Nem mesmo a gigante Starbucks, uma das maiores compradoras de café do mundo, está imune às mudanças climáticas.

Preocupada em garantir, no futuro, o fornecimento de café arábica, uma cultura altamente sensível ao calor, a companhia norte-americana anunciou a compra de duas fazendas na Costa Rica e na Guatemala para reforçar o desenvolvimento de um café mais resistente às mudanças climáticas. O valor da operação não foi revelado.

Também estão previstos investimentos adicionais na África e na Ásia, mas a empresa ainda não informou quando esses aportes serão realizados nesses continentes.

O movimento da Starbucks é motivado por uma preocupação que não pertence mais ao futuro, mas sim ao presente: o aumento das temperaturas e a redução das chuvas em várias partes do mundo já estão transformando a produção de café.

O mundo já enfrenta déficits de estoques e crescimento baixo da produção de café - somando arábica e robusta - nos últimos anos, com taxas de crescimento diferentes ao redor do mundo.

Na safra 2022/2023, por exemplo, segundo dados divulgados pela Organização Internacional do Café (ICO, na sigla em inglês) em um relatório, a diferença foi de 4,9 milhões de sacas de 60 kg. Na safra 2021/22, esse déficit havia sido ainda maior, de 8,6 milhões de sacas.

Já o crescimento global da produção foi mínimo, de apenas 0,1%, afetado por condições climáticas desfavoráveis em algumas regiões do mundo, de acordo com o ICO.

A África sofreu uma redução de 7,2% na produção, enquanto Ásia e Oceania registraram queda de 4,7%. Países como Indonésia e Vietnã registraram quedas de 12,2% e 9,8% no período, respectivamente.

Essas perdas, no entanto, foram parcialmente compensadas pela expansão da produção na América do Sul, especialmente no Brasil, onde houve um crescimento de 8,4% na safra 2022/23, em comparação com 2021/22, segundo dados do ICO.

E o desempenho da produção global do café arábica vem oscilando bastante nos últimos anos. Na safra 2023/24, o ICO esperava um aumento de 8,8% na produção do arábica, por exemplo, um cenário bem diferente de dois anos antes, na safra 2021/22, quando a produção havia recuado 8,2%.

Mas apesar dos bons números registrados pelo café brasileiro nos últimos anos, inclusive com recorde de exportação, o Brasil não deve ficar imune às mudanças do clima.

Um artigo publicado em 2023 por pesquisadores brasileiro na revista científica Environment, Development and Sustainability indicou que a quantidade de áreas aptas no País cairia de 8,7% para 5,4% entre 2061 e 2080 – isso num cenário mais otimista, em que as reduções de gases do efeito estufa fossem zeradas no período.

O calor torna os cafezais mais vulneráveis a doenças como a ferrugem, que descolore e resseca as folhas, comprometendo a produção.

Se nada for feito, a área global adequada para o cultivo de café pode ser reduzida pela metade até 2050, segundo Andrea Illy, presidente da Illycaffé, uma das mais tradicionais empresas do setor.

Ao investir em fazendas ao redor do mundo, a Starbucks, pretende cobrir todo o "cinturão do café", como são conhecidas as três principais regiões produtoras globais, compondo uma “rede de inovação”, nas palavras da companhia.

O investimento na Costa Rica não é inédito. Em 2013, a Starbucks havia comprado a Hacienda Alsacia, uma propriedade de 240 hectares, para o estabelecimento de um centro global de inovação, pesquisa e desenvolvimento.

Desde então, a empresa desenvolveu variedades de café arábica mais resistentes às mudanças climáticas e a doenças como a ferrugem.

Uma das formas de combater as transformações do clima é fazer a renovação dos cafezais, trocando plantas antigas, menos produtivas e mais suscetíveis ao fungo, por novas.

Por isso, em 2017, a companhia anunciou que iria doar, até 2025, 100 milhões de mudas de café a produtores em todo o mundo. Até agora, 90 milhões de mudas mais resistentes ao clima já foram distribuídas, segundo a empresa.

As novas fazendas na Costa Rica e na Guatemala estudarão como as variedades de café se comportam em diferentes condições de solo e altitude.

Na propriedade costarriquenha, a empresa também vai pesquisar o uso de drones, mecanização e outras tecnologias, como forma de combater a escassez de mão de obra na América Latina.

Já na Guatemala, a Starbucks aplicará um modelo de pequenas propriedades, com o objetivo de entender melhor os desafios enfrentados por muitos agricultores na região.

"Com essas fazendas de inovação, desenvolveremos soluções que não apenas aumentarão a produtividade e a qualidade do café, mas também capacitarão os agricultores com as ferramentas e o conhecimento necessários para prosperar em um mundo de clima desafiador", afirmou Roberto Vega, vice-presidente de agronomia global de café, P&D e sustentabilidade da Starbucks, em comunicado à imprensa.