As multinacionais francesas estão mesmo dispostas a comprar briga com o agro brasileiro.
Primeiro, o diretor financeiro da Danone, Jurgen Esser, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, disse que a companhia havia deixado de comprar soja brasileira por problemas de rastreabilidade.
Agora é a vez do Carrefour, gigante do varejo, fazer coro, dessa vez mirando a pecuária brasileira e dos demais países do Mercosul.
O CEO global da companhia, Alexandre Bompard, divulgou nesta quarta-feira, dia 20 de novembro, uma carta em que diz que a varejista não vai mais comercializar carnes vindas do Mercosul, bloco econômico composto por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
O documento, publicado por Bompard em seus perfis nas redes sociais LinkedIn, Instagram e X, foi endereçado a Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA, a Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores.
A carta não detalha as razões da decisão da varejista e nem se afetará apenas as operações do Carrefour apenas na França ou também no Brasil.
O texto foi divulgado em meio a protestos dos agricultores franceses contra um possível acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, rechaçado por produtores de países do bloco. O presidente da França, Emmanuel Macron, viajou ao Brasil para participar da Cúpula dos Líderes do G20, no Rio de Janeiro.
No texto, Bompard também diz que o Carrefour pretende “inspirar outros atores do setor agroalimentar e impulsionar um movimento mais amplo de solidariedade, além do papel da distribuição, que já lidera a luta em favor da origem francesa da carne que comercializa.”
O Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa) respondeu à carta do CEO do Carrefour no começo da noite desta quinta-feira.
A pasta disse “rechaçar” as declarações de Bompard, afirmando também que o texto, por questões protecionistas, influencia negativamente o entendimento dos consumidores sem apresentar, no entanto, critérios técnicos para a decisão.
“O posicionamento do Mapa é de não acreditar em um movimento orquestrado por parte de empresas francesas visando dificultar a formalização do Acordo Mercosul - União Europeia, debatido na reunião de cúpula do G20 nesta semana. O Mapa não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos brasileiros e dos compromissos ambientais brasileiros”, afirmou o ministério.
A resistência dos franceses vem sendo apontada como o principal obstáculo para que o acordo entre os dois blocos avance.
O Carrefour Brasil disse em mensagem enviada ao AgFeed que “o anúncio foi feito pelo CEO do Carrefour na França e não tem nenhuma relação com a operação do Grupo Carrefour Brasil” e que “o Grupo Carrefour Brasil informa que nada muda nas operações no País."
O que diz o setor
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) lamentou a postura do Carrefour em nota.
"Ao adotar um discurso protecionista em defesa dos produtores franceses, o Carrefour fragiliza seu próprio negócio e expõe o mercado europeu a riscos de abastecimento, já que a produção local não supre a demanda interna", afirma o texto.
A Abiec também diz que a "visão protecionista" de Bompard "coloca em risco a estabilidade de um mercado global interdependente" e que prejudica não apenas o Brasil, mas também a França.
"Em 2023, o Brasil respondeu por 27% das importações de carne bovina da União Europeia fora do bloco, enquanto o Mercosul, somado, alcançou mais de 55%. Essa parceria, que há décadas atende aos padrões europeus, reafirma o potencial de cooperação entre as nações", diz a associação das indústrias exportadoras.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) disse em nota que Bompard “utiliza de argumentos equivocados ao dizer que as carnes produzidas pelos países-membros do Mercosul não respeitam os critérios e normas do mercado francês.”
De acordo com a ABPA, a posição de Bompard “é claramente utilizada para fins protecionistas, ressonando uma visão errônea de produtores locais contra o necessário equilíbrio de oferta de produtos de seu próprio mercado.”
“A manifestação de Bompard foge à lógica de uma organização global, com forte presença no Brasil, que deve atuar dentro dos princípios da competividade e respeito ao livre mercado”, diz a associação de proteína animal.
Para Maurício Velloso, presidente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), não há a possibilidade de respeito à opinião do CEO global do Carrefour.
“Ele está muito preocupado com uma narrativa ligada à proteção de um pequeníssimo núcleo de produtores pecuários, em detrimento de toda a população francesa, dependente de um alimento de qualidade e com valores competitivos”, disse Velloso ao AgFeed durante a Feira Internacional do Gado de Corte (Feicorte), que está sendo realizada ao longo dessa semana em Presidente Prudente, no interior de São Paulo.
Velloso defende que a carta seja ignorada. “Quando qualquer pessoa assume uma posição contrária a receber carne, que, além de ter valores competitivos, ser extremamente nutritiva e ter o seu processo produtivo reconhecido como o mais sustentável do planeta, essa pessoa pode merecer tudo menos ser ouvida por qualquer pessoa séria. Ele realmente não pensa em absoluto no bem-estar da sua população.”
Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial, defendeu uma retratação formal do Carrefour em uma postagem no LinkedIn. “Chega de ilações a qualquer cadeia produtiva do setor agropecuário brasileiro, o mais sustentável do mundo. Resumidamente, nunca foi sobre sustentabilidade.”
Representantes de Marfrig e Minerva Foods, dois grandes frigoríficos brasileiros, foram procurados pela reportagem durante a Feicorte, mas não quiseram se manifestar. O AgFeed também procurou a JBS e a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que até agora não se manifestaram.
Leia a carta do CEO do Carrefour, na íntegra, traduzida para o português:
Em toda a França, ouvimos a angústia e a raiva dos agricultores diante do projeto de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, e do risco de inundação no mercado francês de uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas.
Em resposta a essa preocupação, o Carrefour quer fazer frente comum ao mundo agrícola e assume hoje o compromisso de não comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul.
Esperamos inspirar outros atores da cadeia agroalimentar e dar impulso a um movimento mais amplo de solidariedade, além do próprio setor da distribuição, que já está na vanguarda da luta em favor da origem francesa da carne que comercializa.
Apelo, em particular, aos atores da alimentação fora do domicílio, que representam mais de 30% do consumo de carne na França — mas dos quais 60% é importada — a se unirem ao nosso compromisso.
Unidos, poderemos tranquilizar os criadores franceses de gado de que não haverá possibilidade de contorno a essa questão.
Na Carrefour, estamos prontos, quaisquer que sejam os preços e as quantidades de carne que o Mercosul nos for oferecer.