Há três meses, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV) foi escalado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para criar e presidir um fundo de fomento privado à pesquisa agropecuária.
Ele até tentou escapar e justificou que já tinha passado da idade para tocar um projeto como esse. Mas ouviu do presidente da entidade, João Martins, que ou seria ele ou não seria ninguém - e o investimento de R$ 100 milhões não existiria.
“Aí, topei e fui buscar um técnico da Embrapa. Um rapaz muito bom, um cara que criou o RenovaBio, que se chama Miguel Ivan, da Embrapa de Goiás, que trabalhou recentemente no Inmet. Um jovem, mas um cara criativo, imaginativo, que tem competência para introduzir coisas novas no setor privado”, disse Rodrigues ao AgFeed.
Rodrigues se refere a Miguel Ivan Lacerda de Oliveira. Miguel Novato, como gosta de ser chamado em homenagem ao avô - que, ao migrar de Minas Gerais para desbravar Goiás, adotou o “Novato”, como ficou conhecido pelos locais -, foi quem desenhou modelou e será o diretor-executivo do Fundo de Agricultura Sustentável (FAS).
O projeto é aparentemente muito mais simples do que o da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), criada por ele em 2017 quando era diretor da área de biocombustíveis do Ministério das Minas e Energia, e do que comandar o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) durante o governo Jair Bolsonaro.
Mas a ambição do FAS em criar o primeiro fundo de pesquisa nacional com o suporte privado e no modelo inédito está no prospecto obtido pelo AgFeed: “O FAS nasce para dar suporte a soluções em pesquisa que garantam produtividade com resiliência, eficiência com viabilidade econômica, crescimento com legado. É um fundo que honra a história do agro brasileiro - e prepara o setor para o que vem a seguir”.
O modelo prevê um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) de dez anos para fomentar pesquisas, com aportes nos três primeiros anos, entre julho de 2025 e julho de 2028. Nos sete anos seguintes, até julho de 2035, os investidores receberão a remuneração básica, de IPCA mais 1% ao ano, e mais 80% dos royalties que superarem essa remuneração, oriundos das pesquisas que tiverem sucesso.
O primeiro FIDC está definido e com aportes de R$ 300 milhões, em três fatias de R$ 100 milhões: o primeiro investimento previsto para o próximo mês e o segundo, em julho de 2026, serão feitos pela CNA. O terceiro aporte de R$ 100 milhões está programado para dezembro de 2026 e deve vir da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), com quem o fundo tem negociado.
Os royalties devem bancar também prêmios aos pesquisadores, o que só será possível pelo fato de o fundo para pesquisa ser privado. A CNA teria se comprometido em reinvestir no próprio ganho os possíveis royalties recebidos, o que retroalimentaria o FIDC.
A gestora será a SP Ventures e a Zera.ag atuará como advisor no processo do primeiro FIDC. O regulamento detalhado da operação está previsto para ser divulgado ainda em junho, com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até meados de julho e assinatura do boletim de subscrição até o final do próximo mês, para que o FAS comece a receber as propostas de pesquisa a serem bancadas já a partir de 1º de agosto.
Para cumprir a meta de superar R$ 1 bilhão em investimentos em pesquisas agropecuárias, outros FDICs serão lançados. O AgFeed apurou que os envolvidos no processo já conversaram com empresas privadas e com os governos de São Paulo e do Paraná para formatarem outras captações a serem gerenciadas pelo FAS.
Presidido por Roberto Rodrigues e com sede na FGV Agro, em São Paulo (SP), o Fundo de Agricultura Sustentável terá uma governança técnica e independente, que avaliará os projetos a serem bancados.
“O FAS contará com uma frente de comunicação estratégica e relacionamento institucional com centros de pesquisa, hubs de inovação, universidades e instituições do agro. Essa rede será fundamental para identificar projetos promissores, antecipar tendências e construir um pipeline de inovações com alto potencial de impacto”, informa o prospecto.
Com o FAS totalmente privado, o ex-ministro espera compensar a frustração do Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, que elaborou um documento em que sugeriu a reavaliação do modelo de gestão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e uma reestruturação do modelo institucional vigente da maior estatal de pesquisa do País.
Formado por Rodrigues e quatro notáveis - o ex-presidente da Embrapa Silvio Crestana, o também ex-ministro Luís Carlos Guedes Pinto, além de Ana Célia Castro e Pedro Camargo Neto -, o grupo entregou, em novembro de 2023, o estudo ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
“Nada foi feito. Não fizeram nada até hoje”, resumiu Rodrigues.
Segundo ele, pesquisadores da Embrapa poderão apresentar propostas para o FAS, mas terão concorrência. “Ele (o presidente da CNA) falou: é para financiar a pesquisa, inclusive a Embrapa. Mas é também para o Instituto Agronômico e onde tiver uma pesquisa boa, de agricultura, com resultado, vamos financiar”, afirmou Rodrigues.
Curiosamente, um insumo à base de bactérias solubilizadoras de fosfato, desenvolvido pela Embrapa em parceria com a Simbiose/Bioma, é citado como um modelo ideal de pesquisa que obteve sucesso comercial e que o FAS pretende fomentar.
O BiomaPhos, produto com tecnologia 100% nacional desenvolvido a partir de microrganismos, aumentou a absorção de fósforo pelas plantas e, consequentemente, a produtividade. Segundo dados apresentados, nos primeiros cinco anos de adoção comercial a tecnologia rendeu R$ 4,2 bilhões em valor econômico ao país.
“Este é o tipo de inovação que o FAS quer identificar, apoiar e acelerar”, conclui o documento.
Com reportagem de Alessandra Mello.
Resumo
- FAS será instituído como um FIDC de dez anos para fomentar pesquisas, com aportes nos três primeiros anos, entre julho de 2025 e julho de 2028
- Fundo deve receber R$ 300 milhões, em três fatias de R$ 100 milhões, com o primeiro e o segundo investimentos feitos pela CNA
- Comando será do ex-ministro Roberto Rodrigues e o diretor executivo do FAS será Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, criador do RenovaBio