Um levantamento conduzido pela Liga Ventures, em parceria com a Bunge e o Hub CNA Digital mostrou que a biotecnologia reina quando o assunto é agtechs na América Latina e no Brasil.
Das 978 agtechs consideradas ativas pelo estudo, 99, ou algo em torno de 10%, estão ligadas ao tema. Na sequência, as soluções que mais contavam com startups atuando eram backoffice (75), gestão da pecuária (74), drones e geoprocessamento (74), análise de plantio (70) e nutrição de plantas (65).
De acordo com Daniel Grossi, co-fundador e diretor da Liga Ventures, o estudo levou em conta startups que passam por toda cadeia agro, divididas em 22 categorias. Foodtechs mais ligadas ao varejo e o mercado de alimentos não foram incluídas, e devem fazer parte de um novo estudo a ser lançado no futuro.
Dessas 978 startups mapeadas, mais de 80%, 809 empresas, são do mercado brasileiro. Esse número total mostra uma estabilidade no número de negócios ativos por aqui. Em 2022, eram 976 agtechs, e no ano anterior, 951. Se olharmos no longo prazo, o mercado está aquecido. Em 2013, 10 anos atrás, eram 113 startups do agro.
Outra categoria que foi destacada por Grossi é a de serviços financeiros, as agfintechs. Foram 50 mapeadas dentro do universo. “A coisa comum entre os produtores é que todos precisam de serviços financeiros e as fintechs são uma vocação grande no mercado brasileiro”, diz.
Um recorte do estudo deu luz à importância das agfintechs no continente. Levando em conta as startups fundadas de 2020 até 2023, 11% eram de biotecnologia e 10% eram de serviços financeiros. Além disso, as agfintechs são as startups do agro que mais empregam pessoas, com 2,2 mil funcionários mapeados no ano passado.
O estudo mostra algumas tendências para o mercado, que foram explicadas, em uma coletiva para apresentar o resultado, por representantes da Bunge e do hub CNA Digital.
Braian Souto, líder global de business technology e estratégia de ecossistemas da Bunge, disse que a empresa busca, via esse braço de inovação, empresas que resolvam “problemas reais dos produtores”.
“Não atuamos só com agtechs no nosso ecossistema, mas dentro desse recorte, estamos de olho em iniciativas de agricultura de baixo carbono, rastreabilidade, certificação, serviços financeiros e processos logísticos”, disse.
Na biotecnologia, segmento de destaque no estudo, ele afirmou que a Bunge já atua via investimentos em seu braço de Venture Capital. “Essa é uma tendência que o Brasil tem puxado no mundo”.
Na rastreabilidade, a Bunge atua por meio de parceria com uma agtech chamada Vega Monitoramento, afirma Souto. No braço financeiro, a trading possui uma fintech própria, a Fincrop, criada no ano passado e que é fruto de um processo de inovação aberta dentro da empresa.
Na CNA Digital, o foco é parecido. Segundo Danielle Leonel, coordenadora do Hub CNA Digital, o grande desafio está na conectividade, que é uma dor em várias regiões produtivas do País.
Diante desse cenário, além de iniciativas que fomentem a conectividade, soluções que operem sem a necessidade dela são bem recebidas por produtores. “O desafio da conectividade limita a adoção de novas tecnologias mais avançadas. Rastreabilidade também é um tema quente, desde o início da cadeia, no cultivo ou criação de animais até chegar no consumidor final”, afirmou.
Ela vê uma grande oportunidade para startups que atuam na identificação individual de bovinos. Segundo Leonel, uma tecnologia que acompanhe a saúde do animal, movimentação e históricos pode ajudar em questões regulatórias.
O Hub já investe em sete startups, e a diretora revelou durante a coletiva que em 2024, a iniciativa passará a atuar com outros hubs de agtrechs. “Não viemos para concorrer, e sim complementar com nossa proposta de valor: a capilaridade que temos nas propriedades rurais ao redor do País em todas as cadeias produtivas”, afirmou.
Segundo Danielle Leonel, a ideia é financiar mais 10 projetos esse ano, bem como acelerar 50 startups. “Deixaremos de atuar somente em Brasília, onde fica nosso hub, e vamos para todo o ecossistema de inovação do brasil. A ideia é ajudar as startups, pegar as soluções, trabalhar com elas, investir e fazer testes no campo”, revelou.
Braian Souto acrescenta que a empresa está de olho nos desafios da imprevisibilidade climática, escassez de água e descarbonização do setor. Na tecnologia, a Bunge se apega a soluções que envolvem o uso de dados.
“Os players que vão crescer daqui pra frente são os que capturam dados de forma eficiente, e os transformam em ação para o resto da cadeia. O uso de IA nesse processo também é algo interessante. O foco da agricultura nos próximos ciclos está conectada com o dado, e como gerar valor a partir dele”, afirmou.
Ele acredita que a IA regenerativa pode “disruptar a forma que fazemos negócios”. Outras tecnologias que podem movimentar as novas agtechs envolvem o sensoriamento remoto e o blockchain, que segundo Souto, está aterrisando em soluções reais.
Nesse aspecto, recentemente, o braço de VC da Bunge investiu na Agrotoken, empresa de tokenização de commodities agrícolas. Na rodada, a empresa captou US$ 12,5 milhões, e além da trading, recebeu aportes da Visa.
Montantes bilionários
Em 2023, foram R$ 1,2 bilhão captados pelas agtechs mapeadas no levantamento em toda América Latina. Desse total, pouco mais de R$ 880 milhões vieram para o Brasil.
O número total do continente mostra uma queda contínua, já que em 2022, foram R$ 1,8 bilhão investidos e em R$ 2021, R$ 2,1 bilhões.
O número, contudo, possui alguns eventos fora da curva. Em 2021, por exemplo, esse grande investimento foi puxado por uma rodada da chilena NotCo, de produtos plant-based, de US$ 235 milhões. Na época, a empresa se tornou o primeiro unicórnio, ou seja, atingiu mais de US$ 1 bilhão em valor de mercado sem abrir capital no país.
Tanto que se olharmos o número de investimentos em agtechs nacionais, vemos uma trajetória mais linear. Foram R$ 250 milhões em 2020, R$ 609 milhões em 2021, R$ 1,2 bilhão em 2022 e R$ 882 milhões no ano passado.
Tirando o ano de 2021, que teve a rodada da chilena NotCo, o Brasil liderou os investimentos do continente nos anos seguintes e também em 2020.
Em 2023, as startups de serviços financeiros para o agro foram as que mais receberam investimentos, com 26% do total. Segundo Daniel Grossi, o número foi impulsionado por uma rodada de cerca de R$ 40 milhões da agfintech Nagro.
A rodada incluiu a Kinea Ventures, gestora que gere o fundo de corporate venture capital (CVC) do Itaú Unibanco, e com o Revolution, de Marcelo Peano, Jader Rossetto e Marcia Mello, um fundo focado em fintechs que tem Jorge Paulo Lemann e Marcelo Lacerda, ex-Terra e fundador da Magnopus, como parceiros.