A experiência na área bancária não é o único diferencial na carreira do advogado Fernando Lemos, que em agosto do ano passado assumiu pela terceira vez o cargo de presidente do Banrisul, Banco do Estado do Rio Grande do Sul, um dos poucos do País que resistiu à onda de privatizações no setor.
Nascido em Vacaria, na Serra Gaúcha, Lemos também se considera um “produtor rural”, já que a família mantém atividades na produção de soja, milho e pecuária, na região.
Na entrevista exclusiva ao AgFeed, avaliou em detalhes o atual momento do agronegócio gaúcho, que vive um ano excelente com a colheita de uma safra recorde de soja, por exemplo, favorecida pelo clima que em anos de El Niño costuma beneficiar o Rio Grande do Sul.
“Possivelmente será a maior safra da história do estado”, afirmou o CEO do Banrisul. “Isso favorece o banco porque não teremos problema de inadimplência, nem a necessidade de rolagem das dívidas de custeio”.
No último balanço divulgado ao mercado, o Banrisul indicou uma taxa de inadimplência acima de 90 dias, em 2023, de 1,9%, sinalizando um aumento em relação aos 1,52% registrados no ano anterior.
Lemos garantiu, no entanto, que na carteira ligado ao agro a taxa não passa de 0,5%, vem se mantendo nesse patamar nos últimos anos, mesmo nas safras em que o estado foi afetado pela estiagem.
“Esse ano estamos tranquilos”, reforçou o executivo.
Na principal feira de tecnologia agrícola do estado, a Expodireto Cotrijal, realizada em março, o banco diz ter feito bons negócios. “E naquele momento não tinha começado a colheita, ainda não se tinha visto esta alta produtividade”, disse Lemos.
No evento o Banrisul mostrou um de seus objetivos estratégicos no agronegócio. Avançar em linhas voltadas a práticas mais sustentáveis.
“Teve bastante procura por linhas relacionadas à preservação de solo. Temos insistido muito no manejo adequado do solo, que é tão ou mais importante do que a irrigação em si, houve uma demanda grande”, explicou.
Durante a Expodireto, foram financiados R$ 100 milhões em irrigação e R$ 250 milhões foram destinados para projetos de correção do solo.
A carteira agro do Banrisul está hoje próxima de R$ 12 bilhões, segundo Lemos, enquanto o total do banco é de R$ 50 milhões.
“É uma carteira muito boa porque é focada em pequeno e médio produtor e vem crescendo em média 20% ao ano, mais do que outros segmentos”, revelou.
Ainda assim, é a segundo setor mais importante, perde apenas para o crédito pessoal, segundo ele.
Um fator de risco para o banco pode ser as mudanças propostas pelo governo no chamado Proagro, seguro rural destinado a pequenos produtores, bastante operado pelo Banrisul.
Em entrevista recente ao AgFeed o ministro do Desenvolvimento Agrário Paulo Teixeira disse que o governo está tentado “cercar certos aspectos de anormalidade” na concessão do benefício. O Conselho Monetário Nacional já aprovou a redução de recursos para o programa.
“Nós esperamos que a mudança no Proagro seja para melhor, acho que o Brasil deveria se preocupar muito com o seguro agrícola, todos deveríamos trabalhar pesadamente na construção de um grande seguro agrícola nacional, não falo pelo banco, mas pela importância que a agricultura tem para a economia brasileira”, destacou.
A expectativa do presidente do Banrisul é pelo menos repetir a concessão de crédito agrícola na próxima safra, “ou até ampliar um pouco em relação à carteira atual”. Ele diz que o avanço nos volumes não cresce tanto porque tem uma limitação de funding e afirma que “o agro é muito regulamentado”.
No caso do banco estatal, a maior parte das operações são feitas pelas linhas do Plano Safra, com taxas de juros subsidiadas, mas também há crédito oferecido com recursos do próprio Banrisul.
No tema regulamentação, o Banrisul foi afetado por outra mudança recente: as restrições para emissão de LCAs, Letras de Crédito do Agronegócio.
Lemos disse ao AgFeed que chegou a emitir mais de R$ 1 bilhão em LCAs, no ano passado, mas que a restrição do lastro para estes títulos reduziu muito a possibilidade de seguir usando essa ferramenta.
“Mas seguiremos emprestando os mesmos volumes por outras ferramentas. Todo produtor rural que está no Banrisul hoje será financiado na próxima safra, não vamos permitir que ele fique inseguro, claro que desde que não haja impedimento de inadimplência”, afirmou.
De acordo com o Banrisul, a contratação de crédito nas linhas de pré-custeio está mais lenta em 2024. Lemos disse que está 30% abaixo na comparação com o mesmo período do ano passado, mas considera um movimento natural do produtor rural de seguir adiando as compras de insumos, aguardando por preços mais baixos ou melhor relação de troca.
“Muitos estão esperando o pré-custeio acreditando que o juro pode baixar. Acredito que a grande tomada de credito rural será de agosto para frente, no custeio. Quem pode está esperando, afinal não há previsão de que os insumos subam (de preço)”, ponderou.
Digitalização e novos produtos a caminho
O CEO do Banrisul contou que no mês de maio o banco vai trazer novos produtos ao mercado, o principal deles será com foco no capital de giro de pequenas e médias empresas. “Vamos lançar um grande programa para atingir a economia empresarial”.
O executivo disse que, por meio da Vero, rede de adquirência multibandeira do Banrisul, por exemplo, pretende facilitar o financiamento de recebíveis por cartão e trabalhar com “pix parcelado e pré datado”.
Outra novidade a ser lançada em breve é a conta internacional, que vai permitir aos clientes fazer operações em moeda estrangeira, a qualquer horário, sete dias por semana, disse ele.
“Acreditamos muito em tecnologia. Houve efetivamente uma grande disruptura do setor bancário brasileiro. A agencia do cliente hoje é o celular”, afirmou.
Apesar de fortes investimentos em digitalização, Lemos deixou claro que é o plano é “ser um banco híbrido”. Disse que na área de captação a presença física seguirá importante, mas que os serviços tendem a migrar totalmente para o aplicativo. Hoje 80% dos serviços já são feitos via digital, segundo ele.
Perguntado sobre qual seria a estratégia para competir os bancos digitais, Lemos disse que é o segredo “é muita tecnologia e planejamento”.
Ele admite que há processos mais lentos pelo fato de ser um banco estatal como contratação de pessoas por concurso ou compra de equipamentos por licitação.
Por outro lado, diz que os negócios do Banrisul são privados e que a parte positiva é a solidez da instituição, que está próxima de completar 100 anos.
“A grande disputa do cliente no futuro será nos APPs, inclusive nos bancos híbridos, ali se faz as grandes ofertas. Quem souber usar inteligência de dados de forma adequada, vai sair na frente”, ressaltou.
A área de TI, neste momento, está dedicada a projetos de Inteligência Artificial, segundo ele. A expectativa é de que os 4 milhões de clientes passem a receber propostas individualizadas para suas necessidades, em função da tecnologia.
Ele não acredita que a competitividade seja baseada em taxas mais baixas. “Hoje o crédito é meio comodity, as taxas são muito parecidas”.
“Exposição ao agro”
Recentemente, uma análise feita pelo Bradesco BBI apontou três instituições que estariam “mais expostas ao agro”: Banco do Brasil, ABC Brasil e Banrisul.
Lemos disse que é compreensível essa visão já que a carteira agro do Banrisul é expressiva frente ao total do banco. Porém, mais uma vez, demonstrou tranquilidade, afinal o foco da instituição são os clientes do Rio Grande do Sul, os únicos a comemorar uma “super safra” em 2024.
“Se tivesse aumento na inadimplência realmente teríamos problema, o que não vem ocorrendo. E dessa vez choveu na nossa horta, como dizem os gaúchos, por isso estamos tranquilos”, ressaltou.
Ele acredita que nem mesmo o Banco do Brasil terá grandes problemas porque faz negócios no Brasil inteiro e quebra de safra mais grave foi concentrada em Mato Grosso.
“Houve angustia dos produtores porque lá nunca teve crise de produção, só tinha de problema de preço, este ano pela primeira vez desde a abertura da fronteira agrícola de bombacha, tem as duas coisas”, disse.
A recente renegociação de dívidas anunciada pelo Ministério da Agricultura incluiu determinadas atividades agropecuárias do Rio Grande do Sul. Por isso, o Banrisul admite que é possível que, alguns produtores, optem por postergar o pagamento das linhas de financiamento. Mas Lemos garante que não há impacto para o banco, já que o importante é o produtor seguir adimplente e estar apto para seguir investindo na safra seguinte.
“Pode ser que entre 10% e 15% deles acabem optando, favorece a liquidez, mas depende de cada um”.