Não é novidade que o Brasil é deficitário em armazenagem. Quem percorrer, nos próximos meses, as principais regiões produtoras, verá montanhas de grãos a céu aberto ao lado dos armazéns, expostas ao clima por falta de estrutura.

É um retrato recorrente, que volta ao centro do debate especialmente quando temos uma colheita robusta como a deste ano, em que soja e milho 2ª safra têm produções recordes. E é justamente nessas horas que se multiplicam manchetes com uma conta simples e, por vezes, superficial: soma-se a produção e compara-se com a capacidade de armazenagem estática.

Vamos aos números: após uma safra recorde de soja de 172 milhões de toneladas e a iminente colheita recorde de milho segunda safra de 123 milhões de toneladas, o volume total de grãos produzidos no Brasil em 2025 se aproxima das 365 milhões de toneladas.

Diante da oferta de capacidade estática de armazenagem de 212 milhões de toneladas, segundo dados da Conab, o déficit é de 153 milhões de toneladas.

A conclusão: falta espaço para guardar boa parte da safra.

Embora o diagnóstico aponte para um problema real — afinal, o déficit existe e impõe desafios concretos —, essa abordagem precisa ser melhor quantificada. A metodologia amplamente difundida é, na prática, uma leitura “importada” da realidade de países como os Estados Unidos, onde a produção de grãos ocorre praticamente no mesmo período.

Além disso, não faz sentido para o nosso setor agrícola a recomendação da FAO/ONU de que a armazenagem supere em 20% a produção, pois essa orientação leva em consideração o perfil de produção de países do Hemisfério Norte, que é diferente do nosso.

No Brasil, a produção ocorre de janeiro a janeiro. A soja é colhida em uma ampla janela de dezembro a maio, concentrando-se no primeiro semestre, enquanto o milho, devido à predominância da 2ª safra, entra no mercado majoritariamente no começo do segundo semestre. Outras culturas, como o trigo, são colhidas perto do final do ano.

Essa distribuição no calendário de produção suaviza a pressão sobre os armazéns ao longo do ano. E à medida que a produção avança, parte do volume disponível também vai sendo exportado e consumido. Por exemplo, quando o milho está chegando aos armazéns, uma boa parte da soja já foi escoada – e vice-versa.

A devida quantificação da demanda por capacidade de armazenagem está mais para um filme do que para uma foto. Entretanto, o erro da conta amplamente utilizada não invalida a existência do problema, apenas mostra que ele é diferente do que costuma ser retratado. O sinal da conta está certo, o problema é a intensidade.

Quantificando melhor: MT em foco

Pelo modelo amplamente usado, apenas a produção de soja e milho em Mato Grosso neste ano, que deve ultrapassar 108 milhões de toneladas – 50 milhões de soja e 58 milhões de milho –, resultaria num déficit de 64 milhões de toneladas, dado que a oferta de capacidade estática é de 44 milhões de toneladas.

Quando são incluídas na análise a sazonalidade da produção e a dinâmica de consumo e exportação dos grãos, a dimensão real do problema muda.

No primeiro semestre de 2025, o pico de demanda por capacidade de armazenagem em Mato Grosso foi de 47 milhões de toneladas entre fevereiro e março - considerando o que havia estocado, a produção nesses meses e descontados a exportação, o consumo interno e as transferências para outros estados no mesmo período.

Como a oferta de capacidade estática de armazenagem era de 44 milhões de toneladas, o déficit foi de 3 milhões.

No segundo semestre, conforme a mesma lógica, o pico de demanda por capacidade de armazenagem – previsto para agosto – deverá atingir 64 milhões de toneladas. Mantida a oferta de capacidade estática de armazenagem em 44 milhões, o déficit estimado chegará a 19 milhões de toneladas.

Ou seja, o problema é relevante, mas não tão grande quanto alguns supõem.

Para o entendimento ainda mais efetivo, é preciso também considerar as alternativas de armazenagem, como o silo-bolsa, além de qualificar os dados.

Ao colocarmos uma lupa sobre os números, percebe-se que, na prática, nem toda a oferta de capacidade estática está realmente acessível.

É fundamental considerar as restrições operacionais. Muitos armazéns são privados e não disponibilizam estrutura para terceiros. Além disso, é comum que estejam parcialmente ocupados com um único produto, o que inviabiliza a entrada de outras culturas quando não há possibilidade de segregação.

Somam-se a isso fatores como localização desfavorável, altos custos de transporte, ausência de secadores e gargalos na recepção.

Diferenças regionais de armazenagem são evidentes

A conta fica ainda mais interessante quando analisamos os números regionalmente, pois no Brasil encontramos realidades bastante diferentes em relação ao volume produzido, a sazonalidade de colheita, à dinâmica de exportação e consumo, além da capacidade de armazenamento.

A Bahia, por exemplo, produz majoritariamente no primeiro semestre. O estado responde por 4% da produção brasileira de grãos e tem 4% da capacidade estática.

Com características diferentes, o Rio Grande do ul, que produz de setembro a maio, responde por 10% da produção de grãos do país e detém 16% da capacidade estática.

Alternativas para suprir o déficit de armazenagem

Nos últimos anos, após superar desconfianças, uma das soluções que ganhou muito espaço no campo são os silos-bolsa. Segundo a Secex, o volume importado de silos-bolsa entre 2000 e 2024 cresceu quase sete vezes e saltou de 1,4 mil para 9,8 mil toneladas - o equivalente a cerca de 17 milhões de toneladas de capacidade de armazenagem somente no último ano.

Os silos-bolsa têm oferecido flexibilidade, especialmente nos picos de colheita e em momentos de produção recorde. Mas sua própria natureza transitória evidencia que ele não substitui a necessidade de investimentos em armazenagem “tradicional” — sendo, na prática, uma estratégia complementar.

Enquanto novos investimentos em armazenagem não ocorrem, outra parte da diferença entre a oferta e a demanda é suprida por “armazéns sobre rodas” — os caminhões usados como armazéns temporários, uma espécie de estoque em trânsito.

A prática, porém, nasce da própria ineficiência logística. Trata-se, em certa medida, de um ciclo vicioso que funciona pela ineficiência do sistema e, quanto mais é usado, mais ineficiente fica –elevando os custos operacionais e comprometendo a eficiência do sistema.

Mesmo diante de uma nova safra recorde de grãos e da iminente formação de montanhas de milho a céu aberto a partir de junho, o agro não vai parar. No entanto, pagará um alto preço pela nossa crônica deficiência em infraestrutura de armazenagem.

Adriano Lo Turco e Rodrigo Cruz são sócios-gerentes da Agroconsult