Carambeí (PR) - O agricultor Franke Dijkstra estava na sala de seu apartamento, no terceiro andar de um condomínio de prédios baixos na cidade de Carambeí, no Paraná. São oito quilômetros de distância até a Fazenda Frank'Anna, à qual dedicou sua vida e pela qual se tornou conhecido, como presidente da Cooperativa Batavo (hoje chamada Frísia) e como um dos pioneiros do plantio direto no Brasil.
Além de distante do solo, não teria muito tempo para conversar. “Quero visitar minha irmã, que está fazendo 94 anos hoje”, disse ele, doze anos mais jovem. “É a irmã mais velha, a que me carregava no colo antigamente”.
Ainda assim, ele reservou alguns minutos para, como fez incontáveis vezes em sua longa e produtiva carreira como agricultor, falar sobre o que aprendeu com a terra.
Parte dessa trajetória ele contou em “O Solo Ensinou”, livro de 2020. Ali, ele relembra os primórdios da técnica de cultivo da qual se tornou uma espécie de embaixador desde os anos 1980, mostrando os benefícios do plantio direto – hoje ainda mais valorizada como uma prática da chamada agricultura sustentável – a produtores do Brasil e do mundo.
Agora, conta em primeira mão, prepara “A Vida Ensinou”, uma segunda autobiografia com lançamento previsto para os próximos meses.
O segundo livro terá menos páginas do que o primeiro, mas isso não significa que a vida tenha ensinado menos do que o solo. Nas duas obras esses assuntos se misturam. “O solo me deu primeiro o alarme de que, se eu não mudasse, não iria para frente, né?”, questiona. “Isso é a vida também”.
E foi a vida, antes do próprio solo, que deu a Franke Dijkstra um senso de propósito, de retribuir pela própria existência. Ele se recorda de quando partiu da Holanda, com os pais e seis irmãos, em 1947, à caminho do Brasil.
“Eu me lembro do navio... Eu estava vindo para cá... Era uma criança de cinco anos. De repente, fui lá na... Onde colocam a âncora, né? Naquele buraco. E olhei para baixo, assim... Então eu senti uma mão me empurrando de volta. Um anjo me socorreu. Eu tenho certeza de que alguma coisa Ele fez”, diz. “Isso te dá outro lado... Te traz a ideia de que você tem uma mensagem a dar.”
Aos cinco anos, Dijkstra era tão menino que a família sequer lhe contou que aquela viagem de navio era a mudança definitiva para outro canto do mundo. Aos doze anos, acabou a infância. Seu pai morreu.
“Eu estava na escola quando recebi a notícia. Aí meu irmão falou ‘pode pegar o trator e vamos trabalhar’”, disse. Aos dezessete, ele conseguiu comprar 80 hectares na fazenda Frank’Anna, com o dinheiro que juntou ao preparar terras para outros fazendeiros.
“Primeiro plantei milho, engordei porco e tirei leite de seis vaquinhas. Comecei devagarinho”.
O solo ainda não havia ensinado a Dijkstra sobre o plantio direto. A vida também lhe devia algumas lições.
“Em 1967, eu comprei um tratorzinho Massey Ferguson, que me ajudou bastante. Eu trabalhava 16 horas por dia com ele, direto, prestando serviço para ganhar dinheiro”, recorda. “Mas eu não tinha maturidade. Comprava caro de luxo, fazia coisas, bobagens, achava que ia dar e não dava. A maturidade vem aos 22 anos”.
A maturidade, para Franke Dijkstra, foi deixar em segundo plano a pecuária – atividade que sua família empreendia na Holanda desde o século XIX – e se dedicar ao plantio.
“Eu estava tirando leite quando, de repente, surgiram soja e trigo na região. Plantei seis hectares e pensei: poxa vida, mas é coisa boa! Vou encarar a agricultura. Plantei 60 hectares e fui indo. Uma hora, vendi o gado para comprar mais terras”.
Dijkstra havia alcançado a maturidade ao romper com a tradição de seus pais. O passo seguinte seria romper com a tradição da agricultura europeia, dominante no Brasil, de arar o solo antes do plantio.
“Eu vi como era danoso trabalhar a terra com duas culturas por ano. Em uma só, os microrganismos se recuperam um pouco. Mas, com duas vezes, você vai matando tudo. Isso, para mim, foi uma coisa bem clara”, recorda. “Daí eu pensei: tenho que mudar o sistema”.
O agricultor, então, tentou o plantio direto, mais pela fé do que por enxergar resultados imediatos. Em busca de respostas, em 1979 ele e o amigo Manoel Henrique Pereira foram aos Estados Unidos falar com Shirley Philips, considerado o pai mundial da técnica, até então com 28 anos de experiência.
“De saída ele perguntou: há quantos anos vocês estão tentando? Três. Então mexe com a terra, que vocês vão achar minhoca. A minhoca é o símbolo de que vocês estão no caminho certo”, recorda. “Ele me visitou três vezes aqui. Agora já morreu. Se tornou quase... me considerava quase um filho.”
Dijkstra foi atrás das minhocas e logo os vizinhos vieram atrás dele. “Eles não estavam conseguindo preparar a terra, enquanto eu estava praticamente com a área toda plantada”, afirma. “’Como é que faz isso?’, eles perguntavam. O meu telefone não acabava”.
Depois dos vizinhos, veio o mundo. “Eu fui convidado a dar palestras em mais de 30 países. O ministro da agricultura da Rússia veio à minha fazenda, falei com o Al Gore quando ele era candidato a presidente dos Estados Unidos”, recorda.
“É um jogo de dados, né? De uma coisa vai outra, vai outra e assim vai indo. A gente se sente útil em poder contribuir com a boa causa, né?”
Com os livros “O Solo Ensinou” e “A Vida Ensinou”, Franke Dijkstra quer deixar ensinamentos que ele não chegou a receber de seus pais, no período pós-guerra.
“Eles me deixaram a vida. Não tinham como deixar muita coisa. Meu pai faleceu jovem, aos 53 anos”, recorda.
A nova autobiografia trará ensinamentos, mas Franke não a enxerga como uma trilha para ser seguida por suas futuras gerações. “Eu não quero nada, eles que têm que procurar o próprio caminho”, diz.
“Dois netos, por exemplo, são muito bons e trabalham muito bem juntos, desde pequenos. O Edward é mais técnico em mecanização e o Frank é mais dos herbicidas”.
As principais lições, Dijkstra ministra pelo exemplo. “A melhor coisa é ter ocupação. Escrevendo esses livros eu me sinto útil”, diz. Hoje, os filhos cuidam da administração dos negócios da família.
O senso de propósito é uma de suas grandes lições. Ainda tem outra, sobre aproveitar o que o solo e a vida lhe deram. “Daqui a uns dias eu vou viajar. Os dois filhos, nora, genro e a esposa, vamos todos para a Holanda. Temos condições financeiras de fazer e, na caixa de madeira, não vai nada”.