Celso Moretti, ex-presidente da Embrapa. Evaristo de Miranda, ex-diretor da Embrapa Territorial. Marcos Troyjo, ex-presidente do New Development Bank, o chamado “banco dos Brics”.

O time é estrelado, com nomes reconhecidos no Brasil e no Exterior. E é com essa seleção no ataque que Fausto de Andrade Ribeiro, ex-presidente do Banco do Brasil, está colocando em campo um ousado plano para atrair capitais estrangeiros para investimentos no agronegócio brasileiro.

O alvo inicial do Farmland Global Solutions – empresa de assessoria de investimentos criado por Ribeiro e que tem como sócios o almirante Flávio Rocha, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos no governo Bolsonaro, e outros ex-diretores do BB –, são os petrodólares dos fundos soberanos dos países do Golfo Pérsico.

O objetivo é captar junto a eles recursos para veículos de investimentos em propriedades e negócios rurais que serão desenhados sob medida para se encaixar nos bilionários planos desses países em torno da segurança alimentar.

“O árabe tem dinheiro, mas durante a pandemia descobriu que dinheiro não se come”, afirma Ribeiro, que também é presidente do Conselho de Admnistração da Eternit, em entrevista ao AgFeed.

“Essa foi uma expressão que ouvi deles e que reflete a preocupação atual dos governantes desses países em estarem preparados para uma nova situação que possa abalar os fluxos de fornecimento de alimentos, como o que ocorreu na pandemia e com guerras como a da Ucrânia”.

É também, segundo diz, “o pano de fundo” da proposta da Farmland. Ribeiro conta que vem amadurecendo a ideia desde que deixou o banco, em janeiro de 2023. “A primeira coisa que fiz foi conversar bastante com o almirante”, diz.

Na gestão de Jair Bolsonaro, Rocha era responsável pela organização das viagens internacionais do então presidente da República e coordenava a pauta de encontros bilaterais com autoridades de outros países.

Nesse período, segundo Ribeiro, construiu uma rede de relacionamentos capaz de abrir portas em diversos desses países, particularmente no mundo árabe.

O próximo passo, relata o ex-presidente do BB, foi atrair para o projeto um time técnico, capaz de dar respaldo às propostas financeiras. É aí que entram em cena nomes como os de Moretti, Miranda e Troyjo, que também tiveram papel de destaque no governo passado.

Naquele período, o grupo hoje reunido em torno da Farmland já dse relacionava de alguma forma. Toryjo, por exemplo, ajudou a viabilizar, com recursos dos Brics, linhas de longo prazo do BB para financiamento de silos e armazéns. “Foram linhas de 13 anos com 4 anos de carência”, lembra Ribeiro.

Os dois ex-dirigentes da Embrapa, afirma, tiveram papel estratégico na definição de políticas estatais para o agronegócio, que tem no BB seu maior financiador.

“O Evaristo exercia para nós o papel de uma espécie de guru do agro. Ele nos ajudou a entender bem a dinâmica do setor e a tentar mudar um pouco o discurso para que o agronegócio pudesse sair de vilão para protagonista do desenvolvimento”, afirma.

A ideia, então, evoluiu pra o desenho de um modelo de negócios que permitisse reunir esse time e entender como todos pudessem atuar de forma integrada, “passando uma certa segurança para quem vai fazer o investimento no Brasil”.

Em um primeiro momento, os especialistas atuarão como consultores da Farmland. Mas têm, segundo Ribeiro, a opção de tornarem-se sócios da empresa.

“Eles fizeram muito bem seus respectivos trabalhos e hoje estão livres no mercado para prestar esse tipo de assessoria”, diz o ex-presidente do BB.

Ribeiro afirma que ainda há pontos a serem definidos no business plan da Farmland. Sua expectativa é que a operação da empresa se inicie, de fato, em cerca de três meses.

“Já estamos bem avançados. Nós já contratamos uma empresa que está nos assessorando para fazer uma pesquisa de mercado e, no mais tardar em janeiro, fevereiro de 2025, já estaremos percorrendo os canais necessários para começar a fazer a venda de nossas soluções”, diz.

Conversas preliminares estão em andamento, segundo ele, com embaixadas e representantes de alguns fundos soberanos para validar o modelo e perceber as demandas mais prementes de cada um deles.

“O projeto vai ganhando dinâmica e corpo à medida que você vai conversando e entendendo um pouco como podemos atendê-los da forma mais segura possível”, diz.

Outras iniciativas semelhantes foram identificadas por Ribeiro, envolvendo nomes como o do ex-ministro da Fazenda, Paulo Guedes, do ex-presidente do BNDES, Gustavo Montezano, e de Joaquim Leita também e o Montezano e o Joaquim Leite, ex-ministro do Meio Ambiente, todos egressos do governo Bolsonaro.

“Eles também têm esse mesmo plano de fundo relacionado à segurança alimentar”, afirma. “Talvez a gente esteja um pouquinho na frente porque a gente já vem pensando nesse tema já há algum tempo e tentando encontrar as melhores soluções”.

Mercado de terras

Um dos pontos sobre o qual o time da Farmland tem se debruçado é o de investimentos em terras agrícolas – o próprio nome da empresa indica esse caminho.

A preocupação do grupo é desenhar modelos que sejam adequados à legislação brasileira que rege o setor imobiliário rural. A Constituição Brasileira restringe, por exemplo, os investimentos estrangeiros em terras a 25% da área por município.

Dentro desse total, explica Ribeiro, nenhum país, individualmente, pode ter acima de 10%.

Assim, segundo o empreendedor, o melhor mecanismo para viabilizar que grupos estrangeiros, de alguma forma, passe a deter propriedades rurais são os Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) e os Fiagros.

“Quando falamos em participações em empresas, seria através de Fips. E quem vai adquirir a terra no Brasil é o CNPJ nacional, do Fiagro, obviamente respeitando todas as regras previstas na lei”, explica.

Ribeiro antecipa que a Farmland está “trabalhando junto ao Bradesco, à Vinci Partners (empresa de investimentos alternativos findada por ex-sócios do BTG Pactual, como Gilberto Sayão) e à Reag Investimentos (que possui mais de R$ 180 bilhões sob sua gestão) para tentar criar essa estrutura de fundos”.

A escolha dos parceiros foi também pensada para, segundo ele, trazer mais segurança e atratividade para que os estrangeiros possam sentir mais tranquilidade em aportar seus recursos.

“Escolhemos três parceiros porque muitos desses programas têm exigências de compliance altamente severas. Então, a ideia foi realmente abrir um pouco o leque para ver se a gente consegue cumprir todos os pré-requisitos que são exigidos nessas operações".

O principal deles é que o veículo precisa ser rentável. Assim, a metodologia de identificação de terras com potencial de investimentos tem sido um dos principais pontos de atenção do grupo.

O olhar da Farmland será para áreas já produtivas, com recursos hídricos e infraestrutura de escoamentos de produção. “Elas têm de ter comprovação histórica de produtividade, mais de dois, três anos com números bem positivos”, diz Ribeiro.

Também será avaliado o potencial de valorização, já que o capital investido nos imóveis precisa ser remunerado.

“Uma vez adquirida a terra, a ideia é colocar 49% na mão do sócio estrangeiro e os outros 51%, distribuídos aqui no mercado brasileiro”.

O projeto prevê o arrendamento das propriedades para grandes produtores agrícolas, de forma a obter remuneração a cada safra. Mas esse arrendamento deve conter cláusulas que, segundo Ribeiro, “defendam os interesses dos investidores que estão tentando ter a bandeira da segurança alimentar”.

Uma possibilidade seria prever que a primeira opção de venda dos produtos colhidos seja para uma trading indicada pelo fundo proprietário das terras, por exemplo.

“Em situações normais de temperatura e pressão, sem crise mundial, o investidor vai poder abrir mão da compra desse produto e vai receber recursos financeiros mesmo”.

O projeto deve trazer algumas características adicionais que, na visão de Ribeiro, podem ajudar no discurso de captação de recursos. Um deles é a inclusão de um serviço de monitoramento de produção, que permitirá aos investidores acompanharem a evolução das safras nas terras adquiridas.

“Nós, oriundos do Banco do Brasil, temos um know-how bem interessante que dá para se aproveitar bastante nesse processo”, diz.

Um dos parceiros nesse campo deve ser o grupo paulista RZK, que combina negócios de produção agrícola, conectividade rural e concessionárias de máquinas John Deere.

“Com as máquinas conectadas, você consegue hoje visualizar a colheita dentro de uma propriedade rural” diz.

Além disso, a Farmland pretende montar uma estrutura dedicada a garantir que toda a documentação das terras é regular, o que nem sempre é simples no Brasil. A ideia, segundo Ribeiro, é trazer pessoas experientes nesse mercado que possam ajudar a “mitigar cada vez mais os riscos do investimento”.

A gestão dos fundos deve ser independente, nas mãos dos parceiros especializados na área. “Nós estamos participando da construção das regras, mas, uma vez aprovadas, o fundo tem o seu próprio processo decisório”, afirma.

“O nosso papel é, no processo de aquisição de terras, fazer essa acessoria e o monitoramento completo para garantir que o investimento funcione e cumpra seu papel estratégico de segurança alimentar”.

Os primeiros passos da Farmland devem ser mesmo pelos Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita, mas também estão no radar fundos fundos soberanos asiáticos. Ribeiro acredita que, nessa região, a presença de Troyjo deve ser estratégica.

A gente acredita que muitos desses países na Ásia também precisam de alguma forma se proteger. E mesmo na Europa, Noruega e Dinamarca, os fundos soberanos são importantíssimos e vão precisar de soluções que possam garantir uma certa estabilidade para eles em determinadas situações de crise” diz.

“O Brasil é o único que pode atender essa demanda”.