acertada.

A história da Agro-Sol ajuda a entender por que a empresa hoje reage de forma diferente ao aperto.

A vida de seus criadores nunca foi exatamente fácil. A família Dallastra foi mais uma entre tantas que saíram do Rio Grande do Sul e desbravaram Mato Grosso no início dos anos 1980 em busca de novas áreas de produção agrícola. Inicialmente, os Dallastra plantavam arroz e, depois, expandiram sua operação para soja, milho e algodão.

No fim dos anos 1990, decidiram entrar de vez no negócio de sementes, já com a lei de proteção de cultivares estabelecida e a promessa de chegada ao mercado nacional de uma tecnologia que mudaria o jogo: as sementes transgênicas da multinacional americana Monsanto (hoje pertencente à Bayer), a partir do lançamento da Roundup Ready, soja transgência resistente ao glifosato.

"Em 1998, fomos para os Estados Unidos, vimos muitas coisas super interessantes que estavam fazendo com a transgenia por lá", recorda Dallastra. "E uma das coisas interessantíssimas era a diminuição do uso de pesticidas, porque se reduzia muito as aplicações, principalmente no algodão. Era algo fantástico, principalmente por conta do apelo ambiental."

Em 1999, os irmãos Guidone Dallastra, pai de Eduardo, e Plínio Dallastra, tio do CEO, criaram a Agro-Sol com um objetivo claro: licenciar a biotecnologia, oferecer uma semente diferenciada e capturar retorno sobre o investimento. A família investiu capital próprio, mas acabou tendo, no entanto, retorno bem menor que o esperado inicialmente.

A tempestade ficou pior com a explosão da ferrugem asiática no início dos anos 2000. “Perdemos 30% da produção num ano”, lembra o CEO.

Após esse episódio, a empresa levou quase dez anos em reestruturação, negociando dívidas e buscando alternativas operacionais. “Com menos produção, com aquela situação já de capital de giro que tinha sido imobilizado, menos resultado, tudo foi ficando muito difícil", recorda.

Em 2005, o produtor rural Gladir Tomazelli se juntou aos Dallastra na operação e, em 2008, a família Tomazelli entrou na sociedade, trazendo conhecimento técnico, mas não capital.

"Eles estavam mais no dia-a-dia do negócio, enquanto meu pai estava mais ligado à negociação de dívidas", recorda Eduardo Dallastra, afastado da operação neste período.

Alguns anos se passaram até que, em 2013, Dallastra e um primo montaram uma consultoria, a Bridgeagro, e prestaram serviços à Agro-Sol. “Atendemos eles e, logo de cara, a nossa recomendação foi separar a parte agrícola da parte de sementes, porque existiam ineficiências de uma que estavam sendo acobertadas pela outra", afirma.

Eles não contavam, no entanto, que o processo iria demorar. "Começamos em 2013, pensando ingenuamente que seria tudo rápido, e fomos até 2016 para finalizar os negócios", diz.

O primeiro contato com o grupo francês InVivo veio em 2014, quando a companhia buscava ampliar sua presença no negócio agrícola – a empresa já tinha presença no mercado nacional com a InVivo NSA, com foco em nutrição e saúde animal.

"A empresa veio para o Brasil, viu algumas oportunidades, e acabou encontrando a Agro-Sol, que era ainda pequena, mas que tinha uma capacidade ociosa interessante e era a única que tinha os negócios separados, porque eles não queriam terra", afirma.

"Nossa operação se encaixou na demanda deles. Apresentamos tudo para eles, mostramos, falando que existia endividamento, que a gente precisava de um cash-out importante, mas a gente tinha tudo separado."

O fato de a Agro-Sol estar sediada em Mato Grosso, maior consumidor de sementes do Brasil, foi um outro ponto que chamou a atenção dos franceses, além de trazer vantagens de custo logístico por evitar o transporte por longas distâncias.

A InVivo resolveu, então, avaliar os resultados da Agro-Sol ao longo da safra 2015/2016 para entender se, na prática, iria fechar o negócio.

Na reta final da negociação, os executivos da multinacional francesa chamaram Dallastra para uma conversa: "Eles disseram: 'Eduardo, a gente quer que você lidere esse projeto, vocês desenvolveram o plano de negócio, mas a gente quer que você entregue isso'. Eles colocaram como condição sine qua non", recorda.

Dallastra relata que ficou nervoso, fez algumas ligações, explicou o que estava acontecendo e recebeu aval para o negócio seguir adiante. "Fechamos o negócio no dia 9 de maio de 2016", recorda.

Metade do controle acionário ficou com as famílias Dallastra e Tomazelli, e a outra metade com os franceses. A Agro-Sol passou a fazer parte do grupo Bioline, braço agro da InVivo.

Com o sócio internacional, veio junto um pacote completo de governança que transformou a Agro-Sol: prestação de contas mensal, duas auditorias por ano – uma para o fechamento janeiro–dezembro, outra para o período fiscal julho–junho da InVivo –, rotina de controle e um plano de negócios mais disciplinado.

De lá para cá, a sementeira deslanchou, avalia Dallastra. "Até então, ela vinha muito amarrada à dificuldade de captar recursos e conseguir crescer", analisa o CEO.

A orientação dos franceses foi de que, primeiro, a Agro-Sol deveria construir mercado, para depois crescer em capacidade. “A gente aprendeu que a primeira coisa era vender e depois produzir”, diz Dallastra.

Foi assim que a Agro-Sol conseguiu fazer sua comercialização saltar de cerca de 240 mil sacas de sementes em 2016 para 1,5 milhão de sacas neste ano, combinando uso de capacidade interna com tolling – terceirização – a partir da safra 2018/2019.

Hoje, a empresa possui duas unidades em Mato Grossso: uma unidade beneficiadora de sementes (UBS) na cidade de Campo Verde, às margens da BR-070, e um centro de distribuição e serviços em Sorriso, próximo à BR-163.

A Agro-Sol oferece ao produtor a semente pronta, com tratamento químico e biológico, calibrado em laboratório.

No campo, Dallastra explica que 100% dos produtores de sementes da Agro-Sol são cooperados e a matéria-prima passa por controles de qualidade. Se o material não vem excelente do campo, explica o executivo – não entra na UBS, porque, uma vez dentro, qualquer perda vira descarte. A empresa prefere não trazer o lote a correr o risco de perder depois no processo.

Do lado financeiro, Dallastra diz que menos de 20% das vendas são feitas a prazo, e, desse total, apenas um terço é financiado com capital de terceiros – em geral, uma captação pontual, que cobre o último trimestre do ano e o primeiro do ano seguinte, para bancar o prazo dado ao produtor. “É uma exposição relativamente pequena”, afirma o CEO.

Com a experiência de quem já participou de uma grande operação de M&A, Dallastra avalia que a tese de consolidação das sementeiras, tão defendida por fundos de investimento – e pela sementeira Boa Safra, a única listada na B3 – nos últimos anos, é vista pelo CEO como correta no conceito, mas muito mais difícil na prática do que parece no roadshow. “Não é fácil você conseguir conduzir um processo de M&A e consolidação nesse mercado”, diz Dallastra.

A primeira dificuldade se dá na separação dos negócios. Isso porque, em geral, sementeiras funcionam em conjunto com produção agrícola. “Você chega dentro de uma propriedade e, de um lado, tem a UBS, de outro tem uma beneficiadora de algodão, tem um armazém de grãos. É tudo meio misturado”, opina Dallastra.

Além da divisão da mesma estrutura física e jurídica, o CEO da Agro-Sol lembra que muitas áreas geralmente já estão hipotecadas. “Para você recortar o terreno, também tem as suas dificuldades”, avalia.

E, claro, há dificuldades também nos processos de precificação, ressalta Dallastra. “Isso acontece porque o produtor, na verdade, não quer vender o negócio. Ele tem amor pelo negócio. E aí ele coloca um preço “emocional”, do tipo ‘Se me pagar tanto, eu até faço o negócio, eu até vendo. Se não pagar, eu não faço o negócio.’”

Além disso, Dallastra lembra que os processos de due dilligence são demorados e acabam cansando quem está interessado em vender. “Nesse tempo, ele já muda de ideia, passou aquela vontade de vender que estava no começo, depois de seis, oito, dez meses...”

Foi por esses motivos, avalia o executivo, que a Boa Safra não teria conseguido cumprir à risca a tese de M&As que trouxe no momento do IPO da companhia, em 2021.

“A Boa Safra dizia – e eu acredito que tinha – ter dez ou mais MOUs assinados na época que o Marino Colpo fez o roadshow e dizia que eles iam comprar, iam consolidar.. Por que eles não fizeram isso e foram pra uma tese de crescimento orgânico? Eles fizeram duas micro aquisições perto do tamanho de uma sementeira”, pondera Dallastra.

Na sequência, ele arrisca uma resposta: “Porque não foi possível. Talvez hoje, na dificuldade que o mercado se encontra, um pouco mais apertado e tudo mais, possa acontecer. Talvez.”

Resumo

  • Com governança robusta, baixa alavancagem e negócios separados da fazenda, a Agro-Sol atravessa a crise das sementeiras com menos impacto que o setor
  • Faturamento de 2025 deve cair de R$ 750 mi previstos para R$ 500 mi, com projeção de leve alta de 8% a 10% em 2026, chegando a até R$ 550 mi
  • Cultura disciplinada, leitura antecipada do mercado e histórico de reestruturações explicam a maior previsibilidade da empresa em novos ciclos de aperto