Quando a tempestade perfeita da safra 2023/2024 chegou aos holofotes da população, o mercado de crédito agrícola sofreu.

Os registros de aumento de pedidos de recuperações judiciais, somados às quebras de safra de alguns produtores por conta de problemas climáticos, pesaram não só nas contas e no bolso dos próprios produtores, mas também nos milhares de investidores do agro.

Um estudo recente da Bloxs Capital Partners, publicado no jornal Valor Econômico, mostrou que quase 90% Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) listados tiveram queda no valor de mercado no acumulado do ano. Na média, a retração, por fundo, foi de 8,4% de janeiro até agora.

Nesse momento desafiador, a ordem na gestora Valora, casa com mais de R$ 17 bilhões de ativos sob gestão e com um dos Fiagros mais negociados na B3, é “fazer o dever de casa”, segundo contou ao AgFeed o sócio da empresa responsável pela área de agro, Guilherme Grahl.

Dos R$ 17 bilhões, cerca de R$ 1,5 bilhão estão em fundos ligados ao agro, sendo quase R$ 900 milhões no patrimônio do VGIA11, o terceiro maior em cotistas dentre os Fiagros listados, com mais de 150 mil investidores.

“A precificação das cotas dos fundos refletem esse mau humor do investidor com o agro, mas já começamos um ciclo novo. Acho que o investidor entra de uma forma mais madura a partir de agora. Mas ainda devemos ver mais notícias ruins no mercado”, avalia.

O Fiagro da Valora está cotado atualmente numa faixa de R$ 7,80. Há um ano, cada cota valia R$ 9,50 – uma desvalorização de 18% no período.

O susto da Languiru

Não foi só o mau-humor do mercado que fez as cotações dos Fiagros desabarem. Alguns fundos viram empresas da própria carteira entrarem em RJ ou se tornarem inadimplentes.

Na Valora não foi diferente. Em fevereiro de 2023, a gestora tomou um susto quando a Languiru, cooperativa do Rio Grande do Sul que atua na produção de aves, suínos, gado, leite e derivados, pediu carência aos seus credores.

Quando a Valora encarteirou CRAs da cooperativa no VGIA11, a ideia era diversificar para além dos grãos, que é o core da gestora quando o assunto é agro.

Mesmo diante da tempestade perfeita que o setor de proteína animal vivia, com um preço alto de grãos e da carne em baixa, a gestora apostou na cooperativa ancorada no histórico de quase 80 anos de atividade e pela diversificação de atividade e produtos.

Em julho do ano passado, os associados da Languiru aprovaram a liquidação extrajudicial da cooperativa, que teve os conselhos administrativo e fiscal extintos, com a eleição de um chamado liquidante.

A dívida da cooperativa é calculada em R$ 1,1 bilhão, o que desencadeou uma busca de compradores para seus ativos. Dentre os interessados, estão grupos chineses e até a Seara.

A Valora segue acompanhando os passos da cooperativa com a apresentação do plano de liquidação, e Grahl afirmou que a garantia da gestora supera o valor da dívida da cooperativa com a mesma.

Joio e trigo

Para Grahl, a Valora e o mercado estão passando pelo primeiro grande teste do setor de Fiagros, que também refletem as condições do preço das commodities no mercado externo. “Tivemos uma oscilação grande da soja após pandemia, onde os estoques estavam altos. Depois, houve uma quebra grande de safra na Argentina”, afirma.

Essa dinâmica, que, segundo ele, faz parte do ciclo natural do agronegócio, servirá como aprendizado para o mercado de crédito, mas Grahl ressalta que é importante que não haja uma generalização. “Precisamos separar o joio do trigo”.

Guilherme Grahl é engenheiro civil de formação e, desde o começo dos anos 2000, atua no mercado de crédito. Depois de uma passagem no BankBoston, esteve por quase 10 anos no Citi. Foi nesse período, que se estendeu de 2004 até 2013, que ele se especializou no agro.

“Vi que, dentre todos os setores e em todas as crises que passei, o agro era o mais resiliente”, conta.

Em 2013 foi para a Cargill, uma das maiores tradings do mundo. Durante os cinco anos na empresa, Grahl foi gerente de crédito do Banco Cargill e, posteriormente, diretor estatutário de crédito, assumindo a gestão de riscos financeiros para toda a América Latina e gerindo um portfólio de mais de US$ 5 bilhões.

Na trading, que foi sua “grande escola no agro”, ele gerenciava operações de financiamento aos produtores.

Na carteira do VGIA11, o portfólio é composto majoritariamente por operações que envolvem o mercado de grãos como soja, milho e algodão, uma dinâmica que Guilherme Grahl conhece bem desde os tempos de Cargill. Dentro do fundo, estão encarteirados CRAs de cooperativas, distribuidoras e revendas.

Dentre os players do fundo, estão Belagrícola, Fiagril, Cotribá e Coruripe. O executivo explica que a casa escolheu esse tipo de ativo por se tratar de players com mais governança.

“Isso nos dá uma garantia de boas práticas de gestão, para além do próprio negócio, de commodity, como por exemplo fazer hedge. Não tivemos nenhum problema com grãos no portfólio”, conta.

Dentro desse momento de ajustes, Grahl já vê o copo mais cheio do que vazio, até pela dinâmica de início de uma nova safra no próximo mês. A projeção de ventos melhores para o mercado de crédito no agro também passa por uma melhora no próprio agro.

Além de uma expectativa que o preço da soja se mantenha estável ou suba, Grahl vê que os custos de produção recuaram muito da última safra para cá. “A nova safra será muito mais tranquila em comparação com a última”.

Dentro da Valora, a agenda de Grahl tem sido focada em buscar novas oportunidades para o fundo. Ele explica que quando o mercado de Fiagros surgiu, pela dificuldade de avaliar players menores, os fundos acabaram se concentrando em nomes conhecidos e mais “garantidos”. Agora a ideia é buscar oportunidades que estão menos no holofote.

“Estamos trazendo novos nomes para dentro do fundo. Quando o mercado voltar a captar, estaremos com a lição de casa feita”, diz. A ideia é pulverizar ainda mais o risco do VGIA11 e dar um refresh na carteira, ele explica, sempre dentro da tese dos grãos.

Além de grãos, a empresa também possui indústrias do setor sucroalcooleiro no portfólio. Dentro das agroindústrias, ele vê com bons olhos operações de usinas de etanol de milho e de produtores de algodão que também possuem algodoeiras.

Atualmente, o Fiagro da Valora tem um CRA de um produtor de algodão no portfólio - do Grupo Belmiro Catelan, família de produtores atuando na Bahia desde 1984. O grupo atua hoje na Bahia e no Piauí principalmente com soja e algodão, em mais de 78 mil hectares de terras próprias e arrendadas.

As apostas da Valora

Para além do VGIA11, que basicamente compra CRAs, a Valora também aposta em outros tipos de fundos dentro do agro. A empresa também gere o VHFA11, o Hedge Fund da casa que encarteira, além de CRAs, CRIs, cotas de fundos imobiliários, de outros Fiagros, FIDCs e até debêntures de empresas do setor.

Segundo Grahl, a ideia é atuar como gestor de operações de crédito que vão além da produção, como na cadeia logística e de fornecedores. Esse fundo já possui R$ 70 milhões em patrimônio distribuído em nove ativos.

Com essa estratégia, a Valora espera trazer uma variedade de remunerações diferentes aos investidores. Enquanto que no VGIA11 as operações são indexadas somente ao CDI, a ideia é, nesse outro fundo, indexar a outros indicadores como o IPCA, que mede inflação.

“Podemos correr riscos diferentes com esse fundo e, com esse mandato mais amplo, até fazer operações lastreadas em dólar”, avalia.

A ideia é levar esse fundo ao mercado assim que as condições melhorarem, explicou o sócio da Valora. Além dele, a gestora também tem estruturado fundos exclusivos.

Na prática, a Valora organiza junto com uma grande trading o contrato dela com algum produtor. Diferente de um CRA, que tem um prazo usual de alguns anos, esses fundos exclusivos começam e terminam dentro de uma safra.

“A Valora entra como organizador, operacionaliza e faz a análise de crédito. Dessa forma, as tradings conseguem dar dinheiro mais barato para o produtor nessas operações mais curtas”, conta.

Nesse modelo, os produtores já são grandes e mais qualificados do ponto de vista de governança. “Pelo tamanho da operação, não podemos errar nessa dinâmica”.