Uma portaria publicada esta semana pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Fazenda pode ajudar a agilizar processos de obtenção, pelo governo, de terras a serem destinadas à reforma agrária.
Com potencial para liberar, no curto prazo, milhares de hectares de terras produtivas, a medida autoriza empresas estatais e de economia mista a cederem propriedades rurais para esta finalidade, em troca do pagamento de dívidas com o setor público.
O objetivo da portaria é dar mais agilidade a processos que, atualmente, podem durar décadas para serem concluídos. Por esse motivo, especialistas ouvidos pelo AgFeed elogiaram o documento, embora não haja consenso a respeito da transparência no processo de seleção dessas terras.
“É coisa de um ano contra dez anos pelo caminho normal”, estimou Pedro Salles, advogado especialista em agronegócio e sócio do Salles Nogueira Advogados, que considerou a medida como “muito boa”, porque cria uma forma pouco burocrática para o governo viabilizar o destino de terras para a reforma agrária.
O caminho normal citado por Salles, no caso, é a desapropriação pelo governo de terras consideradas improdutivas para serem destinadas a assentamentos. Esse processo ainda existe, segue valendo para empresas privadas, e significa um caminho judicial longo.
“A nova portaria é um ganha-ganha para a reforma agrária. Se for usada de boa-fé, é maravilhosa”, afirmou Salles.
Para Richard Torsiano, ex-diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a portaria abre caminho para a pacificação no campo, ao possibilitar a oferta de terras para a reforma agrária em regiões produtivas.
Ele cita que existem quase 90 milhões de hectares passíveis de processos de assentamentos rurais no País, mas mais da metade deste total está na Amazônia.
Segundo ele, existe a demanda, mas a oferta são áreas improdutivas. Com isso, a saída do governo até então era a desapropriação, em um processo longo e via judicial.
“A demanda reprimida é por terras produtivas que estão em outras regiões”, explicou Torsiano, que também é diretor executivo da R.Torsiano Consultoria Agrária, Ambiental e Fundiária.
De acordo com o especialista, a portaria publicada esta semana para incorporação de áreas de empresas estatais e de economia mista deve resolver, ao mesmo tempo, questões técnicas, jurídicas e econômicas, além de reduzir conflitos fundiários.
“Isso significa a oferta de terras em regiões onde o Incra tem dificuldades de cumprir a desapropriação. É um avanço com equilíbrio de contas dessas empresas com a União”.
Na avaliação dos especialistas, grandes empresas públicas, principalmente o Banco do Brasil e a Petrobras, devem ser as primeiras a oferecerem essas terras para o governo.
Torsiano avalia também que, apesar de a portaria prever apenas que empresas públicas e de economia mista participem dos processos, a medida abre caminho para que áreas adjudicadas de grandes devedores sejam incorporadas.
“Áreas que estejam entrando no Banco do Brasil, de grandes devedores com o próprio banco, podem ser utilizadas como uma forma de proporcionar o equilíbrio de contas na incorporação”, afirmou
Transparência
Os especialistas divergem, no entanto, do processo de seleção dessas terras para serem incorporadas à reforma agrária.
Para o advogado Pedro Salles, a portaria que regulamenta a cessão não é clara sobre o processo de valoração do imóvel para a troca das dívidas pelos imóveis rurais.
“Acho que deveria ser criado mecanismo transparente para essa avaliação. Do jeito que a portaria está, é uma conversa de poucas pessoas”, afirmou o jurista.
Com mais de uma década de experiência no Incra, Torsiano considera o Instituto como o órgão mais especializado para avaliação de imóveis no País, com uma diretoria exclusiva para a avaliação de terras, peritos federais no Brasil inteiro e metodologia e uma planilha de preços referenciais detalhada.
“O problema que existia há algum tempo era a dificuldade de se avançar no processo com a incorporação, alinhamento jurídico entre MDA, Incra e Ministério da Fazenda. Mas a portaria trouxe esse alinhamento”, afirmou o consultor.
Mesmo com conhecimento sobre o processo, o ex-diretor do Incra ainda não tem ideia da quantidade de terras disponíveis de estatais e nem de valores de dívidas a serem trocadas pelas propriedades.
“Esses números devem vir somente após uma avaliação do Incra. Ministério da Fazenda, empresas e bancos têm uma relação grande de áreas a serem disponibilizadas. Mas não basta ter a relação, é preciso quantificar, mandar para o Incra, passar por uma avaliação da prestabilidade dos imóveis e definir o valor”, ponderou
Segundo o MDA, o processo chamado de aquisição por compensação começa com a manifestação de interesse e oferta do imóvel rural ao Incra ou à União.
Após a oferta, o imóvel rural é identificado, passa por análise de viabilidade pelo Incra ou pela União para incorporação à reforma agrária e, em seguida, é avaliado.
Concluída a análise, o processo será encaminhado ao Ministério da Fazenda para manifestação sobre a autorização da compensação. Por fim, será feita a formalização da aquisição e compensação.
O Incra e o MDA serão responsáveis por avaliar o imóvel tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo instituto.
Os dois órgãos públicos também conduzirão as negociações com a empresa estatal ou sociedade de economia mista, analisarão a viabilidade do imóvel para incorporação à política de reforma agrária, formalizarão a aquisição e promoverão o registro do imóvel antes de destiná-lo aos assentamentos.
Segundo o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, a decisão oferece muitas vantagens no processo de aquisição de áreas.
“A primeira delas é o tempo: quando vamos adquirir uma terra para a reforma agrária, às vezes demoramos nove a dez anos. Já aqui será imediato”, informou Teixeira em comunicado.
“A segunda vantagem é o preço, porque os bancos normalmente vendem as terras por um preço menor, quem arremata no leilão paga menos, e nós, quando compramos pela Justiça, às vezes pagamos um valor maior por conta de juros e correção monetária. Aqui, vamos comprar pelo preço da terra avaliada”, complementou o ministro.
O AgFeed indagou o Incra e o Ministério da Fazenda se há uma estimativa de valores em dívidas e de áreas passíveis de serem desapropriadas, mas os órgãos não responderam.