O professor Paulo Dantas está acostumado a ensinar. Por mais de 40 anos, sua rotina incluiu lecionar para os alunos de engenharia elétrica da Universidade de Pernambuco (UPE) em Recife (PE).

O que ele não imaginava é que a sua trajetória profissional incluiria novos aprendizados – e até mesmo uma nova profissão, a de produtor rural. Tudo começou no final dos anos 1980, quando seu pai comprou dos cunhados uma fazenda de 41 hectares.

Filho de pai médico e mãe professora, o engenheiro elétrico conta que ninguém da família tinha qualquer conhecimento sobre produção agrícola. “Mesmo assim, convenci meus pais e meus irmãos a investirmos para tornar a fazenda produtiva”, relembra, em conversa com o AgFeed.

A fazenda recém-adquirida estava localizada no vale do Rio São Francisco, principal polo produtor de frutas do país. Além disso, para o investimento inicial, eles buscavam culturas que trouxessem retorno em menor tempo.

Assim, com o auxílio de um técnico, planejaram iniciar o cultivo de uva, bastante tradicional na região, banana, cujo retorno financeiro acontece em média após um ano, e goiaba.

Dantas conta que a manga entrou na história quase sem querer. “Um dia estava com meu irmão ao telefone e falei: vamos trocar a goiaba por manga. Foi assim que começou nosso cultivo”.

Trinta e sete anos depois, o que começou como uma aposta ousada se tornou a maior produtora e exportadora de manga do Brasil.

Com sete fazendas, sendo 5 no sertão pernambucano e duas no sertão baiano, 1.125 hectares próprios e 295 hectares de produtores parceiros, somente no ano passado a AgroDan produziu 30 mil toneladas de mangas em áreas 100% irrigadas.

Com sede em Belém do São Francisco (PE), a 235 quilômetros de Petrolina, e 1.400 colaboradores, a AgroDan - Agropecuária Roriz Dantas exporta 97% da produção para a Europa. Por lá, atende varejistas na Espanha, Itália, Portugal, França, Holanda, Alemanha, Inglaterra, Suíça e leste europeu.

As variedades Keitt e Kent respondem pela maior parte da produção, já que são elas as preferidas dos consumidores europeus, por serem mais macias e sem fiapos, as chamadas “mangas de colher”, que podem ser consumidas utilizando uma colher.

Os outros 3% são destinados ao mercado interno, que ainda está pouco familiarizado com essas variedades, tendo preferência pelas mangas Tommy e Palmer, que respondem por uma parcela bem menor da produção.

Mas se depender de Dantas, essa realidade deve mudar nos próximos anos. Ele conta que parte importante da estratégia da companhia para os próximos anos está em ampliar a participação no mercado doméstico com as variedades apreciadas pelos europeus.

“É comum ouvirmos das pessoas que o melhor da produção brasileira é exportada. Queremos crescer no mercado doméstico vendendo as mesmas frutas que os europeus consomem”, explica.

Um dos desafios para que tais variedades caiam no gosto dos brasileiros está na aparência. Enquanto as mangas Tommy e Palmer possuem a casca mais avermelhada, nas variedades Keitt e Kent predomina o tom verde-amarelado.

Mas para Dantas, essa barreira é facilmente superada uma vez que o consumidor prova a fruta. “Quando o consumidor experimenta, passa a preferir essas variedades”.

O preço não é um empecilho, já que no varejo, o valor por kilo é bastante similar às demais mangas. No Oba Hortifruti, uma das poucas redes no Brasil que comercializam essas variedades, o quilo da manga Keitt era comercializado a R$ 12,99 nesta quinta-feira, R$ 1 abaixo do quilo da manga Palmer.

Para 2025, a meta da companhia é crescer entre 20% e 30%, sendo 10% apenas no mercado doméstico. “Enxergamos muito potencial de crescimento no Brasil, onde o consumo per capita de manga é de 6 quilos por ano”.

Em mais uma aposta ousada, ele diz que o objetivo é fazer com que o mercado interno responda por 50% das vendas da Agrodan em até 5 anos.

No ano passado, a receita da companhia foi de R$ 170 milhões, valor que deve chegar a R$ 240 milhões até o final deste ano.

“Assim como somos os maiores exportadores de manga do Brasil, queremos ser os maiores fornecedores de manga para o mercado doméstico”, planeja.

Para sustentar esse crescimento, a AgroDan já está investindo no aumento da produção e da produtividade.

Nos pomares próprios, a expectativa é gradualmente aumentar a produção por hectare, passando das atuais 35 toneladas para até 50 toneladas nos próximos anos. Além disso, o número de produtores parceiros deve saltar de 4 para 12 até o final do ano.

Atualmente as variedades Keitt e Kent da AgroDan estão disponíveis em poucos pontos de venda, especialmente em São Paulo, como na rede Oba Hortifruti, Mambo e Natural da Terra. “Temos alguns pontos no Centro Oeste, Minas e Paraná, mas queremos chegar a todo o país”, pondera.

Além do potencial de crescimento do mercado doméstico, as incertezas do mercado internacional também contribuíram para que a AgroDan passasse a investir nesse equilíbrio da balança.

“Tem fatores que fogem ao nosso controle, como a variação cambial e o aumento do custo do frete marítimo e que acabam tendo impacto relevante sobre o negócio. Além disso, não queremos ficar dependentes apenas de um mercado”, pondera.

Ainda assim, a meta é aumentar o volume exportado nos próximos anos, mantendo o foco no mercado europeu. “É onde temos conhecimento, relacionamento e enxergamos oportunidades de crescimento”.

Os gargalos portuários também são fonte de preocupação. No ano passado, por exemplo, os constantes atrasos nos embarques dos portos acabaram por comprometer os prazos e a qualidade das frutas, que são transportadas até a Europa dentro de contêineres.

Como forma de driblar o problema, a AgroDan começou a testar o serviço de break bulk da TopLink, empresa de logística criada há dois anos pela Agrícola Famosa, conforme noticiou o AgFeed.

Somente em 2024, a AgroDan embarcou 3,7 mil toneladas de mangas por meio da parceria com a TopLink, saindo do porto de Natal (RN) e deve aumentar o volume embarcado em 2025.

“Esse sistema foi fundamental para escoar a nossa produção no ano passado. Sem eles, teríamos ficado em maus lençóis”, pondera Dantas.

Vista aérea de pomar da AgroDan, no Vale do São Francisco

Tinha tudo para dar errado

Dantas conta que a história da família na fruticultura tinha tudo para ser mais uma daquelas empreitadas mal sucedidas.

“Nós tínhamos todos os ingredientes para fracassar. O Brasil vivia um momento de hiperinflação, contraímos uma dívida bancária atrelada a esse juro alto, que crescia todo dia. Além disso, eu e meu irmão, que estávamos à frente do negócio, não tínhamos experiência em agricultura e na região não tinha ninguém que entendesse de manga para nos ajudar”, relembra.

O ano era 1987 e a dívida bancária a que Dantas se refere foi o financiamento que ele e o irmão Jairo convenceram os pais a fazerem para obtenção de recursos para investir na implantação dos cultivos.

“Convencemos meus pais a colocar os bens da família como garantia e pegamos um financiamento no Banco do Brasil para entrarmos na fruticultura”.

No início, o irmão de Paulo, recém-formado em engenharia mecânica, foi quem encarou o desafio de ficar na fazenda. “Eu já trabalhava e não podia sair do emprego, meu irmão é que foi para o ‘sacrifício’, foi para fazenda ser aprendiz de agrônomo”, brinca.

Durante quatro anos, Dantas passava a semana em Recife, onde se dividia entre o trabalho de engenheiro da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e professor universitário. Às sextas-feiras, depois do trabalho, ele pegava o ônibus rumo ao interior, onde mergulhava nos aprendizados sobre fruticultura.

A mãe, professora, passou a cuidar da parte administrativa do negócio, organizando os pagamentos. O pai de Dantas ficava com a maior preocupação, a financeira. “Ele ia todos os dias ao banco ver como estava a dívida, que crescia todo dia”.

Naquela época, não havia produção de mangas na região do Vale do São Francisco, o que dificultou ainda mais a implantação dos pomares da AgroDan. “A gente não sabia absolutamente nada sobre a produção, nem sabíamos quais eram as variedades disponíveis”, brinca.

“A primeira ajuda que tivemos foi de um colega de trabalho meu na Chesf, que conhecia um rapaz que produzia mangas em outra região e veio em um final de semana nos ensinar a fazer o manejo e colheita”.

No final de semana combinado, o produtor trouxe com ele um parceiro, que tinha um box no Ceagesp em São Paulo e acabou se tornando o primeiro cliente da AgroDan. Era o início dos anos 1990. “Essa ajuda foi fundamental”, relembra.

“Quando comecei a vender a manga, vi que tínhamos acertado na loteria, já que os preços no mercado interno eram bem altos na época. O que vendemos de manga em 1990 e 1991 foi o suficiente para pagar o restante da dívida no banco”.

Com a dívida quitada, Dantas viu que era o momento de deixar o trabalho na Chesf e se dedicar ao negócio da família. “A partir daí, comecei a cuidar da parte comercial e administrativa e não parei mais”.

Logo nos primeiros anos os irmãos perceberam que o caminho para o sucesso da AgroDan estava na produção de mangas. Assim, pouco a pouco, foram erradicando as áreas com banana e uva e se concentraram na produção da fruta.

A primeira venda no mercado internacional aconteceu em 1991, quando Dantas enviou um container com mangas para a Inglaterra. Ele conta que, ao receber a carga, o cliente enviou uma mensagem via telex.

“A reação foi excelente, elogiando a qualidade do produto e o cuidado que tínhamos com o envio”, explica. Era o sinal que precisavam para continuar.

Ainda no mesmo ano, Dantas viu que o mercado europeu tinha grande potencial e firmou a primeira parceria da empresa para ampliar os embarques.”Tínhamos um parceiro, um francês que exportava inhame para a Europa. Ele nos auxiliou, apresentando clientes na Suíça, França e Holanda”.

Após quatro anos de parceria e com maior conhecimento do mercado, Dantas conta que o parceiro francês propôs o encerramento da parceria. “Ele disse que estávamos prontos para caminhar por conta própria no mercado europeu. E assim temos feito até hoje”.

Com a expansão das exportações, Dantas viu a necessidade de criar novas marcas para as mangas, a fim de atender aos mais variados clientes. Assim, hoje, a empresa conta com 8 marcas diferentes, que são comercializadas em mercados específicos.

“Isso também faz parte da nossa estratégia, escolhemos a dedo os clientes, assim conseguimos fornecer aos mais variados players, sem que haja concorrência entre eles”.

Dantas atribui o sucesso da AgroDan no mercado europeu a três fatores: coerência, qualidade e relacionamento.

“É preciso ser coerente, oferecendo sempre a qualidade que o cliente espera, com pontualidade e cultivar um relacionamento de confiança com eles. Isso só é possível quando você investe nos colaboradores que atuam na empresa”, explica.

De volta às origens

Mesmo com todas as conquistas alcançadas pela AgroDan, Paulo Dantas considera que seu maior legado está na educação. À frente da empresa, ele seguiu lecionando no curso de engenharia da UPE, cargo que só deixou em 2022.

Em 2017, ano em que a AgroDan completou 30 anos, ele finalmente conseguiu tirar do papel um sonho antigo e inaugurou a escola municipal professora Olindina Roriz Dantas. A instituição leva o nome da mãe de Dantas, também professora e já falecida.

Para esse projeto pessoal, ele conta que fez um empréstimo de R$ 2 milhões da Agrodan para iniciar a construção e foi pagando a dívida aos poucos. Ao final, o projeto custou R$ 2,8 milhões e a diferença do valor veio de doações de parceiros e clientes.

Atualmente, a escola atende 400 crianças, desde o maternal até o ensino médio, passando também pelo ensino à distância para adultos.

Cerca de 10% do faturamento da AgroDan é destinado ao projeto, mas ele conta que o desafio é fazer com que a escola possa contar com outros recursos para seguir crescendo no futuro.

O primeiro passo já foi dado, com o cadastro da escola no CEBAS - Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área da Educação. Com isso, a instituição poderá receber doações por meio do imposto de renda dos contribuintes.

Mas Dantas tem planos maiores. E seguir o exemplo das grandes universidades norte-americanas, em que os ex-alunos fazem doações para as instituições, ajudando a mantê-las.

“Quero estimular os alunos que tiverem sucesso em suas profissões a doarem para a escola em um ciclo virtuoso constante para a formação dos novos alunos, para que a instituição tenha continuidade pelas próximas gerações”.

Uma aposta alta em um país que pouco valoriza a educação, mas Dantas, que já correu riscos maiores ao colocar a AgroDan de pé ao lado do irmão, conhece bem os caminhos para alcançar o sucesso desse projeto.