No mercado das gestoras que atuam com Fiagros, era quase um consenso que o segundo semestre deste ano seria aquecido em novas ofertas de follow-on.
Depois de um primeiro semestre recheado de dúvidas em relação à trajetória dos juros americanos e brasileiros e os pedidos de recuperação judicial no agro, uma calmaria parecia vir à frente a partir de julho.
Tanto que em agosto, uma reportagem do AgFeed mostrou que foram R$ 465 milhões emitidos durante o mês para os fundos do tipo, segundo melhor período do ano, só ficando atrás de abril, quando foram emitidos R$ 498 milhões. Entre maio e junho deste ano somados, foram R$ 437 milhões em emissões. Em setembro foram R$ 521 milhões em emissões.
A partir do final de setembro, contudo, tudo mudou. O pedido de recuperação judicial da Agrogalaxy, que envolvia mais de R$ 4 bilhões em dívidas e uma presença em diversos Fiagros listados esfriou o clima tropical.
De cara, Fiagros da XP, JGP e Kijani, que possuem mais de 5% do capital alocado em CRAs da rede de revendas do Aqua Capital, despencaram em uníssono.
O movimento perdura desde então e mesmo Fiagros que não possuem nenhuma exposição à rede ou que não tiveram problemas de inadimplência com ativos na carteira sofrem as consequências de aversão ao risco.
Esse movimento menos propenso a investimento no agro até postergou alguns movimentos de algumas casas. O gestor de um dos maiores Fiagros da B3 revelou ao AgFeed que pretendia realizar um follow-on no último trimestre deste ano, mas com a situação de aversão ao setor no mercado, o movimento deve ficar para depois de janeiro – se as condições melhorarem até lá.
Crise para uns, oportunidade para outros. Passado um mês e meio do pedido de RJ da Agrogalaxy, os Fiagros se encontram em uma verdadeira liquidação na B3.
Octaciano Neto, ex-diretor de Agronegócio da gestora Suno e especialista em mercado de capitais, foi enfático em seu Linkedin: “Momento ruim para as gestoras, que não podem fazer ofertas, mas para os investidores, momento mágico”.
“Fiz nos últimos dias o que nunca recomendei, não recomendo e que nunca fiz até então: ‘all in’ em Fiagros”, acrescentou.
Em entrevista ao AgFeed, Neto afirmou que acredita que os Fiagros caminham para uma “mínima histórica” em suas cotações. Para além do conjunto ruim de notícias que circundam o agro, que na visão do especialista são exageradas, existe uma conjuntura de notícias macroeconômicas no País que tem atrapalhado o mundo dos investimentos.
“Vejo uma crise real, que é a situação fiscal do governo, e outra fabricada, que é referente ao agro. Isso faz as pessoas ‘morrerem com o barulho da bala’”, compara.
O especialista afirma que fez uma grande mudança na alocação de sua carteira pessoal de investimentos. “Só não vendi Fiagro para comprar outros Fiagros, mas vendi muita ação”, afirmou.
No mercado de capitais, uma forma de avaliar se uma ação ou cota de fundo está cara ou barata, é dividir o valor negociado em Bolsa do ativo pelo seu VPA, o valor do patrimônio líquido da empresa (ou de um fundo) dividido pela quantidade de ações (ou cotas) que possui.
Dessa forma, se a divisão resultar num número maior que 1, significa que o fundo está sendo negociado por um preço acima do seu valor patrimonial. Se estiver igual a 1, significa que está num “preço justo”, negociando exatamente no mesmo valor de seu patrimônio. Se estiver abaixo de um, significa que a cota está “descontada” frente ao que o fundo vale.
Segundo dados do Clube FII, apenas quatro Fiagros hoje estão com cotas valendo mais que seu valor patrimonial por cota. Ou seja, na prática, todos os outros estão “descontados”.
O maior Fiagro da B3, o KNCA11, da Kinea, com R$ 2,2 bilhões de patrimônio líquido, acumula baixa de 13,3% desde o pedido de RJ.
O RZTR11, fundo da gestora Riza de R$ 1,6 bilhão focado na compra e venda de terras agrícolas, um negócio completamente distinto da compra de CRAs, acumula baixa de 5% desde então.
Nesse ranking, os Fiagros expostos à CRAs da Agrogalaxy figuram entre as maiores liquidações.
O XPCA11, por exemplo, pode ter sua cota comprada próxima aos R$ 6 na Bolsa, ao mesmo tempo que conta com um valor patrimonial de R$ 9,21, segundo o Clube FII. Já o JPGX11, que está cotado a R$ 63,33 na Bolsa, tem um VPA de R$ 91,87.
Desde o pedido de RJ da Agrogalaxy, esses dois fundos acumulam baixas de 25% e 17% em suas cotas, respectivamente.
A “barganha” de alguns papéis parece não ter chamado atenção dos investidores, já que as cotações desses fundos seguem em queda livre há mais de um mês.
“Parece que o investidor gosta de pagar caro nos ativos. Ele precifica uma ‘crise’ no agro e vende os papeis do setor. Daqui há alguns meses, quando o setor voltar a ‘ser pop’, com notícias de alta na safra, ele decide voltar a comprar Fiagros. Só que lá, o preço das cotas já subiu do que está hoje”, disse à reportagem outro gestor da Faria Lima com grande exposição ao agro.
De acordo com Octaciano Neto, esses dados do Clube FII trazem uma oportunidade de ouro para o investidor. Ele acredita que mesmo a situação fiscal do Brasil deve melhorar com uma reação do governo federal nos próximos dias. “Acho que eles vão colocar uma âncora fiscal no País”, afirma.
Já Alfredo Marrucho, gerente de análise e dados da Uqbar, empresa que atua com inteligência de mercado nos mercados de CRAs, CRIs, e fundos brasileiros, acredita que ainda é cedo para dizer que a melhor oportunidade para comprar fundos do agro já está na mesa.
Por mais que de fato os Fiagros estejam descontados, ele acredita que a perspectiva de aumento da taxa Selic, que usualmente prejudica os fundos, e a incerteza setorial do mercado agro abre espaço para esse questionamento.
“Precisamos ainda mensurar se o setor vive um grande volume de recuperações judiciais ou se é algo apenas localizado no mercado de Fiagros, que se expôs a esses setores com mais problemas”, disse Marrucho.
A teia da Agrogalaxy
Na opinião de Thiago Gil, economista e diretor da gestora Cordiant Capital, a RJ do Agrogalaxy, chamada por ele de “tragédia anunciada”, adicionou mais um ruído à indústria de Fiagros.
Em uma análise publicada em seu Linkedin há algumas semanas, Gil mapeou as interações entre os vários CRAs da rede de insumos na carteira de Fiagros listados, e chegou à conclusão de que a empresa está entre as mais centrais e mais conectadas no ecossistema.
"A empresa está mais conectada aos Fiagros do que 96% das outras emissoras; além disso, a AgroGalaxy tem a maior medida de centralidade de intermediação dentro da amostra, o que sugere que a empresa é a mais relevante conexão entre fundos distintos que investem nos CRAs mapeados”, afirmou o economista.
“O impacto da RJ é, portanto, em termos relativos, bastante relevante na cadeia de investidores”, acrescentou. Segundo ele, mesmo em ecossistema pouco integrado, o “potencial destrutivo de uma propagação em choque em vários fundos é existente”.
Luiz Cláudio Caffagni, consultor financeiro no agronegócio, é sereno ao dizer que não há crise sistêmica envolvendo o mercado de capitais e o agronegócio, mas admite que o caso causa um “abalo e uma chacoalhada”.
O consultou mapeou que o Agrogalaxy possuía mais de R$ 2 bilhões em CRAs e cita que dentro dessa estrutura existe muito investidor pessoa física.
As lições da crise. E como atravessá-la
Ao AgFeed, Gil afirmou que a mensagem que fica para os investidores é que a crise pode ser considerada sistêmica, somada a um cenário de quebra de safra em algumas regiões, taxa de juros mais alta no País e algumas companhias alavancadas, assusta o dono do dinheiro.
“O investidor precisa ter cuidado com empresas com margem e geração de caixa pequena que operam muito alavancadas”, afirmou.
Para que as gestoras mostrem aos investidores que existe joio e existe trigo, a lição de casa começa de maneira simples e, segundo Gil, nos próprios materiais de divulgação de alguns Fiagros.
Enquanto alguns fundos divulgam de forma transparente os CRAs encarteirados e contam com descrições das empresas envolvidas, alguns veículos de investimento, incluindo até de instituições financeiras renomadas, apenas detalham que se trata de uma empresa “A” de um setor “B”, como por exemplo “Empresa do Setor de Insumos Agrícolas”, ou “Empresa do Setor Sucroalcooleiro”.
“Quem investe, não faz a menor ideia de onde está entrando”, afirma Thiago Gil. Do lado das gestoras, as mais interessadas em fazer com que as cotas voltem a subir, o economista vê um movimento de dar mais atenção ao risco de crédito nas operações, somado a uma melhor comunicação entre o gestor e o investidor.
Octaciano Neto ainda acredita que o escopo das gestoras precisa incluir, além de uma boa gestão de ativos, fortes ações de comunicação. “Tem que meter a cara, fazer live, ir para as redes sociais… o atual mandato do mercado de capitais exige isso. As gestoras ainda não fazem, pois estão todas aprendendo”, afirmou o especialista.
Marrucho, da Uqbar, acredita que algumas gestoras que possuem Fiagros não são tão especialistas no setor e ainda precisam passar por uma curva de aprendizado. “É um mercado com grande presença de investidores pessoa física, em que qualquer notícia mais amedrontadora já é motivo de venda de ativos”.
“As emissões vão diminuir o ritmo, mas, por um lado, o mercado de Fiagros ainda é relativamente pequeno quando olhamos a renda fixa como um todo. O setor vai continuar precisando de capital de giro e vejo as gestoras melhorando estruturas de garantias”, acredita Thiago Gil.
No caso específico do Agrogalaxy, outro aprendizado que pode ficar aos investidores, de acordo com Gil, é a mística de que uma empresa listada tem bom perfil de crédito. Segundo ele, no agro existem muitas empresas de capital fechado com governança e riscos melhores do que pares com ações negociadas na Bolsa.
Pela isenção de imposto de renda sobre os rendimentos e a promessa de retorno, a compra de alguns certificados pelos investidores fica atrativa.
“A isenção do IR traz investidores que não conhecem e nem têm a obrigação de conhecer o agro. Será que essa isenção é boa mesmo? É algo para refletir, pois depende do risco. Um investidor pouco habituado deveria colocar dinheiro em Fiagros e alguém mais entendido, que lê balanços, num CRA”, opina Caffagni.
Para investidores profissionais ou institucionais, ele acredita que, com garantias de alienação fiduciária do produtor que comprou insumo, ele vai receber, eventualmente, seu dinheiro de volta. O problema está no pequeno investidor de varejo.
“Em um fundo listado ou secundário, o investidor vai ‘levar uma diminuição na cota’, e, com esse prejuízo momentâneo, começa a pressionar as gestoras”, afirma Luiz Cláudio Caffagni.
Do ponto de vista dos fundos, a atratividade e a isenção de IR do investimento fazem com que gestores aloquem os recursos com rapidez, acredita o consultor, o que diminui a análise de risco do investimento.
“Até que ponto essa quantidade de dinheiro e essa ‘obrigatoriedade’ de alocar rapidamente não fez com que gestores tivessem um olhar para o risco de crédito menor do que deveriam?”.
Caffagni ainda avalia que vê outros CRAs com problemas, seja de produtores no MT ou até de outras revendas, mas nada na magnitude do Agrogalaxy.