Cenas de conflito marcam as ruas da capital indiana, Nova Deli, nos últimos dias após a marcha de 150 milhões de agricultores que tentam pressionar o governo a dar respostas claras às exigências do setor, entre elas a garantia de preços fixos para seus produtos e um pacote de perdão de dívidas, que havia sido prometido pelo governo do primeiro-ministro Narendra Modi.

Iniciadas em novembro do ano passado, as manifestações começaram com dezenas de milhares de agricultores acampando nas proximidades da capital. Eles levavam tratores e animais, em grupos dispersos por outros estados do país.

À medida que os pleitos não eram atendidos, o movimento foi crescendo até angariar uma multidão capaz de expor crânios humanos – que supostamente representam o episódio de violência que deixou oito pessoas mortas no estado indiano de Uttar Pradesh.

Na tentativa de impedir o avanço das manifestações, a polícia construiu barreiras no entorno da cidade, utilizando arame farpado e blocos de cimento, além de despejar canhões de água e gás lacrimogêneo na tentativa de reprimir os protestos.

“Queremos o fim da violência”, disse Rakesh Tikait, um dos líderes agrícolas das manifestações, citado pela NBC.

Sarwan Singh Pandher, um outro líder agrícola disse ao Times of India que o objetivo é buscar uma solução rápida. “Os ministros dizem que precisam de tempo, mas não temos mais tempo”.

Sistema de preços

Nos anos de 1960, o governo indiano introduziu no país um sistema de preços que visava proteger as cotações de produtos considerados essenciais na alimentação indiana. Nessa lista estão alguns pulses como grão-de-bico, ervilha, lentilha e feijão vermelho, entre outros, como o açúcar e o arroz. O objetivo era garantir o abastecimento interno, evitando uma escassez de alimentos para a população.

Agora, os agricultores querem que essa medida seja estendida a todos os produtos agrícolas e não apenas às culturas consideradas essenciais. Muitos alegam que precisam de mais suporte do governo para seguir plantando – e se recuperar das perdas acumuladas nos últimos anos.

Entre as justificativas, estão os impactos sofridos pelos agricultores locais por causa do El Niño e da La Niña, fenômenos climáticos que levaram à quebra de safra em diversas culturas. Um exemplo é a produção de açúcar. A Índia é o segundo maior produtor do mundo – atrás apenas do Brasil – e no ano passado se viu obrigada a restringir exportações para conseguir atender sua demanda interna devido às perdas na safra.

Ashok Gulati, um importante analista agrícola indiano, disse em entrevista recente a uma rádio local que tornar o subsídio legal para todas as culturas pode criar muitas complexidades no sistema agrícola indiano. “O governo só deve fornecer apoio econômico aos agricultores durante quebras de safra, criando fundos de estabilização de preços ou linhas extras de financiamento”.

Subsídios ao setor

Foi o que ocorreu em 2021, quando o Ministério das Finanças da Índia alocou quase US$ 20 bilhões em subsídios para financiar a compra de fertilizantes – uma resposta ao conflito entre Rússia e Ucrânia, que desestabilizou a oferta de insumos agrícolas no mundo inteiro.

Na mesma época, o primeiro-ministro Modi revogou um conjunto de leis com o objetivo de modernizar o setor agrícola indiano. Aprovada no Congresso, a legislação foi rechaçada por um grupo de agricultores com grande influência política – e que veem esse processo de modernização como um risco para o modelo adotado nos anos 1960 e que dá proteção a um grupo significativo de produtores.

Ao revogar a lei que visava modernizar o setor, Modi desencadeou em outros grupos de agricultores a expectativa de que medidas de proteção de preços fossem estendidas também a outras culturas, iniciando um ciclo de pressão política e protestos.

Na época, o governo chegou a afirmar que estaria disposto a negociar e garantir controle de preços, mas a partir do final do ano passado passou a insistir que a nova legislação era importante para atrair investimentos e, consequentemente, aumentar a contribuição do setor no Produto Interno Bruto (PIB). Na índia, a participação do agronegócio no PIB, ao contrário do que ocorre no Brasil, tem diminuído nos últimos anos.

Outro fator que pesa na decisão do primeiro-ministro é a pressão externa. No ano em que Modi tentou reverter a lei, 2021, a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu que a Índia violou termos do acordo sobre agricultura ao fornecer subsídio considerado exagerado aos seus produtores de cana-de-açúcar e exportadores de açúcar – em resposta a uma moção movida pelo Brasil, que estimava em US$ 1 bilhão o impacto negativo dos subsídios indianos aos produtores brasileiros.

Negociações com o governo

Durante a semana, o ministro da Agricultura da Índia, Arjun Munda, se reuniu com representantes dos agricultores, tentando chegar a um acordo positivo para ambos os lados.

Há um grupo de agricultores que não pretende ceder e outro, que pertence a uma ala política mais aliada ao atual governo, que tem buscado o consenso.

Para além das questões comerciais, os protestos têm também um viés político. Eles eclodiram alguns meses antes da data prevista para a realização de eleições nacionais na Índia, nas quais o primeiro-ministro Narendra Modi procura um terceiro mandato. E os agricultores são um bloco eleitoral influente.

Enquanto as negociações acontecem, a multidão de agricultores permanece acampada na fronteira entre os estados de Punjab e Haryana e nas proximidades da capital. As forças de segurança seguem usando barricadas de concreto e metal e drones carregados de bombas de gás lacrimogêneo, para impedi-los de avançar.

Já foram realizadas três rodadas de conversas entre os agricultores e os ministros do governo – que até agora não conseguiram avançar. Espera-se que a próxima chegue a algum acordo – e consiga frear a massa de 25 mil tratores que estão sendo mobilizados para invadir a sede do governo a partir do mês de março, de acordo com a Bloomberg.