Do pampa gaúcho ao Corn Belt norte-americano. A startup Digifarmz, especializada em tecnologia digital para recomendação preditiva personalizada de manejo agronômico para o controle de doenças para culturas de soja e trigo, mira conquistar o mercado estadunidense nos próximos anos.
Segundo revelou o CEO e co-fundador da empresa, Alex Chequim, ao AgFeed, a companhia tem uma meta de alcançar nos próximos anos 200 mil hectares atendidos pelos seus serviços na região do Corn Belt (cinturão do milho, em tradução livre) nos EUA, atendendo produtores de grãos dos estados de Indiana, Ohio, Iowa, Illinois e Michigan.
Fundada em 2015 no Rio Grande do Sul, a empresa já atua por aqui e no Paraguai e há quase dois anos está em processo de validação para também atender clientes nos EUA.
De acordo com o CEO, a ideia é que a partir de dezembro deste ano os serviços estejam disponíveis oficialmente no mercado. Outro novo mercado que está em processo de avaliação é o da Argentina.
Atualmente, a solução da Digifarmz atende mais de 1,1 mil produtores espalhados por esses países, que juntos, somam uma área de 1,5 milhão de acres, ou algo em torno de 607 mil hectares.
Chequim e Ricardo Balardin, o outro fundador e atual diretor de pesquisa da empresa, moram nos Estados Unidos desde o ano passado, a fim de acelerar esse processo para ganhar o mercado local.
O CEO explicou que essa estratégia de partir para os EUA antes de ganhar mais mercado no Brasil se deu por uma questão cultural do produtor nacional. Por mais que o Brasil seja um gigante no agro, quando o assunto são soluções de ticket mais alto o nível de adoção tecnológico é limitado, ele acredita.
“Os produtores dos EUA estão mais dispostos a pagar por tech e o mercado de tecnologia embarcada na agricultura de precisão é mais maduro por aqui. O Brasil busca essa maturidade, mas ainda não a atingiu”, opina o executivo, que conversou com o AgFeed diretamente do escritório da empresa em Peoria, no estado americano do Illinois..
O modelo de negócios é o de SaaS (Software as a Service), no qual os clientes pagam uma mensalidade pelo direito de uso da plataforma da Digifarmz. Esse cliente, que pode ser um produtor, distribuidor ou cooperativa, pode assinar três tipos de planos da Digifarmz.
Além da soja e do trigo, a empresa também pretende atender produtores de milho, canola e algodão nos próximos anos.
O software funciona como uma ferramenta de decisão e, de acordo com Chequim, pode ser utilizada tanto de forma individual como acoplada a uma plataforma de agricultura digital, como o Climate FieldView, da Bayer.
“O agricultor usa essa tecnologia para tomar a decisão no planejamento de safra, seja a variedade genética, tipo de semeadura e produto a usar. Durante a safra, vamos atualizando os cenários em tempo real. É quase como um um Waze, que monta uma rota e ajusta ao longo do tempo”, explica.
A ideia é que o produtor utilize todos os dados que ele gera no campo de forma integrada no software da Digifarmz. A plataforma faz uma correlação entre esses parâmetros da propriedade com dados públicos e de satélite e também com a base de dados de mais de 20 anos de pesquisa que a empresa possui.
Antes de fundar a startup com Alex Chequim, Ricardo Balardin era professor da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul.
Além de ter dado aula para Chequim durante os tempos de graduação, Balardin é uma referência no tema da proteção de plantas. A startup foi fundada com base nos estudos prévios dele, que têm sido complementados desde então nos testes a campo.
Desde sua fundação, a empresa passou por alguns processos de aceleração de negócios com o Google e com as aceleradoras Plug and Play e SAP. No passado, a empresa também fez parte do hub piracicabano AgTech Garage, hoje renomeado como Agtech Innovation.
Até agora, a empresa fez uma rodada de captação e levantou cerca de R$ 2 milhões para ampliar os acessos ao mercado paraguaio em 2021. Atualmente, está captando mais de US$ 1 milhão para ajudar a acelerar o go to market nos Estados Unidos com fundos locais.
Além de ser o primeiro ano completo de operações por lá, a empresa pretende, segundo o CEO, fazer uma rodada do tipo Série A mais robusta em 2025. Ele conta que alguns fundos dos EUA e do Brasil já estão interessados.
A ideia, com a operação já de pé nos EUA, é obter US$ 1 milhão de faturamento recorrente nos primeiros anos da operação americana. Hoje, o faturamento é de US$ 460 mil, algo em torno de R$ 2,5 milhões.
Chequim conta que, desde o início, a empresa optou por ser muito eficiente nos recursos captados e não promover rodadas de captação antes de o negócio ter possibilidades reais de escala.
“Se saíssemos levantando capital que nem loucos ficaríamos sem participação no negócio quando ele estivesse de fato pronto. Hoje, quase 90% do negócio está na mão dos fundadores”, afirma.
O futuro da Digifarmz
Atuar como um software que dá recomendações agronômicas ao produtor durante a safra é apenas o primeiro passo da agtech, segundo Chequim. O CEO vislumbra oportunidades em mercados que ainda estão se desenvolvendo.
Uma atuação possível é junto dos segmentos financeiro e de seguros, com a elaboração, por parte da startup, de uma espécie de score de cada produtor para mitigação de risco.
“O produtor ajusta os níveis de chuva e incidências de doenças e com isso fica elegível a descontos e cashback de seguradoras”, afirma.
Segundo o executivo, os Estados Unidos têm passado por um momento muito aquecido no arrendamento de terras. Ele explica que muitos produtores mais velhos, na faixa dos 70 anos, não possuem filhos que seguiram carreira no agro e acabam repassando a terra para uma geração mais jovem que está aproveitando o recente boom do agro tecnológico.
Com isso, surge a necessidade de ter uma “garantia” das práticas que serão adotadas pelo arrendatário. “Um score pode ajudar nesse ponto”.
Outra tendência vista com bons olhos pelo CEO é a do mercado de demandas especialistas. Se uma empresa que produz ração premium para cachorros e demanda uma soja mais proteica, por exemplo, precisa de uma garantia da origem da oleaginosa.
É aí que a Digifarmz entra, para ajudar o produtor a selecionar protocolos e ficar elegível para vender essa soja com maior valor agregado.
“Existem empresas dispostas a pagar uma porcentagem acima do preço da commodity, mas o produtor muitas vezes não conhece os caminhos. A startup vai fazer essa ponte”, diz.
Do pampa ao sonho americano
Antes de se reencontrar com Ricardo Balardin e montar a Digifarmz em 2015, Alex Chequim foi um empreendedor em série. O agrônomo, que é filho de outro agrônomo, afirma já ter criado mais de 10 negócios desde a adolescência, num viés mais voltado para o setor de tecnologia.
Dentre algumas empresas que deram certo e outras que não, ele atuou nos setores de marketing digital, comercial e eventos, onde também já teve como clientes empresas do agro. Outra iniciativa criada por ele foi um robô que auxilia investidores.
“Buscava algo com mais propósito e com impacto e por isso comecei a empreender em empresas de base tecnológica. Como o robô de investimentos não funcionou, busquei alternativas no agro”.
Por volta de 2015 ele se reencontrou com Balardin, que havia sido seu professor durante o tempo de faculdade na UFSM. Após algumas conversas, a ideia da Digifarmz nasceu, unindo a experiência empreendedora de Chequim com o histórico técnico e de pesquisa do professor.
Segundo ele, a tese inicial da empresa era de construir modelos preditivos e preventivos para manejos de alta produtividade da soja. Esse manejo teria foco em doenças, e incluiria inseticidas, controle de pragas, doenças, nutrição e plantas daninhas.
Mesmo fundada entre 2015 e 2016, a empresa só foi ao mercado oficialmente na safra 2019/2020. “Ficamos esse tempo só validando, rodando projetos piloto e ampliando a base de dados”, conta.
A empresa estreou no mercado do Rio Grande do Sul, onde os dois já tinham algum networking, e depois se expandiu para outros estados do País. Na safra 2021/2022, a Digifarmz também passou a operar no Paraguai.
Segundo Chequim, muitos produtores do Mato Grosso estavam buscando terras por lá, o que daria um respaldo profissional. Além disso, ele cita que a barreira regulatória no país é menor, o que ajuda a desenvolver pesquisas.
Desde essa época, eles já olhavam com bons olhos o mercado dos Estados Unidos. “Uma condição si ne qua non para a empresa virar robusta era ir para lá”.
Ricardo Balardin, que havia feito parte da sua pós-graduação nos EUA, voltou ao país em 2018, e Chequim continuou a tocar a operação em terras brasileiras até o ano passado, quando se juntou ao sócio para buscar o sonho americano da Digifarmz.