Por mais que se procure, é praticamente impossível achar menções ao nome Viter nos balanços da Votorantim Cimentos, empresa que deu fama e porte ao Grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes.

Não por falta de relevância, mas por uma política interna da companhia, que não revela dados isolados de seus negócios.

Assim, é preciso recorrer a pistas ao se tentar dimensionar o porte da marca, criada em 2020 para embalar os produtos da divisão de insumos agrícolas da tradicional cimenteira brasileira.

Pista 1: a Viter alterna com a área de argamassas o papel de maior negócio dentro do segmento de Adjacências, que é como internamente se define as áreas de atuação não diretamente relacionadas ao negócio de cimento.

Pista 2: as “adjacências” representam cerca de 34% das receitas da companhia, que foram de R$ 26,7 bilhões em 2023 e somaram R$ 20 bilhões nos três primeiros trimestres de 2024 (o balanço do quarto trimestre e o consolidado do ano ainda não foram divulgados).

Pista 3: “A Viter dobrou de tamanho, em receita e volume de vendas, nos últimos três anos”, segundo afirma Marcelo Giuliano de Sousa, gerente geral da Viter, ao AgFeed. “E cresce em ritmo mais rápido que os outros segmentos”.

Engenheiro agrônomo com pós-graduações em negócios e operações agrícolas em instituições de elite como o Insead e a Purdue University e passagens por multinacionais como Syngenta e FMC, Sousa comanda a Viter desde o final de 2021.

Ele recebeu o desafio de liderar um processo de transformação de um negócio que não era novo dentro do grupo, mas que não contava com uma estrutura própria para almejar passos mais amplos.

Durante décadas, a venda de calcário e outros subprodutos da produção de cimentos como corretivos de solos para a atividade agrícola foi apenas uma receita complementar para a companhia.

O crescimento da demanda vinda do campo, sobretudo nos últimos 15 anos, fez com que a chave virasse dentro da Votorantim. E, então, uma transformação começou a ocorrer no segmento.

“A criação da marca Viter foi um divisor de águas, no sentido de tornar esse negócio cada vez mais orientado para o cliente do agro, que é um cliente normalmente diferente da construção civil”, afirma Sousa.

A partir dela, uma estrutura foi ganhando corpo para criar uma operação completa. “A Viter não tinha uma área de pesquisa e desenvolvimento, agora tem. Não tinha área técnica para abordagem com clientes no campo, agrônomos mesmo, agora tem. Não tinha área de marketing estratégico, com gestão de portfólio e produtos, agora tem”.

Passou a ganhar também nacos mais robustos dentro do plano de investimentos da Votorantim Cimentos, que prevê aportes de R$ 5 bilhões em cinco anos, iniciados no ano passado.

Um exemplo desse novo momento é o ano que terminou. Em 2024, a Viter viveu dois eventos de inauguração. Em novembro, com a conclusão da ampliação da planta de Itapeva, no interior de São Paulo. Meses antes, em abril, com a abertura da nova fábrica em Itaperuçu, no Paraná, a mais moderna do grupo, construída a partir de um novo conceito.

“Essa é uma planta diferente das outras, no sentido que ela tem o nosso negócio, que é a Viter, e também tem o negócio de reprocessamento de resíduos do grupo, a Verdera”, explica Sousa.

“Mas não está compartilhada com o cimento. Todas as demais têm produção de cimento e às vezes, argamassa, cal, agregados, até porque é uma questão de aproveitar as sinergias industriais. Mas esse é um case diferente, é stand alone”.

O investimento feito ali é outra pista que ajuda a entender a ambição da Viter. Foram R$ 145 milhões, uma valor que Sousa aponta como sendo um padrão para futuras instalações. E elas virão.

Aqui, novamente, a empresa esconde o jogo. Para 2025, por exemplo, o executivo fala de aportes (valores não revelados) na implantação de um novo centro de P&D junto à planta de Itapeva.

No local, já funcionam uma estação experimental, uma estufa e uma casa de vegetação. Agora, está sendo construído um laboratório para análises. “Ali é o nosso ponto focal de pesquisa e desenvolvimento”, diz.

O mapa da expansão

A intenção de expandir o negócio – que se apresentava anteriormente como “líder em comercialização de calcário agrícola no Brasil e a única com presença nacional” – é declarada e passa por duas vertentes.

Uma é a partir da oferta de mais produtos, cada vez mais se especializando em reposicionar a marca como competidora no mercado de fertilizantes especiais.

A outra é geográfica, ocupando o que Sousa chama de “white spaces”, as áreas com potencial agrícola ainda sem a presença de competidores relevantes nos seus segmentos.

O estudo desses espaços tem avançado na Viter, sempre analisando não apenas a questão da demanda, mas a possibilidade de oferta dos produtos da marca.

Uma das características mais relevantes desse mercado é, como observa Sousa, a sinergia entre a produção de cimento e a oferta de calcário e outros insumos agrícolas derivados dele.

O custo logístico no transporte das matérias-primas e, depois, do produto final, exige que os dois negócios caminhem juntos. Assim, a expansão da Viter depende da presença da Votorantim Cimentos – ou de eventuais parceiros – em uma determinada área.

“A gente tem, sim, previsão de abrir novas unidades no Brasil”, afirma Sousa. “Para a abertura de novas plantas na configuração de Itaperuçu, leva um tempo para acontecer. Agora, uma forma que a gente tem feito, que é um pouco mais rápido, é aproveitar as unidades existentes e fazer expansões”.

A companhia tem atualmente oito unidades próprias em operação e outra em parceria. As plantas próprias estão no Tocantins (cobrindo parte dos estados do Tocantins, Maranhão, Piauí e Pará), em Nobres (no Mato Grosso), Sobradinho (próximo a Brasília, que atente Distrito Federal, um pedaço de Goiás e até um trecho do Oeste da Bahia), Itaú de Minas (no Sul de Minas, que fornece também para a região Norte de São Paulo), Salto de Pirapora (próxima a Sorocaba, voltada para as usinas de cana da região), Itapeva (Sul de São Paulo e regiões do Paraná), além de Itaperuçu e Rio Branco do Sul (ambas próximas a Curitibam, que atendem ao Paraná).

Marcelo Giuliano de Sousa, gerente geral da Viter

A planta operada em parceria com a Mineração Morro Verde fica em Minas Gerais.

Itaperuçu é a única que não tem uma unidade de produção de cimento no mesmo terreno, mas está distante apenas 7 quilômetros da planta de Rio Branco do Sul.

“Nem toda fábrica de cimento tem uma unidade de produção de calcário agrícola. Só as que fazem mais sentido para o negócio agro”, diz Sousa.

E, a partir da produção, o raio de comercialização, para manter a viabilidade econômica do calcário, é de cerca de 300 quilômetros.

É a partir dessa lógica que a Viter desenha seu mapa de futuros investimentos. Sousa dá alguns exemplos das análises que tÇem sido feitas.

Segundo ele, as unidades do Paraná atendem muito bem todo o estado do Paraná, Santa Catarina e conseguem chegar até o norte do Rio Grande do Sul.

“Do meio do Rio Grande do Sul para baixo, a gente já não tem tanta competitividade. Então, ali seria um ‘white space’”.

Outro exemplo é o Mato Grosso do Sul. “A gente consegue, sim, chegar, mas com um produto especial. O calcário já fica um pouco mais difícil. Então, é um estado que está no nosso radar”.

O mesmo acontece com a região Oeste da Bahia. “Apesar de a gente chegar mais para a parte sul dessa região com o calcário de Sobradinho, quando a gente pega o grande mercado, que ali é a região de Luiz Eduardo Magalhães, já fica um pouco fora de competitividade”.

E o sudoeste de Goiás, região que engloba polos produtivos como Rio Verde e Mineiros. “É uma região de altíssima tecnologia e o nosso material de sobradinho fica um pouco longe dali também”.

“Isso não significa que a gente vá construir uma unidade lá, mas significa que, de repente, a gente pode até processar através de parcerias e outras modalidades”, explica.

Segundo ele, o ponto de partida das análises de investimento é sempre aproveitar ativos existentes da Votorantim Cimentos. “Se existe um ativo e se o material que tem naquele ativo é adequado para o agro, a gente sempre leva em consideração”.

Valor agregado

A expansão através de novos produtos também deve seguir. A migração da marca para o mercado de fertilizantes especiais tem caminhado junto com os avanços na área de desenvolvimento de produtos – e também é uma forma de ocupar espaços mais distantes das jazidas de calcário da Votorantim.

“Quando a gente parte para os produtos de especialidade, a gente já consegue expandir o raio de negócios para 500, 600 quilômetros”, afirma Sousa.

Um exemplo claro disso é o mais novo produto da marca, um protetor solar para plantas, com aplicação foliar. Vendido em sacos de 20 quilos, o produto é uma mistura de hidróxido de cálcio e magnésio com alguns aditivos, oferecido como um pó bem fino para ser solubilizado em água nas propriedades rurais.

Por suas características e valor agregado, pode ser distribuído a distâncias bem maiores. Dá para produzir no Sul e vender lá no Norte, no Nordeste”, diz.

Na última década, a Votorantim Cimentos apostou na diversificação do portfólio, sempre partindo da premissa de que sua principal é o calcário. A companhia primeiro introduziu as misturas de calcário e gesso agrícola e criou uma nova família de produtos, a Calfértil, para fornecer o cálcio magnésio de uma maneira mais rápida para o agricultor.

“Então a gente foi percebendo que tinha oportunidades para tentar cobrir todas as necessidades que ele tem, dos nutrientes que ele precisa colocar na terra, além de corrigir a terra”, conta Sousa.

“Hoje a gente tem um produto que põe micronutrientes junto, que é o boro”, diz Souza. Um dos principais objetivos da marca em 2025 é fazer esse produto, batizado de Optimix BS, ser distribuído no Mato Grosso.

“Vai ser realmente o primeiro ano de vendas importante desse produto”, adianta. “Com a mistura com gesso e boro, o calcário passa a ser um fertilizante especial. Nesta linha de fertilizantes especiais, a gente deve lançar mais coisas em 2026”.

Segundo Sousa, a aplicação de um produto como o Optimix exige um investimento 2,5 vezes maior que um calcário simples para o produtor. Mas ele faz uma única aplicação e deixa de comprar outros produtos para a nutrição do solo, o que tornaria a solução mais rentável.

Fica mais barato e mais conveniente para o produtor. E para nós é interessante, porque aumenta a nossa participação em 2,5 vezes no ticket dele”.

A transformação da Viter, assim, avança em sentido dos produtos com maior valor agregado. Hoje, de acordo com Sousa, a linha de especialidades já representa 30% das receitas da marca.

“Quando eu cheguei acho que era uns 5%. Agora já está crescendo e a tendência é que continue crescente”.