O Brasil foi tomado recentemente por uma espessa nuvem de fuligem que cobriu o céu de diversas regiões. Incêndios devastadores avançaram sem controle, destruindo lavouras, florestas, rebanhos e até mesmo imóveis residenciais. Em um cenário de múltiplos prejuízos, a pergunta que se impõe é: quem pagará a conta?
De acordo com o INPE, o número de focos de incêndios é o maior desde 2010, superando a marca de 100 mil casos, que atingiram mais da metade dos estados. Para piorar, a situação deve persistir, segundo a meteorologia, e as cenas de destruição e pânico causados pelo fogo devem se repetir. Após a tragédia do Rio Grande do Sul alagado, agora é a hora de combater o fogo.
Seja por ingenuidade ou preferência política, acusadores mais apressados apontaram o dedo para o agronegócio, que estaria usando o fogo para o manejo de lavouras. A estrela do PIB brasileiro mais uma vez paga, injustamente, o preço do sucesso.
Desde 1998, as queimadas são um crime ambiental previsto na Lei 9.605. E para ficar num só exemplo, a colheita da cana-de-açúcar é majoritariamente mecanizada e dispensa o uso do fogo há pelo menos 20 anos.
Na verdade, a grande maioria das propriedades afetadas pelos incêndios das últimas semanas são do agronegócio e os produtores trabalham com a previsão da safra futura.
Houve quebra de safra, perda de animais, queimada de florestas. E seguros contra incêndio não são uma realidade, já que os valores das apólices com esta cobertura não são viáveis financeiramente para a grande maioria dos produtores.
Os prejuízos são de dois tipos: ambientais e cíveis. Os ambientais, podem ser exemplificados com a perda das reservas legais, a ausência de chuvas e a piora na qualidade do solo. Já os prejuízos cíveis estão ligados ao descumprimento de contratos, aumento das cotações e escassez de alimentos.
Quando a entrega da safra não é cumprida, essa situação atípica pode justificar uma revisão contratual? A resposta é: depende.
Para elucidar a questão é necessário recorrer à “teoria da imprevisão”, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil.
A premissa é de readequação do equilíbrio entre as partes e prevê a resolução contratual quando “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”. Contudo, a grande questão agora é que, nesse caso, não há vantagem para nenhuma das partes.
Em 2012, o STJ, ao julgar o REsp 945.166, decidiu que pragas, secas e variações de preço não justificam a resolução de contratos agrícolas. A decisão é embasada na necessidade de cláusula específica que permita ajustar os termos do acordo em razão de eventos extraordinários ou imprevisíveis que alteram radicalmente as bases do contrato.
No entanto, o país em chamas é um cenário que não estava previsto. Diante disso, é necessário analisar as múltiplas situações envolvidas.
Em um contrato de parceria rural de plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, cujo prejuízo estimado pelo setor supera os R$ 800 milhões apenas no estado de São Paulo, tanto o parceiro-proprietário, quanto o parceiro-produtor devem dividir os riscos — e as duas partes têm alguma perda. Afinal, a capacidade mútua de assumir riscos é fundamental para a viabilidade desse tipo de contrato.
Já num arrendamento para plantação de soja, a situação é diferente. O arrendatário deve pagar um valor de sacas por hectare conforme acordado, mas a entrega não será possível porque o plantio foi consumido pelo fogo. Nesse caso, o produtor poderá invocar a “teoria da imprevisão”, considerando um incêndio de proporções jamais vistas?
A situação revela uma nova controvérsia para a qual a legislação e o Judiciário ainda não têm respostas prontas. A partir de agora, processos judiciais e as negociações contratuais devem ser capazes de reconhecer a gravidade das circunstâncias em busca de soluções, caso a caso.
João Eduardo Diamantino é tributarista e sócio do Diamantino Advogados Associados