A história da Cerradinho Bioenergia resume, de certa forma, o que foram as últimas décadas da indústria sucroenergética brasileira. Nascida em 1969, quando o empresário José Fernandes investiu em uma fábrica de açúcar e álcool em Catanduva - interior de São Paulo e centro da produção brasileira à época -, a companhia viveu todos os ciclos de alta e baixa do setor.
O grupo surfou nas ondas do Proálcool, em meados da década de 1970, e do carro flex, a partir de 2003, quando começou a desenhar o projeto de crescimento. Entre 2006 e 2010, inaugurou a segunda usina, em Potirendaba (SP), e anunciou a construção da destilaria em Chapadão do Céu (GO). E foi no Centro-Oeste brasileiro onde se consolidou.
O endividamento com os projetos de expansão e os ciclos de baixa do etanol e açúcar, porém, cobraram seu preço. Em 2010, a família Fernandes vendeu as suas usinas paulistas para a Noble, hoje Cofco, à época por US$ 950 milhões, e focou nos investimentos na unidade de Goiás.
Paralelamente, iniciou um processo de governança que culminou com uma gestão profissionalizada e com registro de capital aberto na CVM, pronta para uma abertura de capital, improvável no atual momento.
A companhia se reinventou e a “nova” Cerradinho só cresceu nos últimos 15 anos. Com investimentos bilionários, a destilaria de etanol e produtora de bioenergia de cana em Chapadão do Céu se tornou um complexo industrial.
Foram construídas uma planta anexa para a produção de etanol de milho, em operação desde 2019, e uma usina de açúcar, inaugurada em julho de 2024.
Ao mesmo tempo, por meio da Neomille, o braço de etanol de milho, a Cerradinho Bioenergia construiu e inaugurou, em janeiro do ano passado, a segunda unidade, em Maracaju (MS).
Em entrevista ao AgFeed, Renato Pretti, diretor presidente da Cerradinho Bioenergia, admite que, após duas expansões de 2024, o momento atual seria de consolidação. Mas revela: um novo ciclo bilionário de expansão da companhia já está engatilhado.
“Temos dois projetos em carteira bem importantes, que são as expansões das unidades de etanol de milho de Maracajú e de Chapadão. Projetos já bem estruturados, com engenharia pronta, licenças ambientais emitidas e em unidades já existentes com nível de maturidade relevante”, afirma Pretti.
Uma das primeiras companhias a vislumbrar o potencial do milho para a produção de etanol no Centro-Oeste Brasileiro, a Cerradinho Bioenergia é a terceira maior produtora nacional do biocombustível a partir do cereal. Atualmente, tem capacidade de processar 610 mil toneladas do grão por ano em Maracaju e 860 mil toneladas em Chapadão do Céu.
Com os projetos de expansão, a unidade sul-mato-grossense cresceria para um processamento de 1,4 milhão de toneladas e a goiana para 1,2 milhão de toneladas anuais do grão.
Apesar do apetite pelo crescimento, a expansão ainda deve esperar uma clareza no cenário incerto para o etanol no Brasil e o barateamento do crédito.
“O cenário do funding convencional, próximo do convencional, adjacente ao convencional, está caro e a despesa financeira acaba dificultando a rentabilidade, ainda mais projetos de capital intensivo como essas indústrias, quando estamos falando de um somatório de Capex superior a R$ 1 bilhão”, explica Pretti.
Na avaliação do executivo, “não é tão trivial investir numa condição macroeconômica atual no Brasil com taxa de juros” num patamar próximo a 15% ao ano.
“Soma-se a esse sentimento nosso de cautela, com todo esse crescimento do etanol de milho, o cuidado que o setor tem que ter para não gerar um descompasso de oferta e demanda”.
A dependência do etanol e a disparada nos preços internacionais do açúcar levaram a Cerradinho Bioenergia a apostar na retomada da produção do adoçante, abandonada com a venda das usinas paulistas.
A unidade para a produção do adoçante em Chapadão do Céu consumiu R$ 289 milhões, foi inaugurada em meados do ano passado e tornou o complexo industrial goiano em um exemplo de versatilidade de produção.
A unidade, que produzia só etanol de cana, agora é capaz de ter 70% da cana destinada ao açúcar e 30% ao álcool. “Se o etanol arbitrar favoravelmente, viramos a chave para 100% (da cana) ao etanol”, explica.
Mas com a produção de açúcar já destinada à exportação, a aposta é na chave nos 70% do adoçante. A oferta será ampliada e, na nova safra, a ser iniciada em 1º de abril, saltará de 30 mil sacos para 50 mil sacos por dia.
Em 15 anos, a nova Cerradinho Bioenergia saiu de uma capacidade de moagem de 5,5 milhões de toneladas só de cana para 13,7 milhões de toneladas de cana equivalente, se incluído o processamento de milho e a produção de etanol correspondentes.
“É um modelo único de negócio em que crescemos em média 15% ao ano, o que é muito representativo. É uma empresa que entrega expansão e resultados, é resiliente ao contexto às vezes desfavorável e, nesse meio, nós nos reinventamos”, conclui.
Com a nova fase de expansão do etanol de milho, a capacidade deve saltar para 19,5 milhões de toneladas de cana equivalente, ou seja, quase quatro vezes mais.
Cerradinho em números
Segundo dados da companhia, a unidade processadora de cana tem capacidade de produção de 515 mil milhões de litros de etanol, 330 mil toneladas de açúcar e de gerar 160 MW de energia elétrica por safra.
A unidade milho em Chapadão do Céu tem capacidade para 620 milhões de litros de etanol, 414 mil toneladas de DDG ("Distillers Dried Grain") - subproduto utilizado para ração animal - e de 19 mil toneladas de óleo.
Grande parte da produção é escoada pelo terminal ferroviário da Cerradinho em parceria com a Rumo Logística no município de Goiás.
A planta de Maracaju, que consumiu R$ 1,08 bilhão de investimentos, tem capacidade de produzir 266 mil milhões de litros de etanol, 161 mil toneladas de DDG e 10 mil toneladas de óleo.
Os investimentos e o modelo de operação da companhia já dão resultados financeiros positivos e no terceiro trimestre do ano-safra 2024/2025 - de outubro a dezembro de 2024 - lucro líquido foi de R$ 110,6 milhões e receita líquida de R$ 1,17 bilhão.
Os indicadores, divulgados há um mês, mostraram avanço de 26% e 102,9%, respectivamente, na comparação com o mesmo período da temporada passada.
No acumulado do período de abril a dezembro de 2024, o lucro líquido somou R$ 182,8 milhões e a receita líquida de R$ 2,7 bilhões, altas de 111,2% e 48,1%, respectivamente.
A Cerradinho Bioenergia reduziu a alavancagem, indicador que mede a saúde financeira do negócio, para 2,28 vezes a relação entre a dívida líquida e o Ebitda. Ao final de 2023, o indicador estava em 4,7 vezes.
O recuo ocorreu porque enquanto a dívida permaneceu estável em R$ 2,4 bilhões, o lucro operacional (Ebitda) avançou.
Os resultados deram fôlego à companhia e, ainda em fevereiro, a Cerradinho Bioenergia anunciou a contratação de até R$ 200 milhões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destinado a capital de giro e compra de maquinário