O etanol é utilizado principalmente como combustível para automóveis no Brasil, inclusive misturado à gasolina. Mas como ficaria a produção caso o país optasse por priorizar a produção de veículos puramente elétricos, inclusive os pesados?
A resposta para esse questionamento não é clara. Mas um estudo encomendado pelo Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB) à consultoria LCA e à MTempo Capital mostra que a opção pelos veículos híbridos é, nesse momento, muito mais “brasileira” que a opção pelo elétrico. O ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é um dos sócios da MTempo Capital e participou da apresentação dos dados.
O estudo apresentou, com base no cenário atual de produção de células para baterias de alimentação de carros elétricos e de tecnologias disponíveis, os efeitos econômicos da adoção de cada uma das alternativas pela indústria.
Os números do estudo não levam em conta a indústria sucroalcooleira, como explica Fernando Camargo, diretor-sócio da LCA Consultores. “Com certeza, se incluíssemos os impactos na indústria de etanol, a diferença entre híbridos e elétricos seria ainda maior”.
A opção pelos chamados bioelétricos (híbridos a etanol) é firmemente apoiada pela cadeia do biocombustível. Tanto que o evento de apresentação do estudo, realizado em Brasília nesta terça-feira, dia 19, contou com a participação de executivos de grandes empresas do setor e do presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi.
De acordo com o estudo, os impactos acumulados entre 2020 e 2050 na produção brasileira seriam positivos em R$ 2,3 trilhões, em caso de convergência global para a fabricação de veículos híbridos, ante uma retirada de R$ 5 trilhões se a opção se der pelos elétricos puros. Esses cenários são comparados com a situação atual, de predominância dos motores a combustão.
No PIB, o efeito da adoção da tecnologia híbrida na convergência global seria positivo em R$ 817 bilhões para o Brasil em 30 anos. Já em caso da predominância do veículo elétrico, o Brasil pode perder R$ 1,8 trilhão em Produto Interno Bruto até 2050.
Em entrevista recente ao AgFeed, um dos nomes mais importantes da história do etanol no Brasil, Maurílio Biagi, se disse totalmente contra a adoção de veículos elétricos, por conta do uso intensivo de energia “suja” na fabricação global das baterias.
Esse é exatamente um dos argumentos usados pelo MBCB ao defender a adoção da tecnologia híbrida. “A questão é que hoje, a maior produção de células de bateria para carros elétricos vem da China. E para essa produção, a maior parte da energia vem do carvão”, explica Camargo.
Ele afirma que os veículos híbridos, além de criarem uma demanda nova por componentes elétricos, mantêm viva a cadeia atual da indústria automobilística, inclusive a de etanol. “Claro que poderia haver outros caminhos, mas o uso como combustível é fundamental para manter a demanda por etanol”.
Luciano Coutinho ressalta que é muito importante investir em novas tecnologias especialmente para veículos pesados, que respondem por 6% da frota total brasileira e 57% das emissões de carbono ligadas à mobilidade no Brasil.
“Nós temos várias opções, como biometano e biodiesel, além do etanol. São 4,3 milhões de veículos pesados no Brasil, sendo mais de 90% caminhões”, afirma o ex-presidente do BNDES.
No caso do banco de fomento, o atual presidente, Aloizio Mercadante, afirma que o BNDES está pronto para oferecer R$ 5 bilhões para financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia para veículos híbridos. “A rota do híbrido é muito mais promissora para o Brasil que a do elétrico”, diz Mercadante.
Outro argumento econômico foi dado pelo presidente da Unica. Ele lembra que, muito por conta do uso do etanol como combustível, o Brasil tem gerado economia para a população quando se trata da descarbonização.
“Nos Estados Unidos, os contribuintes já colocaram cerca de US$ 1 trilhão na mesa para financiar as metas de transição energética. Aqui no Brasil, com o uso de fontes renováveis, já economizamos R$ 110 bilhões do contribuinte”, explica Gussi.
SAF e Milho
O combustível sustentável para aviação, conhecido pela sigla em inglês SAF, que pode ser produzido a partir do etanol, desperta muita expectativa e discussões sobre o papel a ser desempenhado pelo Brasil nesse mercado que tem um grande potencial global.
O presidente da Unica lembra que a adoção de um combustível mais sustentável que o querosene utilizado hoje será responsável por 65% da descarbonização do setor aéreo mundial.
“Existem sete rotas tecnológicas possíveis para essa mudança. O etanol e os biocombustíveis são as duas maiores e mais promissoras”, afirma Gussi.
Por ser o maior produtor de etanol de cana do mundo, o presidente da Unica já aponta o Brasil como protagonista nesse cenário. Mas ele lembra outro ponto de vantagem para o país.
“É o único país do mundo que produz etanol com certificação, por meio do RenovaBio. Então, nós estamos na frente e temos todas as condições para produzir SAF aqui de forma bastante sustentável”.
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirma que o grande obstáculo do SAF ainda é o custo. “Os empresários do setor aéreo dizem que é três vezes mais caro que o querosene. Mas isso vai mudar com o avanço da tecnologia”.
Outro aspecto muito discutido é o crescimento da produção de etanol de milho, com questionamentos sobre uma possível diminuição na produção voltada para alimentação em detrimento do combustível.
Gussi explica que somente uma parte do milho é utilizada para produção do etanol. “Somente o amido é usado. Ainda sobram a proteína, a fibra e o óleo. No mundo há essa discussão de comida versus combustível. No Brasil, é comida e combustível, inclusive pelas possibilidades que temos de duas safras”.