Brasília (DF) - Pelo menos um dia sem notícias negativas. Nesta segunda-feira, 26 de maio, no meio da tarde, no entra-e-sai de reuniões e consultas com assessores, o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua, ainda era cauteloso. Mas não conseguia esconder a alegria com o cenário positivo após a crise iniciada 11 dias atrás.
Em 15 maio, o Brasil, maior exportador mundial de carne frango, registrou seu primeiro foco de influenza aviária em um plantel comercial. Dos 160 países compradores, 30 fecharam ou restringiram as compras.
Após os casos em Montenegro (RS), a operação de bloqueio e desinfecção aparentemente foi um sucesso e, na quinta-feira passada, começou a contagem dos 28 dias para que o Brasil se autodeclare novamente livre da síndrome respiratória de alta patogenicidade. Se não houver novos focos, a data prevista para o anúncio será 19 de junho.
“Agora virou a curva. Até agora as notícias que vinham eram negativas e (...) a tendência agora é que a gente passe a ter mais flexibilizações, mais regionalizações”, disse Rua em entrevista ao AgFeed no primeiro dia sem o registro de novos bloqueios comerciais ao frango brasileiro desde o foco gaúcho.
Ex-diretor da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) que deixou o cargo para assumir a secretaria no Ministério, Rua estima que as barreiras levantadas pelos clientes internacionais possam frear uma exportação entre 90 mil e 100 mil toneladas de carne de frango.
Esse volume, no entanto, pode ser redirecionado para outros países ou mesmo estocado e exportado na primeira demanda após a reabertura ou flexibilização dos mercados. Por isso, ainda é cedo para avaliar o impacto do foco de gripe aviária nas exportações totais.
No ano passado, o Brasil comercializou 5,3 milhões de toneladas de carne de frango e vinha crescendo em um ritmo “absurdo”, segundo Rua, de 9% de aumento em 2025. Para o secretário, o sucesso dos protocolos sanitários e comerciais com mais de uma centena de países foi fundamental para evitar um colapso no mercado de aves.
Esses protocolos incluem as chamadas “pré-listings”, que facilitam a habilitação e renovação de habilitações de estabelecimentos exportadores de alimentos, cujas certificações são feitas pelo próprio país exportador, no caso o Brasil.
Incluem ainda as flexibilizações e regionalizações, quando apenas parte do mercado é fechado em casos de crises sanitárias. Exemplo disso é o Japão, que suspendeu as compras de carnes de frango apenas da região de Montenegro.
Por outro lado, União Europeia, China e México, grandes compradores e sem acordos específicos, barraram as vendas de todo o Brasil. “Fizemos o pedido da flexibilização, eles estão naturalmente avaliando e vamos aguardar”, disse.
Na entrevista, o secretário também comemorou a abertura de dezenas de mercados por mês para produtos do agronegócio brasileiro e defendeu os chamados não tradicionais. São aqueles produtos abaixo dos “top 10” que representam 80% de toda a pauta exportadora do agronegócio brasileiro.
Tem desde gergelim e sorgo para a China até maçã para Benim, que deve ser liberada esta semana, como antecipou Rua ao AgFeed. As exportações desses produtos não tradicionais cresceram 8% em 2024 e devem crescer mais 20% este ano, segundo o secretário.
“A gente entendeu que se não ajudar esses setores menores, vamos estar sempre nos mesmos produtos”.
Na entrevista abaixo, Rua defendeu o mercado chinês, mesmo com a alta dependência e com o aquele país sendo um dos primeiros a fechar as compras de carne de frango, foi diplomático ao falar sobre os Estados Unidos com Donald Trump e avaliou que o acordo entre União Europeia e Mercosul deve ser finalizado no bloco europeu até o início de 2026. Confira.
São quase oito meses de governo, após quatro anos na ABPA. Qual é a diferença e como você está avaliando esse período?
É um período de muito aprendizado, muita entrega e muito trabalho. Eu acho que tenho a confiança do ministro Carlos Fávaro para trabalhar segundo as suas diretrizes e continuar esse trabalho de colocar cada vez mais o agronegócio brasileiro no mundo. Foram 379 aberturas de mercado desde o início do mandato do ministro. Tão importante quanto as aberturas de mercado é o número de ampliações de mercado.
Pode dar um exemplo?
Quando a gente já tem acesso a um determinado mercado para um determinado produto, a gente consegue uma facilitação de comércio ou aumentar significativamente o número de plantas habilitadas, no caso das proteínas animais, ou de estabelecimentos, no caso de produtos vegetais.
Filipinas, desde que o Brasil conseguiu o sistema de “pré-listing” para carnes de aves, bovina e suína, é um dos top cinco mercados nessas três proteínas. E no caso da carne suína, suplantou a China, que até então era o principal comprador.
A rotina de viagens aumentou…
Tenho acordado muito cedo, como é o costume de quem é “da lida”, e dormindo bastante tarde. Foram 15 países até agora que viajei nesses primeiros meses, com a tendência de que sejam 20 países até o final de junho.
Tem sido muito prazeroso ter essa oportunidade, ter contato estreito também com o setor privado, porque é importante escutar o que o setor tem de demanda para que a gente possa atuar lá fora.
No dia 15 maio o Brasil teve o primeiro caso de influenza aviária em um plantel comercial. Desde então, medidas foram tomadas, houve um pré-trabalho feito no passado e não surgiram mais casos. Como o Ministério da Agricultura avalia o cenário atual?
A gente tem conseguido fazer aquilo que era esperado do governo brasileiro, que é dar respostas rápidas e de maneira muito transparente. No primeiro momento notificamos todos os países compradores, dando o máximo de clareza e transparência e temos feito o follow up com uma série de informações a partir da evolução deste caso único.
A desinfecção da granja já foi encerrada e agora a gente tem a contagem. Estamos (na segunda-feira, 26 de maio) no quinto dia, de 28 dias, para que o Brasil possa se autodeclarar novamente perante a Organização Mundial de Saúde Animal como livre de influenza aviária de alta patogenicidade.
É fundamental o trabalho coordenado com a Secretaria do Estado do Rio Grande do Sul, em conjunto com a SDA (Secretaria de Defesa Agropecuária), naquilo que compete às áreas técnicas e, depois, da negociação com países internacionais, feito pela SCRI, com uma rede fundamental de 40 adidos.
Tudo isso nos dá um alento de que em pouco tempo, assim como foi no caso da doença de Newcastle, a gente possa retornar grande parte dos mercados.
A ABPA, onde você trabalhou por um tempo, fala muito da questão dos protocolos sanitários que foram feitos durante os anos para regionalizar a questão da gripe aviária. Essa é a saída para o Brasil?
De 160 países, com uns 130 a gente já fez isso. Houve esse trabalho setor privado junto aqui com o governo para que, ao longo do tempo, fossem feitas essas flexibilizações (de embargos em casos de doenças como a influenza). Muitos desses 30 países restantes nos disseram que, quando tivéssemos um caso, decidiriam se flexibilizariam ou regionalizariam.
Como tem sido a resposta deles diante de um caso real?
Nossa expectativa é de que agora esses países, vendo que o Brasil tomou uma atitude muito séria, transparente, diligente, possam flexibilizar e regionalizar. Hoje não temos nenhum caso e, 28 dias passados da desinfecção (no dia 19 de junho), o Brasil fará autodeclaração de livre de influenza aviária.
Só que nesse meio tempo a gente vai continuar pedindo aos países para que possam fazer flexibilização – e nós estamos privilegiando a flexibilização e a regionalização de um raio de 10 quilômetros, que são três quilômetros do raio imediato e mais sete quilômetros que se diz o perifocal.
Dos cinco principais países, nós temos flexibilização em três deles: Japão, que é por município, Emirados Árabes, que é por raio e Arábia Saudita, que é por estado, o Rio Grande do Sul. Dos outros dois países, México está dando indicativos de que deverá regionalizar rapidamente, e China já entregamos todas as informações, fizemos o pedido da flexibilização, eles estão naturalmente avaliando e vamos aguardar.
Além disso, a União Europeia também hoje está barrada para o Brasil todo, mas a nossa ideia, e até pela forma como eles nos deram a resposta, é que o Brasil se auto declarando livre novamente, eles voltariam a permitir que o Brasil possa emitir certificado.
Esta segunda-feira foi o primeiro dia que não tem mais países fechando mercados pro Brasil, correto?
Agora virou a curva. Até agora as notícias que vinham eram negativas e, dado que fizemos o nosso dever de casa tecnicamente, que do ponto de vista da negociação que conduzo junto aos meus adidos e aos setores comerciais, a tendência agora é que a gente passe a ter mais flexibilizações, mais regionalizações.
Já há uma perspectiva de quanto o Brasil vai perder em receita com as exportações de frango com o foco de gripe aviária?
É difícil a gente dizer, porque tem que lembrar que são vários comunicantes e, dos 160 mercados, 130 estão abertos. Óbvio, às vezes você pode perder um pouquinho em preço, em quantidade. A estimativa que eu faço é que a gente deve perder entre 90 mil e 100 mil toneladas.
O setor fala em um redirecionamento de exportações ou estocagem para vender depois de os mercados reabrirem…
Na maior parte dos países você vai conseguir fazer isso e as empresas já estão fazendo. O importante é você saber que o mundo está demandando carne de frango. Tanto que o Brasil cresceu 9% ao ano em 2025, um absurdo.
Lembrando que no ano passado o Brasil já teve um crescimento bastante significativo nas exportações. Foi o ano recorde de exportações de frango, com 5,3 milhões de toneladas e com preços médios maiores. Isso quer dizer que o mundo estava demandando mais frango e que quem podia suprir esse aumento de frango era o Brasil.
E como fica a questão de outras proteínas, como carne bovina, por exemplo, que é um mercado que tem crescido bastante e saído da dependência de poucos clientes?
A gente conseguiu a abertura do Vietnã, que é um grande mercado, mas já fomos muito dependentes da China, da Rússia, do Egito, do Irã. Essa é a ideia, diversificar, por isso que a gente está falando das aberturas de mercado.
Este mês de maio é o mês em que a gente mais abriu mercado neste ano. A gente abriu 21 em janeiro, 13 em fevereiro, 11 em março, 11 em abril. Só até agora, e vão ter mais notícias boas até o dia 30, já foram 23 mercados.
"Para produtos menos tradicionais, não vale só abrir a porta. É preciso ajudar (os exportadoes) a atravessar a porta."
E a gente está fazendo um trabalho muito pesado, e é uma diretriz, de abrirmos mercados para produtos não tradicionais. No ano passado, as vendas externas desses produtos que não estão nos top 10 da pauta de exportação - os top 10, são mais de 80% de tudo que a gente exporta - aumentaram 8%. Este ano estão crescendo 20%.
A gente entendeu que, se não ajudar esses setores menores, vamos estar sempre nos mesmos produtos. E aí a gente entendeu uma outra coisa. Principalmente para esses produtos menos tradicionais, não vale só abrir a porta. É preciso ajudá-los a atravessar a porta.
Como é que se faz isso?
A gente fez uma série de iniciativas como os AgroInsights. Os adidos fazem 76 relatórios todos os meses, uma análise de um produto conjuntural naquele mercado, 38 de origem vegetal, 38 de origem animal e a gente disponibiliza para toda a sociedade.
Tem como citar algum exemplo?
Esta semana vai abrir o mercado de maçã para o Benin. Você acha que o produtor de maçã ia lá no Benin para saber como que ele faz o registro de produto e quem são os importadores? Ao abrir o mercado, ato contínuo o adido informa como faz o registro, se precisa ter um despachante, qual é o site que entra, qual é a tarifa aplicada, quem são os principais importadores, quem já vende maçã para o mercado. Ou seja, a pessoa só não vende se ela só não se interessa ou se ela não quiser.
A China é um mercado muito sensível, apesar de ser o maior mercado do Brasil. Como lidar com isso dentro do ministério e nas negociações, na diplomacia?
Eu lido com a China sensivelmente há uns 15 anos. Há um nível de maturidade e transparência das nossas relações com a China em todos os aspectos e, naquilo que tange a Secretaria, o Ministério da Agricultura, é espetacular.
Eu entrei aqui em outubro e, desde novembro do ano passado, nós abrimos dez mercados para a China. São mercados relevantes como o sorgo – a China importa 83% do sorgo transacionado no mundo – uva e gergelim. Agora podemos exportar todas as espécies de pescado extrativo. E começamos a trabalhar já no protocolo para pescado de cultivo.
Uma grande crítica que fazem ao Brasil, principalmente no caso da soja, do agronegócio, é que o Brasil é muito exportador e que tem muita gente passando fome aqui.
Eu vou discordar e vou te dar dois dados. No frango, por exemplo, 67% do que é produzido no Brasil fica no Brasil. O maior cliente do porco brasileiro, com 76%, é o Brasil. E 70% do boi produzido no Brasil fica no Brasil.
No caso do boi, o Brasil exporta majoritariamente dianteiro e miúdo. O fato de você poder exportar esses produtos, e geralmente os preços de exportação são mais remuneradores, te ajuda a compor a composição de custo para que o brasileiro possa ter os cortes do traseiro a preços mais acessíveis.
"O Brasil é uma das poucas geografias do mundo tem as 'ades': tem qualidade, quantidade, sanidade e faz a exportação de comida em complementaridade, que não briga com a indústria local"
Até a pandemia o brasileiro consumia 42,5 quilos de frango por ano, hoje ele consome 46 quilos. Cada brasileiro consumia, antes da pandemia, 14 quilos de carne de porco, hoje consome quase 19 quilos. De 25 quilos de carne bovina, hoje consome quase 30 quilos.
Esses novos acessos, essas novas oportunidades geram emprego aqui no Brasil, geram renda e agregação de valor. Outro exemplo: se eu vendesse todo o milho sem dar para o porco e para a galinha, conseguiria US$ 3 bilhões. Dando parte do milho para a galinha e o porco, eu consigo US$ 12,5 bilhões
Como vocês estão avaliando e quais perspectivas e cautelas com os Estados Unidos e com Donald Trump?
Eu tenho dito em todos os lugares que o Brasil é um parceiro seguro, estável, sólido, confiável e que os países podem contar com o Brasil. Então, do ponto de vista do agronegócio, se o mundo precisar do agronegócio, o Brasil tem as condições.
O Brasil é uma das poucas geografias do mundo tem as “ades”. O Brasil tem qualidade, quantidade, sanidade e faz a exportação de comida em complementaridade, ou seja, geralmente manda um produto para ser processado localmente, então você não briga com a indústria local.
O Brasil tem sustentabilidade e estabilidade no fornecimento. Nesse momento que é um de muros ou de guerras comerciais, o Brasil, é um promotor da geopolítica da paz
Os Estados Unidos tomarão suas decisões, a gente espera, porque a gente defende o multilateralismo, e a gente espera que possam haver “consertações” no sentido de ter um retorno a uma certa normalidade do ponto de vista do comércio.
O acordo entre União Europeia e o Mercosul sairá quando do papel?
Estive lá recentemente, falei com muitos stakeholders, falei no Parlamento, na Comissão Europeia e há um sentimento de que é um momento muito propício. A expectativa é que as formalidades sejam finalizadas até o início do verão europeu, em julho ou agosto, e que isso possa ser colocado para apreciação na metade do último trimestre do ano, começo do ano.
Resumo
- Pela primeira vez desde 11 de maio não houve nenhum novo registro de bloqueio internacional à entrada de frango brasileiro
- Para Luis Rua, País "virou a curva" da crise da gripe aviária e deve começar a haver flexibilização nos embargos de países importadores
- Secretário do Mapa estima que impactos das barreiras dos clientes internacionais fique entre 90 mil e 100 mil toneladas de carne de frango