O Brasil é um dos cinco maiores produtores de alimento do mundo, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Mas, em 2023, 64,2 milhões de pessoas viviam em lares com insegurança alimentar.
Essa realidade é reflexo da maneira como a atividade econômica se organiza e enfrentá-la exige a implementação de medidas que promovam inclusão produtiva num modelo de transição sustentável que considere aspectos sociais associados à responsabilidade ambiental.
É o que mostra o estudo “Inclusão Produtiva e Transição para a Sustentabilidade: Oportunidades para o Brasil”, lançado na terça-feira, dia 30 de abril, em São Paulo, e que analisou quatro setores da economia, entre eles os sistemas alimentares e de uso do solo. Os outros são indústria, energia e cidades e infraestrutura.
Na pesquisa, o setor de sistemas alimentares e uso da terra compreende atividades como produção, processamento, distribuição e consumo de alimentos. Para esse segmento, há oportunidades de inclusão produtiva em projetos que incentivem o trabalho de pequenos e médios produtores, criação de cadeias curtas de comercialização e produção de alimentos nas cidades por meio da agricultura vertical.
O levantamento mostra ainda oportunidades nos campos da biotecnologia, genética e Big Data, além da demanda por uma maior qualificação da mão de obra no campo, o que gera também desafios por, de certa forma, ser um fator de exclusão de pequenos produtores, que têm menor acesso à recursos para investir em formação e tecnologia.
“O desafio do agronegócio brasileiro não é apenas mitigar emissões. É preciso mudar o estilo de desenvolvimento para que sejam geradas oportunidades de inclusão produtiva, com olhar que contemple também os pequenos produtores e populações mais vulneráveis, que vivem de atividades extrativistas, por exemplo”, afirma Vahíd Vahdar, diretor-adjunto do Instituto Veredas e coordenador do estudo.
Vahíd lembra que as companhias que atuam nas diversas etapas da cadeia do agronegócio têm um papel fundamental para mudar a realidade e promover inclusão produtiva, aliando sustentabilidade e desenvolvimento econômico.
De acordo com o estudo, a oferta global de sementes e defensivos agrícolas é dominada por quatro empresas, enquanto três concentram a oferta de tratores. Dez grandes companhias são responsáveis por 70% dos produtos comprados pelas famílias nos supermercados e 41% da comercialização está nas mãos de apenas quatro empresas.
“A forma como a atividade econômica se organiza precisa mudar e isso só será possível com ação conjunta entre setor privado, governo e terceiro setor”, diz o pesquisador.
Entre as recomendações do estudo está priorizar as mudanças em segmentos como a agroindústria e grandes redes de comercialização, cadeias de agroecologia, desenvolvimento de pecuária regenerativa de pequena escala, cadeias de socioeconomia e restauração florestal.
“O combate ao desmatamento está conectado ao combate à pobreza e formalização do trabalho”, diz o pesquisador, lembrando que muitas vezes mudanças climáticas e desigualdades sociais são discutidas separadamente quando deveriam estar associadas.
“As soluções ambientais precisam ser analisadas nos seus impactos sociais. Nem sempre uma solução verde é neutra socialmente”, afirmou Marcelo Furtado, head de sustentabilidade da Itaúsa e diretor do Instituto Itaúsa, um dos apoiadores do estudo, ao lado da Fundação Arymax, B3 Social e Instituto Golden Tree. O estudo foi desenvolvido pelo Instituto Veredas e teve apoio técnico do Instituto Cíclica.
Furtado lembra que o objetivo do estudo é conciliar a agenda ambiental com a social e propor soluções que permitam uma transição para uma economia mais sustentável que supere desigualdades sociais. “É preciso gerar oportunidades para as pessoas, pois qualquer caminho vai ter impacto. Mas precisamos achar alternativas, com impactos menores ou com maiores compensações”.
O estudo menciona que nos últimos 50 anos, em contexto de rápida urbanização, a produção global de alimentos e os padrões alimentares mudaram, com a Revolução Verde ganhando força com o objetivo de aumentar a oferta de alimentos por meio da maior produtividade agrícolas, uso de insumos químicos e maior oferta de alimentos ultraprocessados.
No Brasil, existem políticas que defendem o aumento da quantidade e outras, a qualidade do que é ofertado, tendo sempre a segurança alimentar como prioridade. O foco, no entanto, é sempre o agronegócio, enquanto os demais elos da cadeia – insumos e comercialização – não são envolvidos nos debates e nem chamados para a sua parcela de responsabilidade.
“O sistema todo precisa avançar, senão os gargalos vão impedir esse avanço”, diz Vahíd, lembrando que as soluções precisam ser conjuntas, com abordagem adaptativa para a proteção social, além da ambiental.
Outros setores da economia
O estudo identificou 19 áreas prioritárias nas quais lista ações que podem aliar a inclusão produtiva na transição para a sustentabilidade nos quatro setores analisados (energia, indústria, cidades e infraestrutura, além dos sistemas alimentares).
Os arranjos produtivos locais fomentados por grandes corporações e que ajudem na inserção de pequenas e médias empresas, além do desenvolvimento de indicadores e certificações estão entre algumas das recomendações.
Na indústria, o estudo identificou três iniciativas, entre elas a descarbonização, biomanufatura e as certificações socioambientais, como potenciais positivos de inclusão, especialmente em segmentos como economia circular, gestão ambiental, responsabilidade social, auditoria e consultoria ambiental. Os investimentos em pesquisa também são essenciais.
No setor de energia, a pesquisa cita as hidrelétricas e as novas fontes renováveis de energia – bioenergia, eólica e solar – como potenciais para geração de novos postos de trabalho, com risco de serem oportunidades de baixa qualificação e curta duração, para as quais serão necessários investimentos em qualificação para geração de maiores oportunidades.
Em Cidades e Infraestrutura, as cidades sustentáveis e inteligentes e a justiça ambiental são mencionadas como os grandes potenciais de impacto para a uma transição sustentável, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. Os riscos estão no aumento da especulação imobiliária – e consequente aumento da vulnerabilidade da população.
“O Brasil tem potencial para assumir uma liderança nesses temas se tivermos uma integração entre ambiental e social, pois algumas soluções já estão dadas e o que precisamos decidir é em qual modelo econômico queremos seguir”, concluiu o pesquisador.