O empresário Alexandre Schenkel é uma figura que conecta o tradicional produtor de Mato Grosso, como tantos gaúchos desbravadores do Cerrado, com um perfil mais moderno, de quem pensa além do trivial nos negócios, disposto a abrir diálogo com todos os elos da cadeia - até com diferentes ideologias políticas, se for necessário.
Em junho de 2023, por exemplo, no dia do anúncio do primeiro Plano Safra do governo Lula 3, diversas lideranças do agronegócio ainda relutavam em ter que lidar com partidos de esquerda, lamentando a derrota do candidato que haviam apoiado, Jair Bolsonaro.
Nesta cerimônia, o então presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), Alexandre Schenkel, foi o escolhido para estar no palco com as autoridades, sendo o único líder do agro com direito a discursar e defender os pleitos do setor.
“Eu posso ter um time de futebol, mas eu não posso não torcer para uma seleção, só priorizando o meu time de futebol. A gente torce por governos, mas os governos são passageiros, e o que importa é que nós sempre vamos estar lá para trabalhar em prol do nosso setor”, afirmou Schenkel em entrevista ao AgFeed, agora em fevereiro, em plena correria de colheita da soja em Mato Grosso.
Ao relembrar o episódio do Plano Safra, ele contou que, quando Abrapa recebeu o convite na época, submeteu a todos os diretores, para decidir se aceitaria.
“Eu estava representando o Brasil num evento em Amsterdã, na Holanda, sobre sustentabilidade do algodão e tínhamos que tomar essa decisão. E todos foram unânimes. Apesar de a gente ter que esquecer, porque muitos não gostariam, nós tínhamos que representar, né? É muito bom você estar numa entidade que é organizada e pensa lá no futuro, com diretores que pensam coletivamente”, avaliou.
E não é só no ambiente político que Alexandre Schenkel se destacou por “pensar diferente”. A cadeia do algodão é considerada uma das mais organizadas do agronegócio brasileiro porque, nas últimas décadas, vem conseguindo desenvolver um trabalho em conjunto, envolvendo os diferentes elos, desde os produtores rurais, até beneficiadoras, indústrias, tecelagens e grandes marcas da moda.
A exportação de algodão é um dos legados. O Brasil no final da década de 1990 era o segundo maior importador da pluma e hoje é maior exportador mundial, tendo embarcado ao exterior 2,6 milhões de toneladas de algodão beneficiado na safra 2023/2024.
Na produção, o salto foi de 531%, se considerar o que se colhia na década de 1970 e a produção atual de 3,7 milhões de toneladas. A produtividade aumentou 1.229% no mesmo período.
É um setor que não abastece apenas o mercado externo. São os produtores brasileiros que também mais fornecem algodão para a indústria têxtil nacional, hoje sétima no ranking global.
Outra marca é o alto índice de certificações e rastreabilidade na cadeia. O programa chamado ABR (Algodão Brasileiro Responsável) já certifica 83% de tudo o que o Brasil produz.
Muitas dessas conquistas foram influenciadas pela visão de Alexandre Schenkel, que acredita na integração entre os elos da cadeia.
“O produtor de algodão respeita o beneficiador, ele vende para uma trading, então tem essa convivência entre nós, nós fizemos um trabalho muito grande lá fora do País, porque a gente já atendeu o mercado doméstico que hoje é 25% do que a gente produz aqui no Brasil, então 75% da nossa produção tem que ir para fora, então você depende de dar uma parceria com as tradings, que elas são as grandes responsáveis por uma exportação, o produtor não quer vender direto”, argumenta.
Schenkel comenta que, depois de tantas missões internacionais pelo mundo, já pode dizer que tem amigos em países como China, Turquia, entre outros, mas reforça que o risco é muito alto para um produtor tentar exportar, diretamente. “Precisa ter uma cadeia”
Foco no Grupo Schenkel
Em dezembro do ano passado Alexandre Schenkel deixou a presidência da Abrapa, mas continua na liderança do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), que foi criado em 2010. O IBA tem como objetivo fortalecer a cotonicultura brasileira e surgiu quando o País ganhou uma batalha contra os EUA na OMC, no chamado contencioso do algodão.
Apesar de continuar integrando essa e outras entidades, participando de discussões do setor, Alexandre disse ao AgFeed que em 2025 deve dar mais foco a sua empresa, o Grupo Schenkel, onde tem seu irmão, Jackson Schenkel, como sócio.
A história de Alexandre como agricultor começa onde ele nasceu, em Tapera, no Rio Grande do Sul. Era filho de um engenheiro agrônomo, que trabalhava numa cooperativa, e o avô tinha uma sementeira. Assim, desde cedo acompanhava o trabalho de ambos. Mas o pai de Schenkel faleceu quando ele tinha apenas 5 anos de idade, por isso pouco depois seguiu com a mãe o início da tarefa de “desbravar” as fronteiras agrícolas do País.
Primeiro, a família de “colonos”, como costumam chamar os gaúchos, de origem alemã foi para Barreiras, no oeste da Bahia. Com dificuldades por lá, decidiram ir para Mato Grosso, na região que está até hoje, em Campo Verde, a 136 km de Cuiabá.
Enquanto isso, Schenkel resolveu seguir a carreira do pai e começou a cursar agronomia, primeiro no interior do RS.
“Depois eu vi que lá no Rio Grande do Sul não dava, era uma agronomia voltada muito para pequeno produtor. E eu pensei assim: meu futuro vai ser no Mato Grosso, então vou mudar. Passei na Federal em Cuiabá. Muitos falavam na época de procurar faculdades de referência, Santa Maria, Minas Gerais. Mas eu não podia. Como eu tinha perdido meu pai, eu tinha que sair trabalhando”, conta.
Assim, Alexandre Schenkel conseguiu alguns estágios, o principal deles, “referência”, como disse, foi na fazenda de Elizeu Maggi Scheffer, pai do empresário Guilherme Scheffer, outro símbolo da nova geração do agro e primo de Blairo Maggi, ex-ministro e presidente do conselho da Amaggi. Foi ali e na Fundação Mato Grosso que Alexandre começou a conhecer – e se apaixonar – pelo algodão.
No trabalho de encerramento de curso, mudou radicalmente, queria conhecer algo mais. Fez a monografia e ficou por um tempo em Barreiras, na Bahia, trabalhando com café irrigado.
“Eu sou meio movido à inovação, a desafios. Por que eu fui fazer um estágio curricular no café lá no Oeste da Bahia? Porque era diferente do que a gente via aqui. Aqui estava iniciando algodão, mas o nosso negócio era soja e milho”, diz.
Depois de alguns anos trabalhando em parceria com um tio, em terras da família, em que teve muitos altos e baixos, Alexandre diz que o grande salto começaria em 2010, quando criou com seu irmão o Grupo Schenkel.
Aqui vale um disclaimer: na Faria Lima, muitos já ouviram falar em “Schenkel” em recuperação judicial, em função de ter ativos incluídos em um Fiagro. Não é o mesmo grupo. A RJ, na verdade, é do Grupo Agro DFG, que tem entre os sócios um primo de Alexandre Schenkel.
Nesta safra, a empresa de Alexandre deve contabilizar uma receita de US$ 13 milhões, ele revelou.
Atualmente, o Grupo Schenkel trabalha em 8,2 mil hectares, entre agricultura e pecuária. São 4 mil hectares de soja e 2,6 mil de algodão, além de milho e até um confinamento, onde faz a engorda de até 1,5 mil bois por ano.
Para a próxima safra, mesmo que não opte por aumento significativo de área, ele já prevê uma receita de US$ 15 milhões, contando com o bom momento dos negócios em pecuária.
O Grupo Schenkel tem planos de expansão. Ele diz que o grupo já contratou consultorias em áreas como gestão e planejamento tributário, para avançar do ponto de vista de governança.
“Estamos buscando estar ´redondos´ para, se a gente tiver um investimento, ter uma ampliação, buscar outras áreas aqui, seja no Mato Grosso, seja no Brasil. Eu creio que a gente tem a condição de poder ser mais dinâmico nesse crescimento, então daqui para frente é o que eu vou me dedicar, é o nosso crescimento aqui do grupo”.
Schenkel afirma que o grupo praticamente tem dobrado de tamanho em “voo solo”, sem sócios, nos últimos três anos e quer seguir em bom ritmo. Ele espera crescer pelo menos 50% nos próximos três anos. “O que importa é você estar crescendo de maneira sólida”.
Nesse aspecto, ele diz também que o importante é aprender com os erros. Recomenda que os produtores jamais tentem “especular com o câmbio ou com o mercado”, ou deixar a compra de insumos “descoberta”, sem fazer o hedge. “Foi o que deu a base de segurança para nós”.
Perguntado se sonha um dia chegar também à bolsa de valores, ele respondeu: “Não sei se é interessante, pois nossa escala é pequena Mas se for uma maneira que seja até inovadora, sou entusiasta com inovação. E que traga resultados tanto para nós, para a nossa família, para o negócio de quem está investindo, eu acho que sim, a gente pode trabalhar em bolsa também, montar uma estrutura para isso “.
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Empresário da moda
A ousadia mais recente de Alexandre Schenkel no mundo dos negócios até tem a ver com o mundo do algodão, mas surgiu quase pela “conspiração do universo”.
Um dos momentos de mais entusiasmo do empresário, ao longo da entrevista ao AgFeed, foi aquele em que contou em detalhes como surgiu a Almagrino, uma marca premium de camisas e camisetas masculinas, que está prestes a ganhar novos investimentos.
A história começa quando um grande amigo de Schenkel, Henrique Resende, que trabalhava com automóveis, decidiu fazer o “Caminho da Fé”, uma trilha de bike que inicia no interior de São Paulo e vai até o Santuário de Aparecida.
O roteiro de peregrinação é inspirado no Caminho de Santiago, da Espanha. Aventureiros, religiosos e pessoas comuns têm buscado fazer o percurso de bike para momentos de introspecção e desafios físicos e espirituais.
Lá, Resende conheceu outros três amigos e juntos idealizaram o projeto da Almagrino. A palavra significa “aquele que conduz a vida com a alma”.
“Eles ficaram tão motivados, em quatro dias, que saíram de lá querendo fazer algo juntos. Esses quatro amigos são de Cuiabá, se conheceram lá, não se conheciam”, contou Schenkel.
Como a ideia era fazer algo relacionado à moda, foram procurar Alexandre Schenkel, que, como produtor de algodão e liderança do setor, já tinha muitos contatos com toda a cadeia, desde a indústria têxtil até as marcas de vestuário.
“Levei eles para fazer uma imersão lá em Santa Catarina, na moda, como é o processo industrial que se produz hoje, de roupas, essas coisas, e eles gostaram. Saindo de lá, eu falei 'eu topo entrar com vocês', porque já tínhamos um caminho”, disse.
A marca tem como foco principal os produtos 100% algodão, contando que a matéria-prima tem total rastreabilidade.
“A ideia nossa da Almagrino é trazer sustentabilidade. O primeiro momento está nessa rastreabilidade que nós temos na cadeia do algodão, mas logicamente lá na frente a gente tem que trabalhar também com outras coisas modernas, sustentáveis, uma fibra a base de milho, por exemplo. São tecnologias que a gente vai agregar”, explicou.
No caso do algodão, com os programas avançados de certificação, já é possível produzir uma peça de roupa que utilize a matéria-prima não apenas da mesma fazenda, mas até do mesmo talhão, segundo ele.
Na descrição do “quem somos” do site da marca, aparecem frases como: “Plantar, semear, colher e transformar. Vestimos um símbolo que levanta bandeiras. Vestimos o orgulho da origem e do Brasil. Nosso ser merece vestir o que e quem nos representa, sempre com transparência e verdade”.
Desde quando criada oficialmente até hoje, a Almagrino tem três sócios: Schenkel e os amigos Henrique Resende e Pedro Sávio.
“As vendas só sobem, você acaba praticamente triplicando todo ano as vendas, isso é muito bom, o cliente reconhece a qualidade. Nós montamos uma loja física que serviu como laboratório pra nós”, ressalta.
Schenkel disse que no ano passado o faturamento da Almagrino já chegou a R$ 2 milhões. As vendas ocorrem principalmente pelas plataformas online. Este ano a expectativa é chegar em R$ 5 milhões.
“Grandes artistas são parceiros e a nossa loja ficou instagramável, como se fosse um padrão franquia também, de tão bonita que é. E valorizando tanto o Caminho da Fé como a história da construção da marca e também a qualidade dos produtos”, afirmou, com orgulho.
Criar uma franquia é uma das possibilidades para o projeto. Schenkel disse que está conversando com especialistas de São Paulo para avaliar possíveis aportes ou ajustes, viabilizando a expansão da Almagrino, mas ainda estaria em fase de “estudo”.
O “péssimo caminho” das RJs e a virada do ciclo
Na visão de Alexandre Schenkel, a onda de recuperações judiciais que marcou 2024 tem sido muito prejudicial aos produtores.
“A RJ é muito ruim para o crédito agrícola brasileiro, é muito ruim. Eu acho que se uma pessoa ou um grupo, alguém tiver que pegar uma RJ, deve ser no último dos últimos casos”, afirmou.
Ele lembra que, ao longo da sua trajetória, muitas vezes enfrentou desafios financeiros. Na safra 2004/2005, por exemplo, quando ainda trabalhava em sociedade com outros familiares, precisou fazer muita renegociação, “mas sem precisar de advogado”.
“Está certo que mudou de 2004 para cá, algumas empresas se tornaram bem mais intolerantes, digamos assim, de não confiar no seu cliente. Mas devido ao que vem ocorrendo, eu vejo que a RJ é uma péssima saída”, ponderou. “Eu recomendo aos amigos que busquem esgotar todas as maneiras de você poder renegociar (dívidas) ou liquidar a sua operação”
A principal consequência negativa, segundo ele, é uma espécie de descrédito em relação a um título importante para o produtor rural, a CPR.
“O crédito ficou mais caro, uma é no custo, outra é porque fica muito mais restrito. Parece que o risco que alguns produtores, alguns grupos têm, ficou mais criterioso ainda. Os cadastros, as garantias que se exigem hoje são muito maiores”.
Em função disso, ele destaca, a CPR de produto, que era “a garantia mais barata que se tinha no mercado”, agora estaria com aceitação restrita.
“O pessoal pagava, ia lá, executava, fazia tal do arresto, o produtor comprometeu aquela produção para pagar tal dívida, não foi? Daí teve uma grande polêmica. Teve lideranças nossas que chegavam e falavam assim, não, a CPR tem que estar dentro da RJ. Então, se o produtor pedir a RJ, aquela CPR perde a validade”.
Schenkel explica o problema: “Ele (o produtor) precisa do crédito e a garantia que ele tinha na CPR não valeu mais nada. Aí, o que tem que começar a fazer? Alienação fiduciária, tem que ter avalista, tem que ter garantia real”.
A boa notícia, em meio a esse cenário ainda desafiador, admite Schenkel, é que a safra de Mato Grosso está sendo muito boa, nessa temporada.
“Não tem por que mentir. Nós estamos colhendo bem. A nossa região está colhendo bem”, se referindo especialmente à região em que atua, Campo Verde.
O empresário lembra que é inócuo para o produtor tentar esconder que a colheita está farta – há quem faça isso com medo da influência de baixa nos preços – porque “há muitos anos a gente é auditado pelos satélites, eles sabem a nossa produção, todo mundo sabe a nossa produtividade aqui, porque já foi calibrada essa produção lá fora, através dos espectros de luz que a nossa lavoura emite. Então, não tem porque esconder números”.
Ele diz que a economia das cidades do agro começará a perceber esse ano uma melhora, em função da maior produção. No ano passado, com a quebra de 30% na safra em Mato Grosso, toda a sociedade sentiu, ressaltou.
“Ninguém quis trocar a máquina nenhuma nesse último ano. Está uma crise aqui junto com as revendas de máquinas. Não está fácil. Mas eu creio que se a gente mantiver essa questão de preço das máquinas, tudo vai começar a girar bem aí, vai começar a girar. O produtor realmente vai ter que trocar aquele pulverizador que estava precisando, ele estava amarrando um arame para poder finalizar a safra”.
Em relação a preços, Schenkel também vê uma certa melhora em comparação com a safra passada. A saca de soja, na época, caiu de R$ 140 para R$ 99 na sua região. Ele diz que esse ano conseguiu comercializar com médias de R$ 120 e as cotações da semana passada em Campo Verde ainda estariam em cerca de R$ 110.
Ele ressaltou, no entanto, que muitas áreas ainda são prejudicadas pela chuva no estado, no período de colheita, portanto o tamanho da safra só se saberá quando tudo estiver nos armazéns.