A revolução tecnológica no agronegócio está transformando profundamente a maneira como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos. No centro dessa transformação, destacam-se dois fenômenos interligados: a comoditização e a desintermediação da tecnologia voltada para o agro.
Ambos os conceitos trazem um enorme potencial para impulsionar uma nova era de eficiência, acessibilidade e autonomia para os produtores, mas também apresentam desafios que precisam ser enfrentados com estratégia e inovação.
A desintermediação no setor agrícola refere-se à eliminação de intermediários entre produtores e soluções tecnológicas, permitindo que esses tenham acesso direto às ferramentas que promovem eficiência e produtividade.
No modelo tradicional, os produtores frequentemente dependem de revendedores e consultores para selecionar e adquirir tecnologias ou produtos, o que eleva custos e limita a autonomia na tomada de decisões.
Com a desintermediação, esses custos são reduzidos e a autonomia na escolha de soluções aumenta, democratizando o acesso a tecnologias que antes estavam disponíveis apenas para grandes operações, facilitando a chegada dessas inovações a pequenos e médios produtores.
Dessa forma, os agricultores passam a ter maior controle sobre suas operações, tomando decisões ágeis e baseadas em dados, o que é crucial diante de desafios como variações climáticas, oscilações de mercado e problemas na lavoura.
Contudo, a desintermediação traz também um novo desafio: a necessidade de conhecimento técnico para que os produtores possam avaliar e implementar essas tecnologias de forma eficaz.
Sem o suporte de intermediários especializados, muitos podem se sentir sobrecarregados pela vasta gama de opções no mercado.
Por isso, é essencial que as empresas ofereçam não apenas produtos, mas um serviço completo com suporte contínuo, além de uma experiência de implementação simplificada, para que os produtores possam maximizar os benefícios das ferramentas adquiridas.
Estamos em um momento único no agronegócio, acompanhando tendências de outros setores, como varejo, aviação e até o mercado automotivo, onde a venda não está mais limitada ao produto, mas envolve também serviço, experiência e manutenção.
A comoditização, por sua vez, representa um fenômeno que pode tornar o mercado saturado, com uma oferta abundante de soluções tecnológicas similares.
Quando a tecnologia se transforma em uma commodity, perde-se a diferenciação e as soluções passam a competir principalmente pelo preço.
Esse cenário pode desencadear uma “guerra de preços”, em que as empresas disputam clientes com reduções de custo, muitas vezes à custa da inovação e da qualidade.
No agronegócio, essa comoditização pode desviar o foco do desenvolvimento de soluções de alta qualidade, em prol da competitividade em preço, gerando um ciclo onde a tecnologia oferecida se torna menos sofisticada e menos capaz de resolver problemas específicos do campo.
Em um setor que depende tanto da inovação, essa corrida por preços baixos pode comprometer o potencial transformador das tecnologias agrícolas.
Por outro lado, a comoditização também pode abrir oportunidades, pois amplia o acesso e torna as tecnologias mais acessíveis a um público maior.
Soluções mais baratas e padronizadas podem atender muitas das necessidades operacionais do produtor médio, democratizando o uso de tecnologias e permitindo que mais agricultores integrem ferramentas digitais ao seu dia a dia.
No entanto, para que essa acessibilidade seja realmente benéfica, as empresas de tecnologia agrícola (ou agtechs) precisam entender profundamente as necessidades dos produtores, oferecendo produtos que, além de acessíveis, agreguem valor real e sejam eficazes.
Recentemente, li um livro chamado Insanamente Simples: a obsessão que impulsiona o sucesso da Apple. Nele, destaca-se que, em geral, as pessoas não se importam com especificações técnicas. Elas se importam com a experiência completa do produto e com os resultados que ele entrega.
Acredito que o mercado de tecnologia para o agro precisa adotar essa mesma visão: o que realmente importa é o resultado. A entrega é o que faz a adoção acontecer.
Diante desses desafios, as empresas que oferecem soluções para o agronegócio precisam repensar suas estratégias para prosperar em um mercado que exige tanto diferenciação quanto resultados concretos.
Em vez de focar exclusivamente em produtos padronizados e de baixo custo, é necessário investir em soluções personalizadas, que atendam às necessidades específicas de cada tipo de produtor, respeitando a diversidade do agronegócio brasileiro e global.
Além disso, o suporte contínuo é essencial para o sucesso das tecnologias agrícolas. Ao adotar uma nova ferramenta, o produtor precisa de orientação para maximizar seu uso e compreender os dados gerados, tendo uma experiência completa de usabilidade.
Empresas que oferecem um atendimento pós-venda eficiente e uma estrutura de suporte técnico asseguram que o produtor possa realmente aproveitar ao máximo a solução, gerando benefícios concretos e resultados duradouros.
A comoditização e a desintermediação representam, assim, duas faces da mesma moeda no desenvolvimento do agro tecnológico.
A comoditização amplia o acesso às tecnologias, mas exige atenção à diferenciação para que o mercado não seja dominado por produtos de baixa qualidade.
Já a desintermediação coloca o produtor no centro das decisões, mas também traz o desafio da orientação e do suporte técnico necessários para que ele faça escolhas eficazes.
Para que a tecnologia realmente prospere e contribua para o avanço do setor, é fundamental que as empresas compreendam profundamente as demandas dos produtores, oferecendo soluções que sejam, ao mesmo tempo, acessíveis, personalizadas e acompanhadas de suporte contínuo.
Com foco estratégico no valor agregado, o mercado pode evitar a armadilha de uma competição puramente baseada no preço e construir um setor de tecnologias agrícolas que realmente transforme o agronegócio.
O futuro do agro tecnológico depende da capacidade das empresas de equilibrar esses fatores, garantindo que a inovação e a eficiência estejam no centro de suas estratégias.
Somente assim será possível atender às demandas do setor, criando um ambiente sustentável e preparado para os desafios de um mercado global cada vez mais competitivo e complexo.
Fernando Rodrigues é fundador e managing partner da Rural Ventures.