Enquanto as lavouras de soja, milho e algodão se estendem até onde a vista alcança, uma nova e sofisticada paisagem vem ganhando espaço no Centro-Oeste brasileiro: são condomínios fechados com infraestrutura de resort e bairros planejados voltados para um público de altíssimo poder aquisitivo.
Alimentado pelo forte desempenho do agronegócio na região, o mercado imobiliário de luxo tem se transformado em um dos destinos preferidos para reinvestimento de capital na região.
Segundo dados da pesquisa anual do IBGE sobre a Produção Agrícola Municipal (PAM), é lá que estão 62 dos 100 municípios mais ricos e produtivos do setor, que juntos responderam por R$ 260 bilhões da produção agrícola brasileira em 2023, o equivalente a 31% da produção agrícola brasileira.
Em cidades como Dourados (MS), Lucas do Rio Verde (MT), Rondonópolis (MT) e Sinop (MT), a terra que até então valia pela produção agora também vale pelo metro quadrado - e pelas opções de lazer.
Atuando há 25 anos como arquiteta na região de Sinop, Rafaela Zanirato sabe bem como traduzir os anseios desse público. Ela conta que no passado, o dinheiro gerado pelo agro na região, que antes era gasto na compra de novas terras e aumento da produção, agora tem impulsionado também um novo nicho no mercado imobiliário.
“Hoje esse cenário mudou bastante, muitos desses produtores, que chegaram na região quando não havia nada, construíram seus negócios, estão estabilizados e hoje buscam além de investimentos, viver com conforto”, conta.
Entre os clientes para quem Rafaela desenvolveu projetos recentes está a empresária Carolina Scheffer, uma das fundadoras do grupo que leva seu sobrenome e é um dos maiores produtores de grãos do país.
A chegada das novas gerações aos negócios familiares também vem contribuindo para a mudança no perfil das residências e condomínios. “Muitas empresas já estão na segunda ou terceira geração, são jovens que viajaram pelo mundo, foram estudar fora, conhecem o melhor da cultura, da arte e da arquitetura e querem usufruir disso na região onde residem”, avalia.
Justamente por isso, muito além de área de piscina ou quadras de tênis, os empreendimentos contam com restaurantes sofisticados - no plural -, bares, salão de beleza, SPA, parque aquático e diferenciais que relembram as origens dos produtores, como área exclusiva para o churrasco de fogo de chão e campo de bocha.
Ela conta que mais do que segurança, os proprietários buscam por exclusividade e lazer. “Tudo para que o morador não precise sair de dentro do condomínio”, explica a arquiteta.
Rafaela e sua equipe tocam na Truvian Arquitetura alguns dos principais projetos de condomínios da JMD Urbanismo, umas das principais incorporadoras desse segmento no Centro-Oeste.
A empresa possui empreendimentos nas cidades de Sorriso, Sinop (MT), Alta Floresta (MT), Jataí (GO) e Uberlândia (MG).
E toda essa exclusividade tem preço. Em Sorriso, por exemplo, o valor médio do metro quadrado de um lote dentro de um desses condomínios é de R$ 2 mil reais.
O valor é bastante similar ao Condomínio Reserva da Grama, empreendimento de alto luxo localizado em Itupeva, interior de São Paulo, que conta inclusive com uma piscina de ondas que já recebeu eventos de Surf e atletas famosos como Gabriel Medina e Kelly Slater.
O tamanho médio dos lotes pode variar de 500 metros até 2 mil metros. Alguns condomínios têm lotes a partir de mil metros quadrados, a um preço médio de R$ 2 milhões.
“No Hamoa Sorriso, nós vendemos 90% dos lotes em 40 minutos”, afirma a arquiteta.
Outro fator que tem puxado esse mercado é o baixo adensamento das regiões, o que significa espaço mais do que suficiente para desenvolver empreendimentos horizontais.
“Além disso, as opções de lazer nas cidades são limitadas se comparadas a outras regiões do País, estimulando o surgimento de empreendimentos no estilo resort”, explica Rafaela.
O arquiteto e paisagista Benedito Abbud também tem ampla experiência em desenvolvimento de projetos de luxo na região, incluindo o projeto paisagístico do shopping de Sinop, de empreendimentos em Lucas do Rio Verde, Sorriso, Rondonópolis e do condomínio batizado de Hectares Park & Resort, em Dourados (MS).
Em uma área de 900 mil metros quadrados, o empreendimento tem 491 lotes entre 900 e 1,8 mil metros quadrados e 135 mil metros de áreas de lazer.
“Os clientes do agro sabem o que é sofisticação, são pessoas que apreciam um bom vinho, que conhecem bons hotéis e querem um morar alinhado com essas vivências”, avalia.
Segundo Abbud, o cliente de alto luxo quer que seu projeto seja único. “É o cliente que tem prazer em mostrar o que construiu para a família e os amigos, de mostrar que é um vencedor. Por isso, a exclusividade nesses projetos é primordial”
Na última semana o projeto do Hectares foi apresentado na Bienal de Arquitetura em Veneza, na Itália, um dos berços da arquitetura e do design mundial.
“O bom morar significa ter muitas opções de lazer para todos os membros da família, com segurança e em meio à natureza”, pondera.
E se no campo o produtor rural valoriza muito a construção da relação com fornecedores, técnicos e outros profissionais, na hora de fechar negócio em um empreendimento como esses, não é diferente.
“Essas famílias chegaram na região quando não havia nada, desbravaram o Centro-Oeste e passaram muitas dificuldades até construírem suas empresas. Por isso mesmo, são mais desconfiadas na hora de fazer negócio”, conta Rafaela.
Ela revela ainda que, justamente por isso, muitas incorporadoras “forasteiras” que tentaram investir no Centro-Oeste e abocanhar uma fatia desse valioso mercado, acabam não obtendo sucesso. “Mais do que construir essa relação, é preciso entender os valores e os anseios desses clientes para traduzi-los em projetos arquitetônicos”, explica.
E Rafaela fala com conhecimento de causa. Casada com um pecuarista, ela conta que a família do marido foi uma das famílias de pioneiros em Sinop. “Lembro quando ele ia para a fazenda ajudar o pai, nosso único meio de contato era um rádio. Marcávamos um horário para falar rapidamente só para saber se eles estavam bem”, conta.
Para um público que respira agro, é claro que os negócios do mercado imobiliário estão diretamente ligados à safra. “Por aqui temos pagamentos semestrais, que acompanham o calendário da safra, diferente de outras regiões do país”, explica Rafaela.
Para atender ao padrão e sofisticação demandado pelos clientes, Rafaela conta que usa muita madeira nobre e peças de mobiliário assinadas por designers brasileiros renomados. “Claro, também usamos materiais importados, mas nosso foco é usar a arquitetura para contar a história dos clientes”.
Ela conta que o gasto médio do metro quadrado desses clientes varia entre 10 e 25 mil reais, valores bastante superiores aos das construções convencionais. Com isso, a casa de seus clientes podem facilmente passar dos R$ 10 milhões.
Rafaela também desenvolve projetos comerciais para empresas e defende que a arquitetura seja coerente com os valores pregados pelas companhias.
“Vejo muitas empresas que possuem práticas sustentáveis no campo, mas suas estruturas físicas não estão alinhadas com essas práticas. Arquitetura é traduzir a ética dessas empresas através da estética”, pondera.
Resumo
- Bom desempenho das lavouras tem impulsionado o lançamento de condomínios residenciais de luxo nas principais "capitais" do agro no Centro-Oeste
- Região concentra 62 dos 100 municípios mais ricos e produtivos do setor, que juntos responderam por R$ 260 bilhões da produção agrícola brasileira em 2023 (IBGE)
- Empreendimentos reúnem estruturas de lazer que competem com similares do Sudeste e casas que superam R$ 10 milhões