Se há quase 30 anos o então executivo da Sadia, Sérgio Fontana dos Reis desbravava a BR-163 no Mato Grosso em busca de cidades para instalar novas plantas do frigorífico, em 2024 é seu filho, Tiago Guitián dos Reis quem descobre o interior do País. Mas com outros objetivos.

Conhecido analista de ações e fundador da Suno, hoje uma das maiores gestoras do País, Reis tenta procura incluir em sua rotina, a cada 45 dias, uma viagem para alguma “praça do agronegócio”.

Os destinos variam. Desde viagens internacionais para o Nebraska, nos EUA, até cidades do Matopiba e grandes capitais do agro, como Sorriso.

Poderia ser uma espécie de visita às suas origens – a família Fontana, um dos ramos da sua árvore genealógica, é uma das famílias fundadoras da Sadia. Ele, entretanto, cresceu longe do agro e se encontrou profissionalmente dentro do mercado de capitais. Agora, os dois mundos convergiram na sua rota empreendedora.

Formado em administração de empresas pela FGV, depois de algumas experiências em fundos ele criou a Suno em 2017. Sua ideia, na época, era oferecer aos investidores brasileiros uma análise de investimentos mais acessível.

Porém, pela aproximação do agronegócio com a Faria Lima nos últimos anos, Reis se viu repetindo os passos do pai e hoje vislumbra uma grande avenida de crescimento para o setor dentro do universo financeiro.

“Nos anos 2000 meu pai foi um dos caras que incentivou a Sadia a abrir plantas no estado, o que fazia sentido na época”, conta ele, em entrevista ao AgFeed.

“Naqueles anos ele já falava que a obra de ampliação da BR 163 (no Matro Grosso) era uma das mais importantes da humanidade, pois baratearia o custo de frete e consequentemente o custo da alimentação em todo o mundo”, afirma.

Quando jovem, Reis não tinha nem vontade nem pretensão de atuar no agro, mesmo com a família no business. Ele lembra que estava na faculdade no momento em que a Sadia teve problemas financeiros com operações de derivativos cambiais.

Na época, na intenção de proteger receitas de exportação, a companhia apostou na valorização do real frente ao dólar, mas, em meio à crise financeira de 2008, viu o jogo virar e a companhia acumulou uma perda de R$ 2,6 bilhões na operação.

Foi logo na sequência que a empresa buscou a fusão com a Perdigão, resultando na criação da BRF, em 2009. Reis afirma que a família sempre foi mais distante do management da companhia e, com a crise, o afastamento foi ainda mais profundo.

Hoje, seu pai, Sérgio, continua um “entusiasta do agro”, segundo o filho, mas investe por meio de uma pequena gestora apenas em companhias listadas. “Ele é um investidor de escritório. Sou eu quem viajo e vejo as oportunidades”.

Desde o início de sua carreira como analista de ações, Tiago Reis já acompanhava os papeis de empresas do setor. “Acompanhamos a indústria e o segmento de frango era muito representativo. Ao longo dos anos, durante um processo de desindustrialização, as carnes perderam espaço para a soja”.

Na Suno, entre recomendações para investidores e outros investimentos, Reis sempre esteve próximo de companhias do agro listadas na B3, como as do setor de papel e celulose (Suzano e Klabin), 3tentos, Boa Safra, BrasilAgro e Kepler Weber. “Sempre tivemos um índice de acerto grande e tudo que compramos deu certo na Suno”.

A relação mais estreita com o setor veio com a criação dos Fiagros, que segundo Reis, serviu para a Suno criar um vínculo ainda maior com o segmento. “Agora investimos diretamente no setor, representando mais de 100 mil cotistas”.

Na B3, o SNAG11 é o segundo maior fundo em número de cotistas e acumula um patrimônio líquido de R$ 582 milhões. Tiago Reis cita que faz essa agenda de viagens para, além de ver na prática os ativos investidos, capturar novas oportunidades.

Hoje, ele não esconde a empolgação durante suas viagens e em registros nas suas redes sociais mostra o encanto com o setor. Ele afirma que toda viagem vira uma chave diferente em sua cabeça.

“Estive em Ribeirão Preto durante as queimadas, visitando empresas de cana. Algumas semanas depois estava em Gaúcha do Norte (MT), onde temos a nossa fazenda que faz parte do outro Fiagro da casa, o SNFZ11, esse focado em terras”, afirmou.

Ele exemplifica que a viagem para o Nebraska, realizada no começo deste ano em parceria com uma comitiva do governo do Paraná, mostrou a importância da irrigação. Hoje, o Brasil possui a mesma área irrigada que o estado americano, e com a abundância de águas por aqui, há oportunidades de investimento.

“A irrigação vai continuar a crescer, pois traz muita segurança para o agricultor e reduz muito os riscos climáticos”, aponta.

Os Fiagros como “capex do Agro”

Segundo Reis, a experiência do setor de real state com os fundos imobiliários deve se repetir no agro com os Fiagros.

De acordo com o fundador da Suno, das 10 maiores transações imobiliárias dos últimos 12 meses, nove tinham fundos envolvidos na compra. No ano passado, pela primeira vez, o crédito via mercado de capitais, como CRIs e FIIs, superou a poupança no financiamento do mercado imobiliário, de acordo com dados da Anbima.

“O mercado de capitais tem virado o grande protagonista do setor imobiliário, equity e dívida. Isso vai acontecer no agro também”, projeta. Na sua visão, os Fiagros podem funcionar como um “Capex do Agro”.

Se de um lado o crédito tradicional de bancos possui prazos de, no máximo, três anos, um Fiagro ou um CRA podem financiar prazos mais elevados, acredita Reis.

Com isso, ele prevê que os futuros fundos do setor devem ganhar cada vez mais um aspecto de infraestrutura, para além do crédito para o produtor.

“Armazenagem, logística e irrigação não são feitos com linhas tradicionais de financiamento, mas o mercado de capitais faz isso ser possível”.

“Existem oportunidades de custeio também, mas acho que o grande diferencial do mercado de capitais é fazer esse capex do agro, não só irrigação e armazenagem, mas financiar mudas de café, que demoram até três anos para produzir, de soqueiras de cana, que duram sete anos”, acrescentou.

Essa perspectiva já se reflete, em partes, no Fiagro da Suno. No final do ano passado, o SNAG11 encarteirou um CRA de R$ 40 milhões da Leitíssimo.

O empréstimo com prazo de cinco anos ajudou a empresa de pecuária leiteira localizada no Oeste Baiano a instalar pivôs de irrigação e comprar vacas. Reis visitou recentemente a sede da investida e ficou impressionado com o que viu.

“O investimento ajudá-los a ampliar a produção e gerar empregos numa das regiões mais pobres do País. Nosso cotista está financiando tecnologia e criando uma forma de produção de leite eficiente em termos ambientais”, disse o chairman.

No fundo, a grande estrela ainda é a Boa Safra. Tiago Reis estima que o Fiagro da Suno financia cerca de 25% das vendas da empresa da família Colpo. Na parceria, a gestora proporciona crédito aos clientes da sementeira, o que ajuda a companhia a não se alavancar.

“Transformamos a Boa Safra num originador de crédito para o Fiagro. Ela vira uma plataforma de originação e, com isso, segregamos quem financia de quem origina o cliente. Isso acontece no sistema bancário desde 2008”.

Mais da metade do fundo tem alocação nesse sistema. O crédito é pulverizado e lastreado em 57 CPRs de produtores e revendas clientes da Boa Safra, diversificando o risco do fundo. A Suno é a responsável por fazer a análise de crédito de cada cliente.

Além disso, o fundo comprou dois terrenos para a Boa Safra, um em Sorriso e outro em Primavera do Leste, para instalação de armazéns com logística refrigerada. Com a semente da soja “fresquinha”, o produtor ganha em produtividade, explica Reis.

“Tenho uma empolgação de longo prazo com o agro. O setor tem uma tendência de crescimento inevitável, com uma melhoria de produtividade ao longo do tempo. A velocidade pode oscilar a depender do momento, governo e juros, mas ao longo do tempo, o agro brasileiro é imparável”, finaliza Tiago Reis.