O agronegócio é conhecido por ser um negócio a céu aberto, com todos os riscos que esse tipo de estrutura traz. Mesmo já acostumado a lidar com altos e baixos, o setor apresentou em 2023 uma alta significativa no número de recuperações judiciais.
Em 2024, a tendência é que os credores, especialmente bancos e gestoras de fundos, se encontrem mais dispostos a renegociar dívidas e seus termos para evitar que uma empresa ou um produtor cheguem à Justiça com um pedido de recuperação.
Esse é o diagnóstico feito por Eduardo Scarpellini, sócio da EXM Partners, empresa que atua na resolução de conflitos empresariais, com reestruturação na gestão e renegociação de dívidas.
“O que estamos vendo é que há uma maior disposição dos credores para negociar, algo que era menos comum antes, quando as conversas eram mais duras e acabavam forçando as empresas a recorrer à recuperação judicial”, conta.
A EXM afirma ter em seu histórico mais de 400 projeto bem-sucedidos de recuperação de empresas de diversos setores. Fundada há 20 anos, em Ribeirão Preto, por Scarpellini e Angelo Guerra Netto, a empresa já conseguiu recuperar algumas usinas sucroalcooleiras, segmento economicamente muito relevante na região dos fundadores.
No caso das usinas, Scarpellini explica que a situação para quem opta por produzir mais açúcar está mais tranquila.
“Muitas travaram os preços no momento em que os preços estavam mais altos. Mas para quem é focado em etanol, o custo de produção é alto e os preços estão baixos, inclusive nas bombas, por conta da política de preços atual da Petrobras para a gasolina”.
Ele conta que aconselhou o dono de uma destilaria, que só produz etanol, a vender a cana ao invés de direcionar a matéria-prima à sua própria planta industrial. “Assim ele acaba ganhando indiretamente com o bom momento do açúcar e evita as margens ruins do etanol agora”.
Scarpellini afirma que tem sido muito procurado por produtores de soja e que, nestes casos, principalmente as gestoras de Fiagros têm sido mais flexíveis para negociar novos termos e prazos.
“Houve uma enxurrada de dinheiro injetado pela rápida popularização dos Fiagros em 2021 e 22 e, com a queda nas cotações, muitas empresas e produtores sofreram. Nós temos recomendado que os devedores evitem uma atitude drástica logo de início, e que procurem os fundos. Tem dado certo”, afirma o sócio da EXM.
Usinas recuperadas
A consultoria deu detalhes sobre alguns casos em que atuou na recuperação de usinas de açúcar e álcool. O caso mais recente é do Grupo Virgolino Oliveira (GVO), de Catanduva, no interior de São Paulo. Scarpellini conta que a proprietária demorou a se decidir pela recuperação judicial.
“Quando chegamos, já era uma situação de operações paralisadas. Havia um investidor muito relevante que era titular de títulos emitidos pela GVO. Conseguimos negociar leilões de ativos e de terras para pagar esse investidor”, conta o sócio da EXM.
Após o pedido de RJ, a dívida foi diminuída de R$ 1,3 bilhão para R$ 300 milhões e a empresa voltou a operar após a justiça definir a continuação do processo de RJ, paralisado por questões trabalhistas. “Esse ano, a usina vai moer cerca de 2 milhões de toneladas de cana, com a área arrendada pela GVO”, conta Scarpellini.
No Grupo Ruette, o fundador e patriarca da família, Antônio Celidônio Ruette, tocou os negócios até a casa dos 80 anos. Quando o governo Dilma Rousseff resolveu segurar os preços da gasolina, a companhia enfrentou uma crise financeira que a deixou com uma dívida de quase R$ 760 milhões.
“Os bancos eram mais duros nas negociações. A empresa entrou com o pedido de recuperação judicial antes de ter a operação comprometida. Mas nós não deixamos o juiz deferir, deixando de entregar alguns documentos. Queríamos colocar os bancos na mesa de negociações”, conta Scarpellini.
O juiz responsável pelo pedido de RJ sabia dessa estratégia. Quando os bancos sentaram para negociar, a EXM conseguiu uma suspensão de seis meses para a cobrança das dívidas e, neste período, negociou a venda do grupo.
“Surgiu o fundo Black River, da Cargill. O congelamento das dívidas foi estendido, o fundo comprou a usina por R$ 500 milhões, em 2015, e a família conseguiu manter suas áreas de cana, fornecendo para a usina”.
A Itajobi foi um caso parecido, com a segunda geração da família Salles sem interesse em assumir a usina fundada no começo da década de 1980.
No final da primeira década dos anos 2000, a empresa entrou em crise. A consultoria conseguiu uma carência de 18 meses após a renegociação das dívidas, a empresa voltou a operar plenamente. No começo da retomada, a Itajobi bateu recorde de produção, chegando a quase 2 milhões de toneladas de cana moída.
Uma seca levou a uma nova crise, com uma perda de safra de 25% no interior de São Paulo no final da década de 2010. Um fundo adquiriu as dívidas bancárias da Itajobi e exerceu uma opção de compra da usina no ano passado.