Quando o assunto envolve agro e a região Nordeste do Brasil, grande parte dos olhares se volta para as oportunidades que novas fronteiras como o Matopiba oferecem para ampliação da produção de grãos no país.
Porém, há 70 anos que o Banco do Nordeste (BNB) fomenta o setor na região, e em épocas de olhares mais atentos voltados para a região, vislumbra novas oportunidades de crescimento.
Hoje a instituição é a operadora do FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste), fundo constitucional administrado em conjunto com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), mas quer ir além para ampliar suas fontes, com um pé no mercado de capitais.
O banco, que hoje tem uma carteira de cerca de R$ 50 bilhões em operações ligadas ao agronegócio – sendo R$ 30 bilhões para agricultura empresarial e o restante para agricultura familiar – está prestes a colocar à disposição de seus clientes os recursos captados através de um Fiagro de R$ 500 milhões.
Com o nome de Fiagro Nordeste, o veículo, que é gerido em parceria com o banco BTG Pactual, virá para atender uma demanda que vai além do disponível com os recursos do FNE.
De acordo com o gerente do ambiente do Agronegócio do BNB, Eliezer Lobo, 60% do volume captado com o FNE (que, para 2025, está previsto em cerca de R$ 20 bilhões para agricultura e pecuária) é destinado para agricultura familiar.
“Ao mesmo tempo, a demanda é crescente do lado dos médios e grandes produtores, por isso o banco criou o fundo. Vamos amparar recursos que possam ser feitos em conjunto com operações do FNE”, explicou o gerente, que conversou com o AgFeed na posição de superintendente do setor dentro do banco, cobrindo as férias de Luiz Machado.
Ele cita que o fundo já está formado, mas ainda não teve nenhuma operação de crédito. Os aportes serão a partir de R$ 5 milhões, chegando até cheques de R$ 100 milhões.Para o banco e seus clientes, há um processo de “aprendizado” no novo mecanismo de financiamento.
“Os clientes estão acostumados com as taxas do FNE, e quando entramos no mercado de capitais, é outra taxa, mais alta”, cita Lobo.
Diferente das linhas incentivadas, que por conta dos subsídios do Governo Federal, ficam abaixo da taxa Selic, bancos como o BTG se baseiam na taxa básica para definir os juros de seus empréstimos.
Na prática, como o fundo vai funcionar como uma alternativa de crédito aos clientes, o BNB vai ser responsável por um processo de aprovação dos produtores interessados, recebendo informações financeiras e operacionais.
Passado o rito inicial, o banco irá assessorar os clientes para emissão de algum papel de dívida como uma CPR, CDCA ou debênture.
O fundo então vai encarteirar o papel e repassar o recurso ao emissor. Os vencimentos e o Fiagro Nordeste terão um prazo máximo de 10 anos.
O pagamento de juros poderá ser mensal, trimestral ou semestral, e a taxa cobrada ao cliente irá variar conforme a análise de crédito feita pelo BTG.
Os recursos do Fiagro servirão tanto para expandir capacidade produtiva de agropecuaristas quanto em investimentos em logística, máquinas, tecnologias de agricultura de precisão e na construção de unidades agroindustriais.
Hoje o Banco do Nordeste possui 296,8 mil clientes ativos no segmento. Mais de 90% são produtores que operam como pessoas físicas.
Eliezer Lobo estima que o banco hoje é o principal agente econômico de crédito rural no Nordeste, responsável por 48% dos financiamentos de toda a região.
A carteira ativa, ou seja, o estoque de dívidas, do Banco do Nordeste encerrou 2024 com R$ 48,8 bilhões, valor 6,5% superior ao saldo registrado em 2023.
Desse total, R$ 30,3 bilhões referem-se ao agronegócio empresarial, enquanto R$ 18,5 bilhões correspondem à agricultura familiar.
No ano passado, o banco contratou R$ 20,7 bilhões em crédito rural, sendo R$ 11,1 bilhões direcionados à agricultura empresarial e o restante voltado ao apoio da agricultura familiar. Do total contratado, 62% foi para custeio e 36% para investimento. Do montante, 86% veio do FNE.
Por cultura, o valor contratado foi 38,9% para soja, 20,7% para pecuária, 11,1% para milho, 5,7% para café, 5,6% para algodão e 4,2% para cana.
As novas fronteiras do BNB
Considerando os R$ 11,1 bilhões da agricultura empresarial contratados em 2024, que segundo Eliezer Lobo, também conta com produtores pessoa física, 62% foram para financiamentos na região do Semiárido, 59% no Matopiba, 37% no Vale do São Francisco e 7% no Sealba, termo formado pela junção das siglas dos estados de Sergipe, Alagoas e Bahia (a soma dos percentuais ultrapassa os 100% porque, em muitos casos, há sobreposição de regiões).
Essa última região tem sido vista como uma nova fronteira agro para o banco. O BNB estima que são 5 milhões de hectares espalhados em 171 municípios, sendo 2 milhões aptos para a produção agrícola, principalmente para grãos como soja, milho, sorgo e até trigo, além de fruticultura e recuperação de áreas de pastagem degradadas.
“A produção de soja na entressafra das grandes regiões produtoras do país pode garantir melhores preços e oportunidades de mercado. Além disso, a região também tem potencial para se tornar uma fornecedora de sementes de qualidade superior para outras áreas produtoras”, diz o banco, em um relatório.
Eliezer Lobo ainda destaca que o Sealba tem forte potencial para plantação de cana-de-açúcar, principalmente no Alagoas.
De 2019 até 2025, o crédito contratado no banco para essa região já ultrapassou R$ 6,5 bilhões, estima o gerente, sendo 302 mil operações feitas só com recursos do FNE, tanto para agricultura familiar quanto empresarial.
Além do crédito rural, o BNB também possui linhas com o FNE focadas em projetos de irrigação, inovação, energia solar, conectividade e até linhas verdes para colheitas de baixo carbono.
“Quando mapeamos a região, com orientações do Governo Federal, vimos algumas necessidades dos produtores, e a importância da irrigação. Existem muitas áreas com potencial, mas o percentual irrigado ainda é baixo”, disse Eliezer Lobo.
Segundo ele, outro ponto de atenção do Governo Federal está na armazenagem, que ganha mais importância em meio a uma temporada de safra recorde na produção de grãos.
No universo da agricultura familiar, o BNB também atua com crédito fundiário. Segundo Leandro Terto, gerente responsável pela área, só em 2024 foram R$ 53 milhões em crédito para 389 famílias, com quase 10 mil hectares em áreas adquiridas.
Fomento às agroindústrias
O BNB ainda oferece crédito às agroindústrias da região e, como é o grande financiador principalmente dos produtores rurais, o banco atua como uma espécie de avaliador técnico, econômico e financeiro, para garantir que a relação entre a empresa e os fornecedores seja sustentável.
Um exemplo de projeto nesse modelo, que se encontra em fase de estudos de viabilidade, envolve uma fábrica de laticínios no sul do Piauí, numa região conhecida como Vale do Gurgueia.
O negócio é uma aposta da Via Lat, companhia mineira especializada na produção de queijos, para atuar no estado. A intenção da companhia é construir uma indústria na cidade de Cristino Castro com capacidade de produção de 300 mil litros de leite diários.
O investimento está previsto na faixa dos R$ 500 milhões, com grande parte sendo financiado pelo BNB. O AgFeed apurou com fontes do Executivo local que a empresa, batizada de Laticínios Vale do Gurgueia, seria focada na produção de derivados de leite, como creme de leite, leite em pó e leite condensado, e serviria para o consumo interno do Piauí.
“Hoje o Piauí consome 1,2 milhão de litros de leite por dia, mas só produz 140 mil”, disse a fonte.
De acordo com Lobo, do BNB, a indústria ainda está na fase de projeto, pois ainda é preciso “dar a condição para o ecossistema dos fornecedores”.
O executivo explica que a companhia precisa estruturar uma rede de fornecedores, quee, por se tratarem de pequenos produtores que, em muitos casos, são tomadores de crédito do BNB, necessitam, além do dinheiro, uma garantia da qualidade do rebanho e do leite.
“Não adianta ter somente o recurso e que a força empreendedora do empresário esteja alinhada com a missão do BNB. Precisamos garantir que a cadeia da matéria-prima para a indústria funcione e, para além do dinheiro, ofereça assistência técnica para qualificar a matriz do leite”, afirmou.
Além deste, existem alguns outros projetos também em fase de análise para que o investimento saia do papel. Ele cita uma indústria de carne halal focada em caprinos e ovinos nesse estágio no interior do Ceará, além de indústrias de cacau e fruticultura em outros estados do Nordeste.