Os atrasos na colheita da soja no Mato Grosso estão deixando produtores, analistas e o mercado em alerta. A preocupação se deve não só por conta dos possíveis impactos no volume colhido, mas principalmente pelos efeitos que esse atraso pode causar no plantio da segunda safra de algodão e milho.
Dados divulgados pelo Imea, Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária, na última sexta-feira, 17 de janeiro, mostram que apenas 1,41% da soja no estado havia sido colhido. Na mesma época do ano passado, a colheita estava em 12,82% e pela média de 5 anos deveria estar próxima de 6%.
Mato Grosso é maior produtor nacional de soja, de milho e de algodão. Tradicionalmente, assim que as máquinas passam nas lavouras para colher a soja, já são seguidas pelas plantadeiras que semeiam o milho, que tem uma janela apertada em função do inverno seco no Centro-Oeste.
No caso do algodão, a janela de plantio para a cultura já começou e termina em 31 de janeiro, um período bastante curto. “O produtor está com o prazo contado. O algodão é uma cultura mais sensível e com janela mais curta, por isso a preocupação com o plantio”, explica a analista de mercado da AgRural, Alaíde Ziemmer.
Na sexta-feira, a área plantada com algodão no Centro-Oeste tinha chegado a 16%, ante a média de 31% para a data, de acordo com dados da AgRural. Segundo Alaíde,a capacidade de avançar, tanto na colheita da soja quanto do plantio do algodão é bastante grande. “O que vai definir em que ritmo isso vai acontecer e qual será a área é o clima”.
O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Marcio Portocarrero, explica que a perspectiva é de que nos próximos 15 dias, os produtores do Mato Grosso acelerem o plantio para ficarem dentro da janela.
“Esperamos que até o fim do mês tudo se normalize. A situação ainda não está preocupante. Nossa maior preocupação é com o clima até o final da safra”.
Segundo dados oficiais da entidade, devem ser plantadas 2,1 milhões de hectares de algodão na safra 24/25 com volume de produção chegando próximo de 4 milhões de toneladas. “As previsões para a safra estão mantidas. O produtor se planeja com antecedência, já adquiriu os insumos e está pronto para plantar”, pondera.
A expectativa é de que haja, já nos próximos dias uma redução no volume de chuvas no Centro-Oeste, favorecendo o avanço da colheita da soja e consequentemente o plantio do algodão e do milho. “Ainda não será suficiente para regularizar a situação, mas já será um avanço”, pondera o analista da consultoria agro do ItaúBBA, Francisco Carlos Queiroz.
No caso do milho, como a janela de plantio vai até o final de fevereiro, ainda há um “respiro” maior para o produtor. “Geralmente 90% do milho do Mato Grosso é plantado até o final de fevereiro, então ainda temos um tempinho para acompanhar como o cenário vai evoluir”, afirma Queiroz.
Na semana passada, durante coletiva de lançamento do Rally da Safra, o sócio-diretor da Agroconsult, André Debastiani, considerou que ainda há uma incerteza sobre qual será a área de milho plantado na segunda safra, já que o atraso na colheita da soja e os índices de chuvas podem impactar o plantio do milho dentro da janela ideal. “O plantio bom é em fevereiro, em março o risco é maior”, avaliou.
Por enquanto, o preço do milho bem sustentado é um fator que contribui para a manutenção das perspectivas de plantio, segundo o presidente da Agroconsult, André Pessoa. “No ano passado o teto do milho era 40 reais, mas esse teto já virou piso há algum tempo”, avalia.
Debastiani explicou ainda que o cenário para o milho no Centro-Oeste é diferente da safra passada, já que em 23/24, embora tenha havido atraso do plantio, o ciclo da soja foi encurtado em cerca de 15 dias, favorecendo o plantio do milho.
“Esse ano deve ser o contrário, porque o ciclo da soja vai alongar um pouco mais, e isso vai restringir a janela de plantio de milho”, avaliou. Assim, a Agroconsult manteve a estimativa de área plantada para o milho em 17,75 milhões de hectares, aumento de 5% em relação à safra 23/24.
Queiroz, do Itaú BBA, destaca que o atraso no plantio não significa necessariamente redução da produtividade. “Já tivemos anos em que houve atraso no plantio, mas as chuvas se prolongaram para abril e isso compensou a produção”.
Caso o plantio atrase demais, pode haver motivo para preocupações, já que os meses de abril e maio costumam ser de secas severas na região, o que poderia prejudicar o desenvolvimento das plantas. “Se o ciclo da soja continuar se alongando, talvez tenhamos que rever as previsões”, afirmou Pessoa.
Tanto Alaíde da AgRural, quanto Queiroz, do ItaúBBA afirmam que ainda é cedo para falar em revisão de safras. “Nossa previsão é de uma safra de 170 milhões de toneladas de soja e de 127 milhões de toneladas para o milho, sendo 100 milhões apenas na safrinha”, calcula Queiroz.
Atraso histórico
Desde o início de janeiro, o excesso de chuvas nas regiões produtoras de Mato Grosso e também dos vizinhos da região Centro-Oeste acabou por atrapalhar o andamento da colheita da safra de soja.
Até a quinta-feira, 16 de janeiro, apenas 1% da área plantada com soja havia sido colhida, volume muito aquém dos 16% colhidos no mesmo período de 2024. Segundo levantamento da AgRural, a média dos últimos cinco anos para esse período foi de 6,7%. “Com base em nosso histórico, que começou a ser feito em 2011, essa é a colheita mais atrasada da série”, diz Alaíde.
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgados na segunda, 20 de janeiro, apontaram que o avanço da colheita em nível nacional chegou a 2%, número ainda baixo se comparado à média.
Além do volume de chuvas, o que tem prejudicado a colheita da soja no Centro-Oeste é o clima nublado e com baixa incidência solar, o que dificulta a secagem das áreas. “Muitas áreas já estão prontas, mas as máquinas não conseguem entrar para colher”, explica Queiroz.
O mercado acompanha atentamente não apenas o excesso de chuvas no Centro-Oeste mas também a estiagem no Rio Grande do Sul e na Argentina, causada pela formação do La Niña que se formou na região, conforme mostrou o AgFeed no início de janeiro.
“Algumas regiões mais ao sul do Rio Grande do Sul já registraram perdas da produção, mas a produção do Mato Grosso e do Matopiba deve vir forte e ainda assim teremos uma safra recorde”, prevê Queiroz.
No entanto, o que tem puxado os preços da soja na bolsa de Chicago nos últimos dias é o cenário de seca prolongada na Argentina e no sul do Rio Grande do Sul. No dia 17 de janeiro o bushel era cotado a US$ 10,34 valor que passou para US$ 10,56 na manhã desta terça-feira.
“A expectativa é de que a volatilidade de preços continue por conta do cenário argentino, já que no Brasil, a expectativa é de normalização da situação com o avançar das semanas”, pondera Queiroz.