Por qualquer ângulo que se olhe, os sinais de negativo estão presentes no balanço do grupo AgroGalaxy com os resultados do ano de 2023, divulgado na noite desta terça-feira, 26 de março. Menos 19% na receita líquida (que fechou em R$ 9,4 bilhões); menos 36% no lucro ajustado (R$ 1,0 bilhão); menos 2,4 pontos percentuais na margem Ebitda (3,6%), só para citar alguns dos principais indicadores.
Assim, seja no documento que acompanha os números, seja na entrevista coletiva em que os revelou aos jornalistas, o empenho da empresa ao comentá-los acabou centrado em mostrar que o AgroGalaxy que sai do ano encerrado é bem diferente da que o iniciou.
Ao longo de quase uma hora de conversa, o CEO, Axel Labourt, e o CFO, Eron Martins, revisitaram a estratégia de ajustes feitas durante o ano passado para reforçar o discurso que vêm adotando nos últimos meses, de que a lição de casa foi feita e que, mais enxuta, a companhia está preparada para uma retomada em 2024. Mas também para um cenário em que ela não ocorra.
Os números pinçados pelos executivos foram desenhando um quadro mais otimista. Martins, por exemplo, destacou a margem bruta obtida com insumos no quarto trimestre (21,1%) para mostrar que a estratégia de colocar mais foco na venda de produtos de especialidade e biológicos, adotada no segundo semestre de 2023, começa a fazer efeito.
“O que a gente pensou fazer, executou. E está colhendo resultados”, afirmou. “Temos insistido que vamos focar muito em focar na margem e tivemos o melhor quarto trimestre da história. Iniciamos 2023 com a pior e saímos com uma margem histórica”.
Outro número comemorado foi o que revela a redução de custos, um dos pilares principais da gestão da companhia. De acordo com Martins, com uma “cultura do centavo”, a empresa obteve uma economia de R$ 71 milhões no trimestre, somando-se a R$ 50 milhões do período anterior.
“Isso ainda abrindo loja. Era para ter explodido o custo, mas reduziu”, disse.
Um terceiro indicador apontado foi o que indica o custo dos estoques, calcanhar de Aquiles do setor no ano passado. O AgroGalaxy entrou o ano de 2023 com um inventário avaliado em R$ 1,6 bilhão.
Em vários movimentos feitos, foi reduzindo os volumes até chegar, segundo a empresa, ao nível de R$ 70 milhões. O CFO resumiu a trajetória em duas frases repletas de cifras: “Devolvemos R$ 400 milhões, vendemos R$ 900 milhões e sobraram, ao fim do ano, R$ 300 milhões. Hoje São R$ 70 milhões, o que é praticamente incipiente dentro do nosso negócio”.
Com isso, a empresa conseguiu aliviar a pressão do custo financeiro do capital de giro, que “reduziu em 40 dias em relação ao ano anterior”, segundo Martins.
Assim, a empresa sente agora impactos de medidas adotadas tempos atrás e também os gerados pela continuidade da ação nos primeiros meses de 2024.
“Continuamos fazendo intervenções em linha com os pilares do nosso plano”, afirmou Labourt. “Parte dos ajustes ainda não estão refletidos nos resultados de 2023. Em 2024, a expectativa é que maioria apareça, já estamos colhendo mês a mês os frutos desses esforços”.
Entre as ações que ficaram para os primeiros meses do novo ano estão dois movimentos com grande repercussão e que foram comentados pelos executivos. Um deles é o encerramento de uma parceria de negócios para a distribuição de produtos da Bayer, anunciada há duas semanas.
Segundo Labourt, o caso da Bayer “não é uma exceção” e que outras parcerias também foram finalizadas, embora não comunicadas. “Nesse período de transição, a gente reavalia parcerias e revisita a relevância e o comportamento dos parceiros, não só nos momentos favoráveis, mas nos desafiadores”.
Teste do waiver
As conversas duras com fornecedores foram uma das marcas do período de ajustes, assim como as negociações com credores, que também se prolongaram para além do fechamento de 2023.
O balanço publicado agora não traz os números na linha reservada à relação entre dívida líquida ajustada e Ebitda no quarto trimestre, uma concessão garantida após negociação de um “waiver”, aprovado há uma semana, junto a instituições financeiras e investidores de dois CRAs emitidos pela empresa.
“Passamos por um grande desafio”, afirmou Martins. “Conseguimos aprovar dentro do prazo hábil, mostrando o trabalho que foi feito e isso dá para a gente um conforto muito grande na arrancada de 2024”.
O CFO garantiu que, graças a esse movimento, as finanças da empresa ficaram equacionadas, mesmo em um cenário ruim. “Mesmo se ocorre um novo 2023 em termos de faturamento, não precisaremos discutir essa questão novamente ao final de 2024”.
Estar com o tamanho adequado a um mercado mais restrito é um mantra no AgroGalaxy. Em vários momentos Labourt falou nos efeitos do “ano de ajuste” e na importância de “se antecipar ao mercado para nos colocar em posição de relativa vantagem para quando vier uma conjuntura mais favorável”.
O CEO e o CFO afirmam já conseguir vislumbrar essa conjuntura, talvez ainda para o final deste ano. Uma parte da expectativa é depositada no clima – a ocorrência do fenômeno La Niña, previsto para o segundo semestre, ajudaria a formar um quadro mais favorável à produção de grãos em seus principais mercados.
“Historicamente, no agronegócio, as crises têm duração média de dois anos. Mas há indícios, ainda este ano, de que podemos ter uma retomada de mercado e estamos preparados para colher frutos”, disse Labourt.
Por enquanto, porém, 2024 não tem se mostrado generoso. Martins admitiu que o começo do ano foi “fraco”, com o produtor ainda ressabiado e retraído e isso se refletindo nas compras de insumos para a safrinha, que deveriam ter acontecido nesse primeiro trimestre.
“Aconteceu uma safrinha muito mais pobre do ponto de vista de fertilizantes, de semente de milho, de culturas de cobertura”, afirmou Martins. “A gente acabou não participando, por assim dizer”.
Axel Labourt complementou: “Em 2023 o agricultor diminuiu o nível tecnológico. No início de 2024, isso não mudou. Mas acreditamos que tudo tem limite. Com contexto mais favoráveis, se vem o La Niña, se os juros continuam caindo... É tudo um grande se”.
Uma preocupação mais premente é a chegada de abril e, com ela, o período que concentra o recebimento das contas feitas pelos agricultores com as revendas, com base no ano-safra.
O temor de muitos no mercado é que quebras na produção e dificuldades financeiras dos produtores tragam dificuldades para que muitos deles cumpram seus compromissos.
Martins garantiu que a situação, no AgroGalaxy, está sob controle. “Conhecemos na palma da mão a situação de cada um é bem menos feia do que se se noticiou no início”, disse.
“Há desafios em algumas regiões, mas estamos sentando com o produtor, recebendo o que ele pode entregar e, dentro de cada caso, conversando sobre eventuais postergações e renegociações, sempre cobrindo com garantias”.
Segundo ele, as lições de 2023 estão sendo aplicadas e a empresa fez um esforço para transferir grande parte dos recebimentos para grãos.
“A gente aumentou a participação de barter puro. Com isso, não sentamos não mais para discutir reais, mas uma relação de troca com o produtor. Ajuda com a margem e com o recebimento de contas no futuro”.
De qualquer forma,, nas palavras de Martins, “vai ser mais um ano de contas a pagar e a receber andando de mãos dadas”. As taxas de inadimplência, na sua visão, estão também mais ajustadas.
A empresa fechou 2023 “um pouco acima de 2022” nesse indicador – os números não foram divulgados, mas rodavam na casa dos 10% no final do ano passado. “Os indicadores permitem dizer que 2024 vai ser ano de voltar a linhas de normalidade”, disse.
Sementes a germinar
Também foi tema da entrevista a possibilidade de negociação de uma participação no negócio de sementes do AgroGalaxy. No final de fevereiro, a empresa mandatou o Banco Santander para buscar um sócio estratégico para a operação.
Desde então, segundo os executivos, conversas já vem ocorrendo com “diversos players de mercado” e eles acreditam poder ter “boas notícias ao longo do ano”.
“O ativo sementeira performou muito bem em 2023, mostrou que investimentos que fizemos se rentabilizaram”, afirmou Martins. Ele preferiu não dar detalhes da performance, “até pelo momento da negociação”, mas ressaltou que os aportes resultaram sobretudo em melhoria de qualidade.
Segundo Labourt, além da qualidade, a sinergia entre os negócios de sementes e de distribuição permitiram ao grupo “priorizar o escoamento de sementes próprias” e, com isso, “garantir mais 2 a 3 pontos de margem bruta”.
Além disso, as taxas de replantio das lavouras de soja, em função de problemas climáticos, impulsionou as vendas de sementes no quarto trimestre, o que fez com que os estoques da empresa nessa área fossem mínimos.