Depois de mais de um ano no papel e de algumas promessas não cumpridas, a plataforma digital AgroBrasil+Sustentável, do Ministério da Agricultura e Pecuária, finalmente deve ser lançada, “antes do fim de 2024, possivelmente até meados de dezembro”.
A promessa é do secretário de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo da pasta, Pedro Corrêa Alves Neto, que conversou nesta semana com o AgFeed, após participar de um evento em São Paulo.
“Faltam apenas os últimos detalhes de cruzamento de dados, especialmente sobre o uso da terra no âmbito das propriedades rurais. Esse era o desafio que faltava ser vencido para que a plataforma pudesse trazer a questão da conformidade, a qualificação da produção agropecuária nacional, também levando o importante aspecto do uso da terra”, adiantou Neto.
Desenvolvida pelo Mapa em parceria com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a plataforma deve trazer informações sobre o nível de sustentabilidade no campo para atestar a qualidade da produção brasileira ao mercado externo.
O que se se sabe até o momento é que a ferramenta deve fazer o cruzamento de informações das propriedades rurais como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) com bases de dados de áreas índigenas e de presrvação ambiental, além dos sistemas oficiais Prodes e Terraclass, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), para identificar se há faixas de terra com focos de desmatamento, por exemplo.
Questionado pelo AgFeed se a plataforma vai gerar, por exemplo, um relatório digital contendo essas informações, Pedro Neto disse que o sistema vai ter um mecanismo individualizado por produtor.
“Ele vai levar em conta a especialidade produtiva, o plot de produção, a técnica que o produtor utiliza nos seus talhões de produção e é essa junção de informações que vai permitir que essa produção seja qualificada”, explicou.
Poucos detalhes sobre o uso da ferramenta na prática foram divulgados publicamente, ainda que a plataforma tenha sido assunto de várias reuniões do Mapa com representantes de outros países e do setor produtivo.
Uma fonte ligada ao setor produtivo disse à reportagem que, em vários desses encontros, a plataforma era apresentada apenas de forma teórica, em slides, sem que os representantes do governo fizessem uma demonstração na prática de como os produtores poderiam utilizá-la.
“As principais representações das cadeias produtivas nacionais participaram ativamente da discussão sobre a concepção da plataforma e agora estão fazendo uma segunda rodada já enxergando a plataforma funcionando para ajustes, pra especificidades de cada cadeia produtiva”, afirma Pedro Neto.
“Foi uma forma de permitir que essas representações de produtores rurais pudessem olhar além do Power Point”, emenda.
O trabalho de fato teria evoluído nos últimos meses. Em setembro, outra fonte mostrou à reportagem alguns prints em que é possível perceber que o layout da plataforma se assemelha ao do sistema gov.br.
O lançamento da ferramenta interessa aos produtores pela possibilidade de ser mais uma forma de atender às exigências da lei antidesmatamento da União Europeia, a chamada EUDR, que proíbe a importação de produtos como borracha, cacau, café, carne bovina, óleo de palma, soja e derivados de madeira com origem em áreas de desmatamento após dezembro de 2020.
Os produtores terão de municiar os importadores com dados de geolocalização e de descrição dos produtos, comprovando que estão em conformidade com a lei.
Quem importar as commodities precisará inserir essas informações em um sistema da União Europeia que ainda está em fase de desenvolvimento.
Caso contrário, o importador poderá sofrer sanções como confisco de produtos, restrições a financiamentos públicos e, na punição mais alta, uma multa de pelo menos 4% da receita bruta aferida com os produtos.
Pedro Neto pondera, no entanto, que a criação da ferramenta não está centrada no cumprimento da legislação europeia por parte dos produtores brasileiros.
“A plataforma pode atender conjunturas locais de mercados específicos, como a União Europeia pela sua capacidade de ajustes, mas ela não foi criada para a EUDR, nem para a China, nem para os Estados Unidos. Não foi pensando em nenhum mercado específico, foi pensando, de uma maneira geral, para mercados exigentes.”
Plataforma adiada
Não é a primeira vez que o Mapa promete o lançamento da plataforma. No começo do ano, o ministério chegou a cravar que o sistema sairia no dia 24 de julho.
Na véspera da data prevista, no entanto, a então secretária de inovação Renata Miranda deixou o cargo.
“Hoje encerro minha participação na gestão da SDI. Foram 18 meses de muito aprendizado, trabalho, desafios, parcerias e resultados que me enchem de orgulho e alegria", escreveu ela em mensagem encaminhada na ocasião aos servidores. "Não há palavras para agradecer o empenho, a competência e amizade de cada um de vocês".
O engenheiro agrônomo Eduardo Bastos, que foi diretor de sustentabilidade da Bayer para a América Latina e CEO da MyCarbon, subsidiária da Minerva, chegou a ser indicado pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para ocupar o cargo, mas teria sido barrado por pressão do PT, segundo reportagem do portal Globo Rural.
Setores do partido teriam ficado desagradados com a indicação pela proximidade do agrônomo com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), tida como uma ala mais conservadora do agronegócio pela sigla.
No lugar de Bastos, entrou Pedro Neto, que era secretário-adjunto de Miranda, nomeado em 31 de julho. Neto foi diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro no governo de Jair Bolsonaro.
Já a saída de Miranda teria se dado por motivos pessoais, algo que o próprio Pedro Neto confirmou na conversa com a reportagem. “Não teve relação com a plataforma”, disse ele.
Fontes haviam dito à reportagem anteriormente que houve falta de vontade política do ministério para que a plataforma fosse lançada.
Houve também desagrado de representantes dos produtores, especialmente pela proximidade da data-limite de entrada em vigor da lei anti-desmatamento da União Europeia sem que a plataforma estivesse lançada, mas também pelo fato de a ferramenta apenas apresentar o problema da não conformidade sem trazer uma solução.
Pedro Neto diz que a demora para a criação da ferramenta se deu em função da necessidade de desenvolver um sistema que fosse robusto e seguro.
“Fazer esse grande data lake, levando em conta a governança de cada base de dados, levando em conta a especificidade de cada gerente ou gestor de bases de dados não foi uma coisa simples de fazer”, afirma ele.
Como fatores que retardaram o processo de criação do sistema, Neto cita a necessidade de desenvolvimento de mecanismos de segurança, de testes prévios a serem feitos pelos setores produtivos e do próprio conceito do que seria a plataforma. “A gente não pode apresentar uma ferramenta como essa sob pena de ela não sair bem calibrada”, ressaltou.