A inflação dos alimentos segue em alta e pesando no bolso do consumidor, mas isso não significa que os produtores rurais estão lucrando mais com a comercialização de frutas, proteínas e hortaliças.
Ao mesmo tempo em que alimentos e bebidas pressionam o índice oficial da inflação, o IPCA, o preço ao produtor calculado pelo Cepea vem acumulando quedas consecutivas para diversos segmentos do agronegócio.
“Estamos em meio a um jogo de perde-perde”, disse ao AgFeed Aniela Fagundes Carrara, doutora em Economia Aplicada pela USP/ESALQ, que analisou em artigo recente os impactos da oscilação climática nos preços dos alimentos e na segurança alimentar.
“Há muitos pontos de atenção em relação às perspectivas de preços e o clima está entre eles”.
De acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), em fevereiro deste ano, o IPPA (Índice de Preços ao Produtor de Grupos de Produtos Agropecuários) recuou quase 16% em comparação com o mesmo período do ano passado.
A tendência é semelhante à verificada nos preços internacionais das commodities agrícolas, que recuaram 10,4% no mesmo período.
Mas esse recuo não está sendo repassado para o consumidor. Em janeiro e fevereiro, a inflação dos alimentos medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA,) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingiu 2,35%, o dobro do índice geral (1,26%). Itens como feijão, batata, cenoura, leite e banana estão entre os que ficaram mais caros.
André Almeida, do IBGE, explicou, ao falar dos resultados do IPCA de fevereiro, que a temperatura mais quente dos meses de verão, historicamente, afeta a produção de alimentos, em especial os mais sensíveis às variações do clima. Isso, consequentemente, impacta os preços, que deram sinais de arrefecimento na prévia de março, medida pelo IPCA-15 – apesar de seguirem em alta.
“Fenômenos como El Niño e La Niña estão cada vez mais frequentes”, segundo Aniela. “Essas oscilações do clima, além de prejudicar o planejamento das colheitas, aumenta a incidência de pragas e, consequentemente, os custos com a utilização de defensivos agrícolas. Há ainda um maior investimento em tecnologias que auxiliem no manejo da produção”, explica.
Após um ano de seca no Norte e Centro-Oeste e do excesso de chuvas no Sul como reflexo do El Niño, os agricultores brasileiros já podem esperar a chegada do La Niña a partir de junho, segundo previsão da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, na sigla em inglês). Ou seja, o Brasil terá, no máximo, dois meses de neutralidade no clima.
“A La Niña pode atrasar o retorno das chuvas, além do risco de redução dos volumes a partir do mês de setembro em importantes áreas de produção agrícola. A redução das chuvas, se confirmada, pode afetar as lavouras de Verão na região Sul do Brasil”, alertou o Itaú BBA, no seu relatório Agro de março.
Mas não é só o clima – e seus efeitos nos custos e na produtividade – que impactam a formação de preços dos alimentos.
Os custos com logística e transporte, além da falta de infraestrutura para armazenagem de produtos, com efeito direto na estabilidade dos estoques, tem forte influência na estabilização entre oferta e demanda no país.
“O fato é que os desafios têm se acumulado para os produtores”, explica Aniela. Ela lembra que há fatores externos e fora do controle do agricultor, como a interrupção na oferta de insumos ocasionados pela guerra entre Rússia e Ucrânia, a seca em hidrovias que afetaram o escoamento da produção e problemas na cadeia logística, que criam gargalos – e custos adicionais - para a comercialização de produtos.
O segmento de Transportes, depois de Alimentos e Bebidas, foi o que mais pressionou a inflação medida pelo IPCA-15, do IBGE, na primeira quinzena de março. Nessa conta está o custo com frete, 10% mais alto nesse começo de ano.
O percentual ainda coloca pressão nos custos do produtor, apesar de ser menor que os 15% estimados pela Esalq Log no final do ano passado. A quebra de safra está entre os fatores da alta menor no valor do frete.
Aniela lembra que os custos com logística e transporte têm um impacto que se reflete diretamente no preço ao consumidor, que acaba sendo quem paga pelo custo dessa ‘intermediação’. “Os grandes produtores, que exportam, conseguem se proteger mais dessa variação de preços se souberem utilizar bem o câmbio.”
“Por outro lado, quem depende exclusivamente do mercado doméstico acaba tendo margens menores de negociação e, consequentemente, de lucratividade”, diz Aniela, lembrando que em alguns segmentos há registro de queda de consumo, o que está diretamente ligado ao poder de compra e nível de renda de boa parte da população.