A distância da Faria Lima e do Leblon, grandes centros financeiros do Brasil, não intimida a gestora de recursos Multiplike, sediada em Joinville, no Norte de Santa Catarina. A companhia, focada em fundos multissacados, aposta na sofisticação dos negócios do agro para fazer seus volumes crescerem ainda mais.
Criada há 25 anos, a Multiplike já soma mais de R$ 50 bilhões em originação de crédito nos últimos anos. Somente com o agro, no ano passado, foram R$ 3 bilhões em operações. Para este ano, a gestora projeta um volume total de R$ 4,1 bilhões em crédito para o setor, com um crescimento de 36,6%.
Tudo isso em meio a um momento turbulento para o agro, em recuperação após uma quebra da safra 2023/2024 e as dificuldades financeiras que ainda restaram daquela temporada.
A Multiplike nadou contra a maré especialmente pela forma como trabalha com o setor, explica Volnei Eyng, CEO da Multiplike, em entrevista ao AgFeed. "Para a gente, a situação de colheita e produtividade do produtor acaba não interferindo tanto, porque estamos inseridos na cadeia e não no produtor final.”
“O produtor tem um ano de uma colheita ruim e o faturamento dele todo vem dali, de forma que ele acaba não conseguindo pagar a conta e tem de prorrogar para a próxima safra. A cadeia acaba sofrendo em consequência, mas demora, é um pouco mais resistente, porque pulveriza esse risco”, emenda Eyng.
Ao todo, a Multiplike tem uma carteira de 220 clientes – empresas do agro de diferentes setores – espalhados pelo Brasil, acompanhando o desenvolvimento do agronegócio de cada região e estado brasileiro.
A gestora atende revendas de insumos, fertilizantes e máquinas agrícolas, indústrias de insumos, cooperativas, distribuidoras e tradings.
A casa possui dois FIDCs multissacados e multicedentes, que são veículos que compram direitos creditórios originados por diferentes empresas e de diversos cedentes. Na prática, fornece crédito após comprar recebíveis de companhias diversas (cedentes) com diferentes devedores (sacados).
Para acessar o crédito da Multiplke, as empresas precisam atender a critérios mínimos de faturamento, que variam por segmento: indústrias de defensivos precisam faturar pelo menos R$ 60 milhões, indústrias de fertilizantes ao menos R$ 120 milhões e tradings precisam faturar no mínimo R$ 200 milhões.
Sozinhas, as cooperativas representam metade do faturamento da Multiplike no agro. A preferência, segundo Eyng, é por fazer operações de crédito com cooperativas médias de grãos, especialmente as do Paraná.
"É a cooperativa que está entrando no faturamento de R$ 1 bilhão, e não a que está no faturamento de vários bilhões já", diz;
Eyng explica que a gestora hoje se sente confortável em fazer operações com as cooperativas. "Elas são muito profissionalizadas, estão captando dinheiro muito barato e temos muita segurança de crédito", afirma.
"A gente tem vontade de dar mais crédito para eles. Se a gente pudesse, até daria mais, mas o spread é muito pequeno e nem sempre acompanha."
Eyng diz que, no ano passado, a Multiplike "nadou de braçada" com a retirada de outros players no primeiro grande susto que o agronegócio deu ao mercado financeiro durante as dificuldades da safra 2023/2024.
"A Faria Lima entrou com muita vontade em 2021, 2022 e 2023 no agro e não colheu muitas facilidades em 2023 e 2024. Isso acabou facilitando a Multiplike a fazer crédito no agro em 2024", afirma.
Como a gestora trabalha com as empresas do agro e não diretamente com os produtores, acaba, segundo ele, sendo menos afetada pelas dificuldades no campo. "Quando a gente faz crédito, não levamos muito em consideração o mercado em geral. Fazemos uma análise individual, empresa por cliente, cliente por cliente", explica Eyng.
E mesmo no caso de clientes que foram impactados diretamente pelas dificuldades colhidas pelos produtores, caso das redes de revendas de insumos agrícolas AgroGalaxy e Lavoro – a primeira em recuperação judicial e a segunda em recuperação extrajudicial – a gestora acabou não sofrendo maiores dificuldades, de acordo com o CEO.
"Acabou até melhorando para nós, porque a margem de negócio é mais difícil de fazer com a AgroGalaxy", explica Eyng. "O negócio da AgroGalaxy nos assusta bem menos, porque a gente tem relacionamento com o mercado e sabemos que situações do tipo são cíclicas."
A Multiplike vem fazendo operações com as empresas do agronegócio ao longo dos últimos 15 anos. O relacionamento com o setor foi aumentando paulatinamente o volume de transações, acompanhando a transformação do setor ao longo da última década.
“Não faz tanto tempo assim que uma revenda de defensivos agrícolas ou de fertilizantes não fazia ficha cadastral vendendo milhões e milhões de reais. Era apenas uma situação de relacionamento que se tinha”, recorda Eyng.
A profissionalização do agro e a sofisticação dos instrumentos financeiros utilizados pelo setor têm impulsionado não apenas a Multiplike, mas todo o mercado de crédito privado.
É o que se pode concluir de um levantamento da gestora que constatou que, entre julho de 2024 e abril de 2025, instrumentos de crédito privado somaram mais de R$ 1,2 trilhão em estoque, ante R$ 298,6 bilhões de recursos viabilizados pelo Plano Safra.
“Em um ano de boa produtividade, mesmo com uma safra 2023/2024 que não foi boa, o mercado privado achou o seu espaço”, diz Eyng.
Em abril de 2025, de acordo com a análise da Multiplike, o estoque de Cédulas de Produto Rural (CPR) atingiu R$ 499,18 bilhões, alta de 50% em relação ao mesmo mês do ano anterior (R$ 332,30 bilhões). “O salto expressivo nas CPRs demonstra a confiança do setor nesse instrumento, que combina simplicidade operacional e segurança jurídica”, comenta Eyng.
As Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) também apresentaram avanço no período, com um estoque de R$ 559,94 bilhões, crescimento de 19% frente a abril de 2024, quando havia alcançado R$ 469,01 bilhões.
A análise da Multiplike identificou ainda que os Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRAs) atingiram um estoque de R$ 155,83 bilhões, uma alta de 13% em relação ao mesmo período do ano passado. Já os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs) alcançaram R$ 34,35 bilhões, crescimento de 6%.
Os Fiagros, por sua vez, atravessam dificuldades, sem a abertura de follow-ons, com as condições macroeconômicas mais difíceis - a taxa Selic está no nível mais elevado em anos - mesmo com uma safra 2024/2025 mais positiva.
Segundo os dados do mais recente Boletim de Finanças Privadas do Agro, do Ministério da Agricultura e Pecuária, divulgados em junho deste ano, o patrimônio líquido dos Fiagros era de R$ 43,1 bilhões em março deste ano, 253% maior que o montante registrado em 2023 – R$ 12,2 bilhões – mas apenas 13% superior ao mesmo período do ano passado, quando atingiu R$ 38 bilhões.
A desaceleração dos Fiagros, segundo Eyng, "reflete, em parte, a aversão ao risco por parte dos investidores diante das incertezas econômicas e sanitárias, além de desafios regulatórios e operacionais que o instrumento ainda enfrenta para ganhar escala."
As dificuldades enfrentadas pela AgroGalaxy, que levou consigo Fiagros bastante expostos à companhia, também contribuíram para a queda de desempenho. “Teve problema de risco devido ao caso emblemático da AgroGalaxy, que acabou machucando um pouco os Fiagros”, avalia Eyng.
Eyng entende que o crescimento do crédito privado é decorrente do próprio desenvolvimento do setor como um todo.
“Hoje o agro do Brasil não é um agro de commodity para exportação, não é mais do pequeno produtor que faz apenas agricultura de subsistência. Hoje o faturamento de grandes produtores, por exemplo, é no nível de grandes empresas. Já estava em tempo de o agro vir para o mercado e não ser mais subsidiado pelo governo.”
Resumo
- Com 25 anos de atuação, a gestora de recursos Multiplike já originou mais de R$ 50 bilhões em crédito, sendo R$ 3 bilhões apenas no agro em 2024
- Para este ano, projeta R$ 4,1 bilhões em operações com o setor, com maior foco no crédito junto a cooperativas de porte médio
- A estratégia de oferecer crédito às empresas do agronegócio, e não diretamente aos produtores rurais, ajudou a blindar seu desempenho diante das dificuldades do setor no último ano