Primeiro soja, com a Danone. Depois, carnes, com o Carrefour e o grupo Les Mosquetaires. Agora, cana e seus derivados, açúcar e biocombustíveis, com a Tereos. Em pouco menos de um mês, quatro gigantes franceses dispararam sua verve contra a produção agrícola da América do Sul.

A mais recente manifestação aconteceu neste domingo, 24 de novembro. Em uma postagem na rede social LinkedIn, o CEO do grupo sucroenergético francês, Olivier Leducq, se posicionou claramente contra o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.

Ele afirmou na postagem que a aprovação do acordo, nos termos em que está negociado, criaria uma situação de “concorrência desleal” entre os produtos agrícolas produzidos no seu país e os provenientes do bloco sulamericano.

"No momento em que nossos colaboradores estão focados na implementação de práticas de agricultura regenerativa, como nossas exportações agrícolas conseguirão fazer frente à concorrência desleal de produtos importados que não cumprem as mesmas normas ambientais e sociais?", escreveu Leducq.

"Apelamos à França para que continue a mobilizar outros Estados-membros para garantir que este acordo não seja imposto pela Comissão Europeia", disse Leducq.

O posicionamento coincide com o acirramento dos ânimos entre os produtores franceses, que na semana passada voltaram a pressionar o presidente francês, Emmanuel Macron, a atuar contra a ratificação da aliança entre os dois blocos, que reduziria tarifas e facilitaria as ações comerciais entre os países que os integram.

No comando da segunda maior economia europeia, Macron tem trabalhado nos bastidores para boicotar a assinatura definitiva do acordo, que já teve um memorando inicial aprovado em 2019 e que caminhava para uma efetivação até o fim deste ano.

O Brasil, por exemplo, espera poder anunciar um desfecho, com a homologação da parceria, durante a Cúpula do Mercosul, que acontece nos dias 5 e 6 de dezembro próximos no Uruguai.

E conta, para isso, com o apoio de outros líderes do Velho Continente como o chanceler alemão Olaf Scholz, e da também germânica Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

Na semana passada, em visita ao Brasil para a reunião de cúpula do G20, Macron fez declarações de apoio aos protestos dos agricultores franceses e disse que a França “não está sozinha” na oposição ao acordo comercial entre os blocos.

Sem nenhuma aparente ligação entre elas, as declarações dos três dirigentes empresariais franceses foram suficientes para acender um pavio que ameaça implodir as negociações em um momento em que elas pareciam se cristalizar.

Os alvos foram três dos principais produtos de exportação das nações sul-americanas. No final de outubro, o diretor financeiro da Danone, Jurgen Esser, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, disse que a companhia havia deixado de comprar soja brasileira por problemas de rastreabilidade.

Na semana passada, o CEO global da rede varejista Carrefour, Alexandre Bompard, divulgou uma carta em que afirmava que suas lojas não iriam mais comercializar carnes originárias do Mercosul.

Na sexta-feira, 22 de novembro, outra varejista, a Les Mousquetaires, dona das marcas Intermarché e Netto, também infirmou que, em apoio à comunidade agrícola francesa, se comprometia a não vender carne bovina, suína e de aves de países da América do Sul.

Leducq, da Tereos, completa o quarteto. Com atuação global, a empresa que dirige é uma das maiores cooperativas agrícolas francesas, reunindo mais de 10 mil agricultores como seus associados.

Parece, assim, natural que o executivo que os representa se manifeste a favor de seus interesses. Ocorre que os negócios da companhia nas Américas, sobretudo no Brasil, são parte relevante dos seus resultados.

Na safra 2023/2024, a Tereos obteve receita de R$ 6,7 bilhões no País, com a venda de açúcar, etanol e bioenergia produzidos em sete usinas localizadas no estado de São Paulo.

A empresa está entre os cinco maiores grupos do setor, tendo processado mais de 21 milhões de toneladas na última safra.

Além disso, boa parte do discurso da Tereos nos últimos anos junto ao público consumidor está focado na sustentabilidade da produção local. A empresa tem feito comunicados frequentes falando das conquistas de sua área de ESG.

Por isso, assim como aconteceu com Danone e Carrefour após as declarações de seus executivos, a Tereos precisou emitir uma nota numa tentativa de explicar a posição de seu CEO.

Segundo a empresa, o comentário de Leducq defende “a necessidade de uma discussão mais aprofundada sobre as diferenças regulatórias que impactam a competitividade econômica entre os dois blocos comerciais”.

“Sob nenhuma hipótese trata-se de um questionamento à qualidade dos produtos ou comprometimento do Brasil e do Mercosul com práticas sustentáveis”, diz a nota.

No setor produtivo brasileiro, as manifestações das empresas francesas têm provocado também reações cada vez mais eloquentes. No caso de Danone e Carrefour, o governo brasileiro e as principais entidades ligadas ao segmento agrícola emitiram notas de repúdio às declarações e exigindo retratações dos executivos.

A repercussão das declarações do CEO do Carrefour chegou até a provocar propostas de boicote dos produtores de carne, sugerindo que eles deixassem de fornecer seus produtos às lojas da rede francesa no Brasil.

Não houve posicionamento oficial de nenhum frigorífico brasileiro a respeito, mas ao longo do fim de semana havia comentários que as grandes companhias do setor de proteína animal estavam suspendendo entregas para a rede Carrefour.

Ainda no domingo, horas depois da publicação de Leducq, movimento semelhante começava a surgir nas redes sociais, com postagens sugerindo boicote aos produtos da Tereos. A empresa é dona da marca de açúcar Guarany, segunda mais vendida no País.