Gestão mais eficiente e modernizada, tecnologia para qualificar o manejo e melhorar a produtividade e práticas sustentáveis de produção são os pilares que vão servir de alicerce para a pecuária brasileira no futuro.
É o que diz um estudo inédito da MIT Sloan Management Review Brasil, revista de administração de empresas do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e pelo clube de investimento Agroven, que reúne empresários do agro e membros corporativos.
É a primeira pesquisa de uma série que terá continuidade em 2025 com outros temas ainda a serem definidos, mas que envolvem o futuro do agronegócio, segundo adiantou Silvio Passos, fundador e presidente do conselho do Agroven, ao AgFeed.
A pecuária foi a bola da vez pela demanda de diferentes atores.
De um lado, a perspectiva é de que cada vez mais pessoas no mundo consumam carne. De outro, governos e ambientalistas estão cada vez mais preocupados e exigentes com os rastros deixado pelo gado no pasto.
Isso tudo ganha relevância na medida em que a procura por alimentos de origem animal deve crescer em 70% até 2050, segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em paralelo, diferentes mercados estão ficando cada vez mais exigentes sobre a carne que estão consumindo.
A União Europeia criou a lei antidesmatamento, a famosa EUDR, que prevê o rastreio de todo o ciclo de vida do animal para garantir que não tenha passado por áreas desmatadas.
A China, o maior mercado da carne bovina brasileira, por sua vez, já indicou que também vai exigir rastreabilidade nos próximos anos.
E aqui não se trata apenas da questão sanitária ou do desmatamento. A pegada de carbono deixada pelo gado virou um ponto a ser observado – e um problema a ser resolvido (ou mitigado) pelos pecuaristas.
De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, no Brasil, as atividades agrícolas responderam por 631,2 milhões de toneladas de dióxido de CO2 equivalente no ano passado.
Desse total, o metano, sozinho, correspondeu a uma emissão de 355,1 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Apesar dos números, a sustentabilidade não se sobressai em relação à gestão e tecnologia, explica Douglas Souza, CEO da MIT Sloan Management Review Brasil.
Para ele, todos os elementos – gestão, tecnologia e sustentabilidade — estão associados de forma a garantir a perenidade da produção agropecuária no futuro.
“Para garantirmos bom nível de sustentabilidade, não dá para dissociar a produção da tecnologia, que é quem possibilita um ganho. E o grande desafio da gestão é lidar com todos os dados que passam a ser produzidos”, afirma Souza.
Gestão
Na pecuária, a gestão ainda é feita de forma caseira e tradicional. “Não é que não seja profissional, mas não necessariamente tem a qualificação que o uso de tecnologias traz”, afirma Silvio Passos.
O estudo diz que ferramentas digitais podem auxiliar os pecuaristas a organizar os dados, identificar gargalos, fazer controle de custos e, assim, conseguirem tomar decisões mais assertivas – além de contribuir também para o manejo da produção, medindo, por exemplo, o bem estar animal.
Fazer essa transformação, no entanto, não é fácil considerando que a maioria dos produtores de gado no Brasil são pequenos e ainda atuam de forma bastante tradicional.
Citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estudo diz que dos 1,37 milhão de pecuaristas brasileiros, 90% são de micro, pequeno e médio porte.
“Na pecuária, há um grande gap entre a parte de cima da pirâmide, os grandes players do mercado, e esses 90%, que usam pouca tecnologia”, afirma Silvio Passos, do Agroven.
“Os desafios para a adoção da tecnologia são muitos, mas podemos citar pelo menos três deles: custo, acesso e qualificação da mão de obra.”
Para diluir os custos da implantação de novas tecnologias e fomentar a criação de novas soluções por parte das startups, o estudo sugere o estímulo ao cooperativismo 2.0, com o setor atuando de forma mais ecossistêmica, se aproximando de investidores, marketplaces, startups e organizações financeiras.
“Sem uma atuação ecossistêmica, investimentos de venture capital feitos em pecuária podem ser simplesmente considerados com grande potencial de mortalidade, o que faz com que deles se exijam retornos rápidos e elevados”, afirma o documento.
O próprio estímulo ao cooperativismo, que não é forte na pecuária da mesma maneira que na agricultura, também pode ser uma ferramenta importante para a transformação dos pequenos produtores, na avaliação de Silvio.
“O cooperativismo foi fundamental no Brasil para o sucesso do agronegócio, e agora a pecuária vai precisar, muito mais que na agricultura, de cooperativismo, para a evolução dos pequenos produtores”, afirma.
Em paralelo, atividades educacionais são importantes, na avaliação de Silvio Passos, para conscientizar quem está dentro da porteira e também comunicar o que está sendo feito para fora.
“A gestão na pecuária ainda é muito familiar e, assim como em outros setores como a medicina, por exemplo, em que os médicos são os diretores de hospitais, também é muito técnica. Os gestores são muito especializados no manejo, no cultivo, na produção, mas não necessariamente tem o soft skill da comunicação”, afirma ele.
Tecnologia
O estudo diz também que tecnologia e gestão precisam ter encarados como “gêmeos siameses” pelo produtor rural.
“Muitas tecnologias estão redesenhando o setor pecuarista, como as plataformas de gestão e marketplace ou os veículos autônomos observados em várias fazendas”, diz o paper.
A pesquisa destaca três tecnologias em especial: rastreabilidade, pesagem de boi e melhoramento genético.
A rastreabilidade, em especial, é um tema que vem causando discussões dentro do setor.
De um lado, a União Europeia exige o rastreamento completo de todo o ciclo de vida dentro de sua legislação anti-desmatamento.
De outro, os produtores brasileiros dizem que ainda há dificuldades na identificação individual de cada animal e as fazendas por onde passou enquanto esteve vivo.
“Você precisa fundamentalmente de um consenso entre os principais players do mercado sobre o protocolo de rastreabilidade. A ideia de cada um ter um protocolo não funciona, esse protocolo tem que ser agnóstico. O governo é um ator importante para a rastreabilidade, mas tem um papel mais indutor do que criador. A rastreabilidade em que ter participação maior da iniciativa privada”, avalia Silvio Passos.
Além da rastreabilidade, o estudo também cita a pesagem dos bois com inteligência artificial e visão computacional, citando o caso da startup Olho do Dono, que desenvolveu um software em que necessita apenas de uma câmera 3D portátil e que consegue pesar 335 animais em apenas 15 minutos – sendo que o mesmo trabalho, feito de forma manual, levaria entre 6 a 12 horas.
O melhoramento genético, por sua vez, é uma ferramenta que esteve presente na pecuária nas últimas décadas, mas que agora ganha novas possibilidade como a edição genômica – que também traz seus desafios próprios, seja no aspecto financeiro e também ético.
“É necessário investir permanentemente em infraestrutura, capacitação de profissionais e fomento à pesquisa, para que o País possa continuar na vanguarda da evolução da pecuária e da genética – e isso sai caro”, diz o estudo.
“Também é fundamental estabelecer regulamentações claras e éticas para o uso da tecnologia de edição genética, garantindo que ela seja aplicada de forma responsável e segura.”
Sustentabilidade
No âmbito da sustentabilidade, o grande nó da pecuária no momento é o elevado número de pastagens degradadas.
Dos 160 milhões de hectares de pastagens do Brasil, de acordo com o estudo, menos da metade tem plantas para sequestrar carbono e que 100 milhões de hectares apresentam grau de degradação de médio a severo.
“Mas há uma boa notícia dentro da má notícia: as pastagens degradadas colocam o Brasil numa condição única no mundo de ser um país que pode, ao mesmo tempo, aumentar muito a produção e passar a sequestrar muito mais carbono, se fizermos as coisas direito”, diz a pesquisa.
E as estratégias para fazer “direito” são diversas, segundo o estudo. Vão da recuperação de pastagens degradadas (o estudo cita o plano do governo federal de recuperar 40 milhões de terras), passam pela promoção dos créditos de carbono, com o compartilhamento dos ganhos advindos com o sequestro de carbono com toda a cadeia produtiva, até chegar ao sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
Para Silvio Passos, esse sistema é o que mais pode trazer benefícios para a cadeia como um todo.
“Na prática, mesmo a pastagem que não é degradada não é um excelente lugar para reter carbono, é um ambiente mais árido. Práticas como a ILPF, em que se tem uma área ligada com floresta, geram um nível de carbono muito alto, diferente de pastagem que só tem gramíneas e vegetação rasteira”, afirma Passos.