A multinacional americana Honeywell é descrita como “um grande conglomerado de tecnologia”, na fala de seu CEO na América Latina, José Fernandes.
Pode parecer genérico demais, mas a atuação da empresa, que tem mais de 100 anos, é realmente variada. Começa por soluções para o setor aerospacial, desde motores, sistemas de navegação e comunicação para aeronaves - não apenas na aviação comercial, mas também na defesa militar de vários países, até satélites.
São cinco divisões ao todo. Depois da aviação, tem uma área de automação de edifícios, com sistemas elétricos e eletrônicos, que permitem economizar energia, e outra de automação industrial, para melhorar a eficiência produtiva. Há também um pilar dedicado a softwares que atendem todas as demais áreas da Honeywell.
Mas o negócio que virou “queridinho” nos últimos tempos e que tem tudo a ver com o Brasil é a divisão chamada de “energia e produtos sustentáveis”. Dentro dela estão desde produtos usados para proteger medicamentos, passando por gases refrigerantes de alta performance que não agridem a cama de ozônio, os chamados HFOs, sigla em inglês para as Hidrofluorolefinas, e chegando até a área de destaque da Honeywell, que é a tecnologia no refino de petróleo.
“Hoje 70% da gasolina e do diesel produzidos no planeta são com tecnologias licenciadas pela Honeywell”, disse o CEO para a América Latina, José Fernandes, na entrevista exclusiva ao AgFeed.
No leque também estão as tecnologias que viabilizaram detergentes biodegradáveis, por exemplo, por isso fica até difícil falar da lista completa.
O fato é que, com essa base de conhecimento, a Honeywell acabou desenvolvendo “soluções e tecnologias que produzem combustíveis renováveis a partir de diferentes commodities que não sejam fósseis”, contou Fernandes.
A empresa atua no Brasil há mais de 60 anos, sendo que a Petrobras foi um de seus primeiros clientes, na época em que se buscava melhorar a octanagem dos produtos, tirar o enxofre, entre outras soluções tecnológicas.
O faturamento global da Honeywell alcançou US$ 37 bilhões em 2023, segundo o executivo. A empresa não revela qual fatia corresponde aos negócios na América Latina.
O bom desempenho da empresa está relacionado, principalmente, aos novos projetos que envolvem a produção de SAF, combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês, em diferentes regiões do mundo.
“Se a gente considera já as soluções que estão vendidas hoje, podemos dizer que mais ou menos uns 15% a 25% das nossas vendas já são de produtos renováveis na América Latina”, afirmou o CEO.
Ele diz que dois terços dos investimentos globais da Honeywell em pesquisa e desenvolvimento estão sendo direcionadas ao segmento de renováveis. A meta, portanto, é que futuramente a área também passe a responder por dois terços do faturamento na América Latina.
A companhia diz que atualmente prioriza “três grandes megatendências”, sendo uma delas o futuro da aviação, a segunda relacionada a transformação digital e a terceira com foco em produtos sustentáveis.
“A razão pela qual estamos focando muito na questão de sustentabilidade no Brasil é pela própria disponibilidade de matéria-prima que o País tem, é um dos grandes produtores de produtos agrícolas e de proteína animal”, disse Fernandes.
SAF é a principal aposta
Entre as soluções comercializadas pela Honeywell para produtores de biocombustíveis está principalmente a licença para utilizar determinada rota tecnológica.
A principal delas é a chamada HEFA, (Hydroprocessed Esters and Fat Acids), que transforma óleos vegetais como de soja ou palma, por meio de processos químicos, no combustível sustentável de aviação ou mesmo no diesel verde, o HVO.
Além da licença, as empresas podem adquirir toda a parte de engenharia ou mesmo a estrutura das indústrias, vendida, normalmente, em estruturas modulares. É possível comprar “uma fábrica inteira”, que depois chega de navio ao destino, mas os módulos são feitos nos sites da empresa nos Estados Unidos e na Ásia.
Quatro contratos de licenciamento já foram assinados na América Latina: com a Petrobras, com a Acelen, com a Be8, que vai construir uma planta no Paraguai, e a argentina Essential Energy, que planeja ter uma fábrica no Uruguai.
A rota HEFA foi a escolhida pela Acelen, que assinou a parceria em dezembro do ano passado. A empresa vai usar a tecnologia da Honeywell da marca “Ecofining” para produzir diesel renovável e SAF na biorrefinaria que será construída próxima à refinaria de Mataripe, em São Francisco do Conde, na Bahia. O projeto da Acelen prevê utilizar macaúba como matéria-prima. O início da produção está previsto para 2026.
Em dezembro de 2023 também foi assinado o contrato com a Petrobras. O comunicado da estatal na época dizia que “com a implantação da tecnologia HEFA, a Petrobras poderá produzir, na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em Cubatão (SP), diesel 100% renovável (HVO) e Bioquerosene de Aviação - BioQav (SAF) a partir de correntes renováveis, como óleo de soja e sebo bovino”.
A unidade de Cubatão terá capacidade de processar 2.700 m³/d de carga com proporção de 70% de óleo de soja e 30% de sebo bovino produzindo BioQav e Diesel Renovável, segundo a Petrobras.
“Já firmamos mais de 50 licenças em nível mundial, somos líderes em licenciar para esse tipo de tecnologia”, ressaltou José Fernandes, da Honeywell.
Ele prevê que a América Latina tenha agora “um ramp-up com relação a interesses de outras companhias por essa mesma tecnologia aqui no Brasil”, afirmou.
A segunda rota mais importante – e com grande potencial para crescer no Brasil, segundo Fernandes – é aquela que usa etanol para produzir o SAF, tanto de cana quanto de milho ou outros cereais.
Há outras duas opções tecnológicas. Uma delas é produzir o SAF usando o biogás, gerado a partir de resíduos de biomassa, e outra é a linha do que se chama de “e-fuels”, um tipo de combustível sintético feito a partir de hidrogênio e dióxido de carbono, sendo também uma alternativa aos combustíveis fósseis.
Fernandes disse que tanto Petrobras quanto Acelen estão na fase de engenharia. O volume vendido para cada uma delas é para produzir 20 mil barris de biocombustível por dia.
“Cada uma das empresas tem o seu timing, depende de como eles aceleram esses processos, mas eu acredito que alguma dessas fábricas começaria a operar em algum momento entre 2026 e 2027”, disse.
Dobrando de tamanho
O CEO da Honeywell disse ao AgFeed que, com os contratos recentes, e outros que devem ser assinados ainda este ano, espera dobrar a receita da empresa na América Latina e repetir a dose também em 2025.
“É um crescimento bastante forte, principalmente se considerarmos as licenças em engenharia”, disse.
Fernandes afirma que a “primeira onda” para produzir SAF no Brasil está sendo a rota que utiliza gorduras vegetais e animais (HEFA), pela disponibilidade da matéria-prima no País, mas acredita que o próximo passo é desenvolver também por aqui a rota do etanol, conhecida como ATJ (alcohol-to-jet).
Ele não revela com quais empresas devem ser assinados os próximos contratos, em função de acordos de confidencialidade.
“Se tem dois países que podem realmente fazer a diferença na questão da transição energética a nível mundial, são os Estados Unidos e o Brasil. Se pensar a partir para hidrogênio, que é uma outra matriz energética, existem outros países que também têm essa condição. Mas na questão dos combustíveis líquidos feitos com produtos renováveis, provavelmente o Brasil e os Estados Unidos vão dar o tom nessa transição, dada essa disponibilidade de matéria-prima”, afirmou o executivo, reforçando que seus clientes internacionais “estão olhando para o Brasil”.
Neste cenário, ele prevê crescimento acelerado para a Honeywell (quase dobrando de tamanho a cada ano aqui) pelo menos “nos próximos três anos”.
“O que eu sempre comento é que o Brasil tem condições de ser a OPEP dos renováveis. Tem todas as condições de que o Brasil seja um protagonista, de fato, nessa nova indústria que está se formando em nível mundial”, acrescentou.
A maior planta de SAF do mundo, que está sendo construída nos Estados Unidos pela Summit Ag, uma das controladoras da FS Bionergia, de Mato Grosso, também tem participação minoritária da Honeywell.
“Eles estão utilizando tanto o etanol de milho dos Estados Unidos,como o etanol de milho que eles produzem no Brasil”, revelou. Em entrevista recente ao AgFeed, a FS informou que vê potencial de passar a exportar o bicombustível quando a planta já estiver operando.
Fernandes admite que conversa com a FS sobre o potencial de mercado, mas diz não ter detalhes sobre o andamento do projeto dos EUA, que é gerenciado pelos executivos que estão naquele país e não por ele.
Perguntado se a Honeywell já está pronta para montar uma planta do modelo da Summit Ag no Brasil, ele respondeu que sim.
“Para qualquer empresa que tenha acesso a etanol, não precisa ser etanol de milho, pode ser etanol de cana-de-açúcar também. Se quiser fazer uma fábrica baseada nessa tecnologia aqui no Brasil, sim, nós estamos prontos”, garantiu.
As conversas para produzir SAF a partir do etanol estão ocorrendo com várias empresas, segundo ele. Na visão de Fernandes, é possível que o setor da cana possa ter mais agilidade para viabilizar essa produção, se comparado ao etanol de milho. “Por ser uma cultura estabelecida desde os anos 1970, por ter potencial de estabelecer uma safra de longo prazo e até pela vantagem logística, que ajuda”, admitiu.
Nesse cenário, o mercado de São Paulo poderia levar vantagem, considerando também a logística do mercado de combustíveis. O AgFeed mostrou recentemente um projeto da Copersucar para produzir SAF a partir de biogás.
A Honeywell diz que também trabalha com essa rota tecnológica, mas que, ao contrário dos concorrentes, oferece “todas as rotas existentes para produzir SAF”. Todas as alternativas estão sendo oferecidas aos clientes brasileiros, mas o maior potencial estaria no HEFA e no ATJ.
No dia 13 de agosto, em São Paulo, a Honeywell promove o fórum NetZero, em parceria com a Câmara Americana de Comércio (Amcham). Será a terceira edição do evento.
Fernandes disse que nos primeiros anos o foco foi mostrar as tecnologias disponíveis para a transição enérgica. Mas, dessa vez, quer avançar também na discussão sobre o financiamento destes projetos.
“São financiamentos, normalmente, de longo prazo. Então, é um debate muito saudável entre o setor público, privado e clientes, de maneira geral, e parceiros nossos, para ter uma conversa aberta e franca sobre onde estão as oportunidades de acelerar o processo de transição energética”, explicou.