O porte dos sócios, grandes grupos de diversos ramos do agronegócio nacional, fez com que o segredo ficasse guardado por mais tempo, até que as autoridades concorrenciais dessem sinal verde para a empreitada.
O dia chegou nesta quarta-feira, 24 de abril, com a revelação do nome e das pretensões da mais nova empresa a disputar o mercado nacional de fertilizantes. Chama-se Tello, vai atuar no segmento dos organominerais e pretende, em pouco mais de dois anos, ter receitas na casa dos R$ 500 milhões anuais.
Não é de se duvidar, considerando-se o quadro acionário formado por Amaggi, Coopercitrus, Tecnobeef, Souza e Lucas Participações e Viola Participações, todos com tradição no agronegócio. Eles já haviam anunciado, em janeiro passado, a formação da companhia, mas ainda sem revelar os detalhes, que dependiam da autorização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que acaba de sair.
Assim, a fabricação dos fertilizantes da empresa já havia começado, terceirzada com um parceiro. A primeira unidade própria de produção, com capacidade para 200 mil toneladas anuais, está em processo de construção no município de Altair (SP). A planta, que recebeu investimentos de cerca de R$ 120 milhões, entrará em funcionamento em 2025.
Segundo explicou ao AgFeed o veterano executivo Carlos Pellicer, ex-presidente da UPL e sócio da Viola Participações, a ideia é atuar com “fertilizantes biointeligentes”, produzidos a partir de resíduos orgânicos animais e florestais de parceiros.
A fonte principal, segundo o sócio, será o Grupo Campanelli, dono de um dos maiores confinamentos de bois do Brasil, também sediado em Altair. A capacidade estática da empresa é de 100 mil animais. O grupo controla a Tecnobeef, outro dos sócios da Tello.
“Toda matéria-prima orgânica tem origem de resíduos de parceiros. Além do Grupo Campanelli, o grupo Amaggi também vai fornecer esses produtos”, explicou Pellicer.
Já o NPK virá de parcerias que ainda estão em desenvolvimento e discussão. “O foco da Tello é a sustentabilidade. Vamos sempre buscar fontes que tenham menor impacto ambiental”, acrescentou.
A ideia é utilizar os compostos orgânicos para encapsular os minerais, e com isso, reduzir a quantidade de NPK utilizada no manejo.
O Brasil, mesmo sendo um dos maiores produtores agrícolas do mundo, é extremamente dependente de importar o NPK utilizado por aqui. Nos cálculos de Carlos Pellicer, o País importou cerca de US$ 15 bilhões desses produtos no ano passado.
“Essa dependência traz riscos e vulnerabilidade, além de uma grande despesa na nossa balança comercial. Quando olhamos esse cenário, vimos uma grande oportunidade de atuação”, afirmou.
No fósforo e no nitrogênio, o Brasil é o segundo país que mais importa no mundo, com cerca de 21% e 12% do total, respectivamente. No potássio, o País é líder com 23% das importações mundiais.
Pellicer explicou que os produtos da Tello, por misturarem uma parte orgânica com esses minerais, podem otimizar o uso do NPK.
“Nossos produtos ajudam a manter os elementos no solo e o enriquecer com matéria orgânica, ao contrário de um químico puro, onde você diminui a vida no solo e os microorganismos não sobrevivem. Por estar envolvido na matéria orgânica, o solo retém os minerais por mais tempo”, afirmou.
Em nota, Victor Campanelli, da Tecnobeef, afirmou que o projeto contribui tanto para a redução da importação de insumos para fabricar fertilizantes, retendo renda no País, quanto para diminuir a dependência do uso de químicos.
Os sócios do negócio são estratégicos para o bom desempenho da Tello. De um lado, por exemplo, a Coopercitrus, localizada em Bebedouro, uma cidade próxima de Altair, pode ser uma grande distribuidora dos fertilizantes.
A cooperativa possui 40 mil associados, sendo a maior do País em número de cooperados, e teve uma receita de R$ 9,4 bilhões em 2022. Fernando Degobi, CEO da Coopercitrus, pontuou, também em nota, que a nova empresa trará benefícios para os cooperados, principalmente a regeneração do solo e a redução do uso de químicos. “A soma do know-how das cinco empresas representa um novo jeito de pensar e fazer agricultura”.
Além dela, a Amaggi é um dos maiores compradores de fertilizantes do País, além de ser também fabricante. Como consumidora, utiliza os produtos em mais de 380 mil hectares cultivados com grãos e algodão na safra 2022/2023.
“A Tello representa uma oportunidade excelente de contribuir para a economia circular, na qual todos os elos se complementam e todos os insumos são aproveitados, sendo extremamente amigáveis com o meio ambiente”, afirmou, em nota, Otávio Lucas, da Souza e Lucas Participações.
Pellicer afirmou que os sócios da Tello vão absorver parte da produção inicial. Além disso, revelou que, além da fábrica de Altair, que pode dobrar a capacidade até 2028, a empresa já está em estudos para implantar uma segunda fábrica no Mato Grosso.
A ideia é ter várias unidades espalhadas pelo País para otimizar a disponibilidade de resíduos e também a logística de vendas.
Num primeiro momento, a Tello produzirá fertilizantes para as principais culturas do País, como soja, milho, algodão, cana, citros e café. Para os próximos anos, a ideia é aumentar a gama de cultivares.
Cada um dos cinco sócios do empreendimento possui 20% de participação na Tello. No futuro, a ideia é ter um CEO independente, que reporte diretamente para os sócios, com poder de voto igual nas decisões.
Cada ano, o cargo de presidente desse conselho societário será ocupado por um representante de cada uma das empresas. O primeiro deles é justamente Carlos Pellicer.
“Eu sou um empreendedor”, afirmou ao AgFeed. No começo dos anos 2000, criou uma empresa em sociedade com a alemã DVA, na qual se tornou sócio em 2008. Em 2011, vendeu essa companhia para a UPL.
Na multinacional indiana, atuou como CEO da operação brasileira antes de assumir uma posição de COO global do negócio. Saiu de lá em 2022, quando resolveu se aposentar. Atualmente, ele é membro do board global da UPL.
O executivo também atua como sócio, investidor e membro do conselho de outras empresas do ramo agro e financeiro, além de liderar a Tunringpoint Alliance, plataforma que reúne investidores em torno de projetos para redução de emissões no agronegócio.
Carlos Pellicer também é produtor rural, representando a quarta geração da família a cuidar de uma fazenda no Sul de Minas Gerais, onde planta café.
Foi justamente na sua propriedade que começou a se aventurar no mundo dos organominerais. Atualmente, divide sua moradia entre o Brasil e Londres, na Inglaterra, onde sua família vive. “Abrimos um negócio de café e exportamos o nosso próprio café para lá e hoje temos 77 clientes locais consumindo nossos produtos”.