Internacionalmente conhecido como robusta, o café chamado de conilon aqui no Brasil já foi uma espécie de “patinho feio” do mercado do global grão. Era a variedade mais barata, considerada de menor qualidade e negociada em grandes volumes, mas que oferecia rentabilidades menores.
Nos últimos meses, entretanto, mostrou-se um cisne, valorizado em decorrência de uma crise internacional de oferta e também pela sua maior utilização na produção de blends pela indústria, superando, nos pregões internacionais, os preços do arábica, variedade mais suave e tradicionalmente mais cara.
Em números, a atual (r)evolução é impressionante: no acumulado de 2024, o preço da saca de 60kg do café robusta teve valorização de 93%, saltando de R$ 760,25 para R$ 1.468,87 no fechamento do indicador Cepea do dia 20 de setembro. Dias antes, chegou a ser negociada a R$ 1,530,03, patamar inédito da série histórica.
Comparado há um ano, quando a saca era negociada a R$647,98, a alta acumulada é de 126%.
O movimento, iniciado no final de 2023, é resultado de uma escassez global devido ao clima adverso. Safras foram prejudicadas em diversos países produtores, como o Vietnã, Brasil e Indonésia - primeiro, segundo e terceiro maiores produtores deste tipo de grão, respectivamente.
Além disso, soma-se a esse contexto, problemas com o fluxo de mercadorias através do globo, o que encarece o frete e atrapalha os envios das mercadorias.
“Tudo tem seu lado positivo e negativo”, afirma Thiago Orletti, da terceira geração de uma família de cafeicultores do Espírito Santo. Diretor do Grupo Robusta Coffee – que possui unidades nos municípios capixabas de Linhares e Pinheiros, além de Teixeira de Freitas, na Bahia, importantes pólos nacionais da produção do café do tipo robusta – ele representa duas realidades diferentes nesse fenômeno que transformou o cafezinho brasileiro em um cafezão de nível mundial.
O Orletti produtor é, como convém a um agricultor experiente, mais cauteloso com a nova fase do robusra. Em conversa com o AgFeed, disse que são poucos os cafeicultores que estão conseguindo ter uma boa base de preço e, assim, recuperando as perdas sofridas com as quebras de produção.
“Eu acredito que, na sua grande maioria, a quebra foi mais significativa do que esse aumento de preço. Então, está todo mundo olhando, assim, para o que vai vir para o ano que vem”, afirmou Orletti.
O diretor do Grupo Robusta Coffee destaca ainda que alguns cafeicultores venderam antecipadamente os grãos que planejavam colher e, na hora de entregar, muitos não tinham a quantidade esperada, “gerando um distúrbio no mercado”.
O Orletti empresário, por sua vez, surfa na atual onda. O grupo, além de manter seus cafezais próprios, comanda uma trading, criada em 2016, que atingiu a marca de 1 milhão de sacas movimentadas anualmente - o que, pelas cotações atuais, representa um valor total de quase R$ 1,5 bilhão.
O negócio tem apresentado crescimento rápido. Atualmente, 70% desse volume é destinado ao mercado interno e 30%, ao externo.
Tradição familiar na cafeicultura
A percepção de Orletti se baseia em sua tradição familiar na cafeicultura, que tem raízes na década de 1960, quando o avô de Thiago morava no Sul do Espírito Santo e cultivava grãos do tipo arábica.
Anos depois, circunstâncias da vida levaram-no a se mudar para a região Norte do Estado. E, então, a mudança não foi apenas geográfica. “Na época da década de 1980 para 1990 nós passamos a produzir cafés do tipo conilon”, conta Orletti.
A opção se deu pelo fato de a variedade oferecer maior resistência ao clima da região em comparação com o arábica.
Com o conilon ganhando o cenário doméstico, em 2016, a família formalizou a sua atuação no mercado criando o Grupo Robusta Coffee, onde Thiago atua como diretor, juntamente com seus irmãos, Stenio e Jonas, e outros sócios.
No mesmo ano, eles decidiram estabelecer uma trading especializada na comercialização desses, uma ação foi motivada pelo desejo de estreitar laços com a indústria.
“O mercado de café, às vezes, fica no negócio mais de cooperativa. Nosso interesse era trazer mais as necessidades e oportunidades do mercado para o produtor”, afirma Orletti.
Percebendo que para manter uma empresa era fundamental contar com volumes significativos de vendas anuais e constância mensal no fornecimento, o grupo decidiu adquirir cafés de outros produtores.
A parceria, como resume Orletti, “tem uma proximidade maior com o produtor e a gente fomenta o desenvolvimento da cafeicultura nas regiões em que estamos instalados”.
Nos cafezais próprios, a aposta, para os próximos três anos, é dobrar a produtividade, que hoje gira em torno de 60 a 80 sacas por hectare.
Para atingir essa meta, investimentos estão em andamento. Desde a aquisição de novas áreas, novos sistemas de irrigação por gotejamento, novas máquinas de colheita de café. “Está tudo incluído nesse pacote”, pontua Orletti.
Ele observa ainda que a tecnificação no processamento é um passo primordial para a obtenção de grãos mais limpos e com qualidade consistente.
Orletti diz que as áreas de plantio mais antigas na propriedade do grupo ainda não estão completamente mecanizadas. As novas áreas, entretanto, já são planejadas com espaçamento adequado e variedades genéticas apropriadas para a colheita feita com máquinas.
“Nos últimos anos, colhemos cerca de um terço da produção de forma mecanizada e nosso plano é aumentar isso gradualmente até atingirmos 100% nos próximos cinco anos”, afirma o cafeicultor.
Sustentabilidade e parcerias
O conhecimento mais profundo das exigências do mercado, como trader, chegam às lavouras influenciando os investimentos. Por isso, um dos pilares dos aportes do grupo é a sustentabilidade.
O Robusta Coffee estimula os cafeicultores parceiros a obterem selos de qualidade como o 4C e o Rainforest Alliance, ambos visando a promoção das boas práticas sustentáveis na produção de café e a conservação da biodiversidade, muitas vezes exigidos por compradores nacionais e internacionais.
Em 2018, o grupo entrou no mercado de cafés de baixo glifosato da Europa, o que permitiu oferecer preços diferenciados aos produtores parceiros, “variando de acordo com a quantidade comercializada”.
Além das alianças com próprios produtores de café, o grupo tem reforçado conexões com a indústria. A empresa conta, por exemplo, com a colaboração da Nestlé para o reflorestamento de áreas nativas, parte de um critério da certificação 4C.
Somente na área do grupo foram plantadas 200 mil árvores no último ano. “A veia do produtor de conilon do Espírito Santo hoje é falar de reflorestamento”, diz Orletti.
Com as adequações da produção comercializada, ele afirma que não há temor com a implantação da lei anti desmatamento da União Europeia.
“Em relação ao desmatamento na cafeicultura, isso não existe há muito tempo. As áreas do Espírito Santo, as áreas da Bahia, onde está sendo plantado o conilon, não são de mata, eram de pasto ou cana”, explica.
Mais espaço para o conilon
Conforme o cafeicultor, todo o trabalho desenvolvido no conilon nos últimos anos gera frutos visíveis, com a indústria começando a inserir mais conilon em seus blends, especialmente no mercado de cafés solúveis. “Algumas indústrias saíram de 30% de conilon para 80% de conilon no seu blend”, destaca.
Com a aceitação maior do conilon, há reflexos também nas exportações. Conforme o analista de mercado do Rabobank, Guilherme Morya, nos últimos dois anos, o Brasil passou de exportador “marginal” de café robusta para um player significativo no mercado global.
Entre janeiro e agosto deste ano, o Brasil já exportou mais de 6 milhões de sacas de conilon. Volume superior aos 4,7 milhões de sacas enviadas ao exterior no acumulado de 2023.
Esse crescimento nas exportações também tem aproximado os preços nacionais do conilon com o mercado internacional (algo nunca visto antes), estabelecendo, assim, uma correlação mais forte com as cotações da bolsa de Londres — referência de valor para o robusta.
Um dos principais fatores desse movimento está relacionado à escassez global de oferta. Segundo Morya, estamos entrando no quarto ano consecutivo de déficit no mercado de café robusta, o que significa que o mundo está consumindo mais do que produz. “Esse desequilíbrio cria uma pressão constante sobre os preços”, ressalta o analista.
Olhando as perspectivas, Guilherme Morya aponta que o mercado de café robusta deve continuar enfrentando desafios de oferta, especialmente se as previsões de novas quebras de safra no Vietnã se confirmarem.
“Estamos caminhando para um cenário de continuidade nos preços elevados, pelo menos no curto e médio prazo”, estima o analista.
Além disso, as condições climáticas no Brasil também serão decisivas. Se houver uma regularização do clima para a safra 2024/2025, espera-se que o mercado de café sofra uma desaceleração, tirando um pouco da atual pressão climática.
Outro ponto a ser observado é a lei anti desmatamento da União Europeia, um dos principais consumidores globais de café. De acordo com o especialista do Rabobank, o bloco econômico está antecipando compras, “porque em tudo que for importado esse ano, não é preciso comprovar geolocalização”. Regra que mudará a partir do próximo ano.
“A gente está sentindo o movimento da Europa agora, que está antecipando essas importações. E aí, querendo evitar qualquer problema no que vem”, afirma Morya.
Segundo o analista, a depender da quantidade de compras antecipadas pelo bloco, o mercado do conilon pode começar a esfriar na virada de 2024 para 2025. Até lá, as perspectivas são de manutenção dos preços elevados e recordes sendo superados.
Futuros na B3
As boas notícias para o conilon não se restringem ao mercado físico. Em uma conjuntura nova, a negociação para a variedade ganhou espaço também no mercado futuros da B3, bolsa de valores brasileira, que anunciou o início da negociação de contratos com a commodity na segunda-feira, 23 de setembro.
O modelo permite que produtores, cooperativas, comercializadoras e indústrias se protejam contra a volatilidade dos preços do mercado ao fixar um valor para a negociação futura do grão. A prática já ocorre no café arábica.
Entretanto, diferentemente do grão tipo arábica, o contrato do café conilon terá cotação em reais e não em dólar, "já que o maior volume da produção é voltado para o mercado interno, ao contrário do café arábica, que é um produto voltado para a exportação”, segundi explica Marielle Brugnari, head de produtos de commodities da B3.
O contrato futuro de café permite a entrega física, com lotes armazenados em armazéns certificados pela B3. A negociação é feita com o produto em grãos crus, em contratos que correspondem a 100 sacas de 60 kg cada, com vencimento nos meses de janeiro, março, maio, julho, setembro e novembro.