Os CRAs (Certificado de Recebimento do Agronegócio) completaram 20 anos em 2023. Desde sua implementação até hoje, os títulos de dívida foram um dos principais elos de ligação entre o agro e o mercado de capitais, financiando produtores e empresas do segmento.
Com o surgimento dos Fiagros, que nesse primeiro momento se dedicaram principalmente a comprar CRAs, os títulos ganharam um novo momento há dois anos. De 2021 até outubro de 2023, as emissões de CRA somaram R$ 25 bilhões, R$ 40 bilhões e R$ 30 bilhões em cada ano, respectivamente.
No primeiro semestre de 2023, contudo, o mercado de crédito sofreu um estresse. É unânime entre os analistas a percepção de que o evento da fraude na Americanas e, posteriormente, os problemas da Light com credores colocaram um pé no freio nas emissões.
Mesmo que sejam empresas de fora do agro, o mercado como um todo se retraiu até meados de julho, quando houve uma retomada.
Mesmo com emissões reaquecidas, dados da Anbima mostraram que esses eventos podem fechar 2023 em patamares menores do que os de 2022 – os números ainda não haviam sido fechados até a publicação dessa reportagem. De janeiro até outubro deste ano, as emissões de CRAs somavam R$ 30 bilhões. No mesmo intervalo do ano passado, eram R$ 39 bilhões.
A tendência, no entanto, é positiva para 2024. Luiz Cláudio Caffagni, consultor financeiro no agronegócio, ressalta, contudo, que a curva de emissões tomou um novo rumo depois do deslize no começo do ano.
“Em janeiro e março de 2023 a emissão quase zerou, mas a partir do meio do ano o mercado voltou a crescer e tivemos a maior emissão mensal de CRAs da história em outubro, com R$ 6,1 bilhões”, disse.
Se os resultados de novembro e dezembro, que devem ser consolidados pela Anbima no começo de 2024, continuarem a trajetória positiva, é possível que o ano que vem seja marcado por uma evolução nas emissões.
Além do mercado de crédito mais normalizado, outros fatores também podem ajudar. Marcos Bertomeu, diretor responsável pelos fundos de agronegócio na Fator ORE está otimista para 2024 e cita que o movimento de queda na taxa de juros visto no Brasil pode favorecer as emissões de CRAs.
“Vejo o agro otimista, com boas opções para investimento, mas com pontos de atenção, como o clima. Viemos de um ano de redução de preço de commodities, por isso é preciso navegar com cautela”, afirmou.
Na gestora, foram emitidos dois CRAs ao longo do ano, com mais uma operação que não foi fechada. O primeiro CRA foi de R$ 43 milhões, com a Indigo Ag, de insumos biológicos. A operação já foi quitada, mesmo com o prazo de cinco anos.
Atualmente, outro CRA, esse para financiar um grupo rural que tem parte de produção agrícola, mas também atua na distribuição de insumos e armazenagem, está em andamento. Esse é de R$ 106 milhões.
Sarah Balestero, diretora de securitização da Fator (CRAs), explicou que o CRA que acabou não saindo do papel esbarrou em uma falta de conhecimento do produtor envolvido acerca do mercado de capitais.
“É difícil adequar a regulamentação, e mostrar para o produtor como funciona o mercado de fundos. Não é uma dívida pura e simples, e é preciso que a empresa se adeque ao que os fundos permitem”, disse Balestero.
Em 2024, a gestora espera emitir seis CRAs e, para tal, além da queda nos juros prevista pelos economistas, quer redobrar a aposta na educação dos produtores acerca do mundo dos fundos. Para isso, a empresa disse que tem contratado mais profissionais do segmento.
“Além dessa educação, um CDI de dois dígitos inviabiliza muito o negócio. O juro de um dígito abre um leque do mercado de tomadores”, acrescentou Marcos Bertomeu.
Mesmo com os juros em queda, a situação financeira de alguns produtores, que enfrentam um El Niño complicado, colocam um ponto de atenção nas gestoras.
Para André Fialho, estrategista de renda fixa da Genial Investimentos, as notícias de problemas de crédito e recuperação judicial no agro não são suficientes para criar novos eventos que estressem todo o mercado, como foi o caso da Americanas.
Ele acredita que, se o cenário mais negativo de El Niño se confirmar, causando quebra de safra, pode ser que players alavancados sofram mais. Com menos receita, é possível que haja um pequeno ruído no mercado.
“Olhando principalmente para os grandes players, as empresas vão sofrer, mas mesmo assim não vejo um evento de crédito nível Americanas que vai impactar o mercado como um todo. Não vejo um fator negativo que impacte as emissões no ano que vem”, diz.
Fialho ainda vê uma boa oportunidade para empresas apostarem em CRAs verdes no ano que vem. “Vemos uma demanda cada vez por emissões verdes, um mercado com potencial grande a ser explorado. No curto, no médio e no longo prazo, isso deve se tornar uma tendência”, afirmou.
Caffagni também citou ao AgFeed que o avanço do mercado de Fiagros deve continuar a puxar os CRAs para cima. “O Fiagro vai popularizar o crédito no agro”.
Para 2024, ele vê que o cenário econômico nos EUA, que indica um início de queda na taxa de juros local, pode beneficiar o mundo todo, incluindo o Brasil. “Se isso ocorrer, vamos nos beneficiar. O país começa a crescer, o mercado de capitais, bancário e de crédito sobe. Quando os produtores obtêm mais crédito, investem mais e produzem mais”, conclui.
E as LCAs?
O cenário macroeconômico também ajuda as Letras de Crédito Agrícola (LCAs). No caso desse tipo de título, a queda da Selic deve ser o principal fator a favor.
Na mais recente edição do Boletim Focus, publicação semanal divulgada pelo Banco Central contendo um resumo das expectativas de mercado a respeito dos principais indicadores da economia brasileira, as previsões de economistas mostram que a Selic deve encerrar 2024 em 9% ao ano. Em 2025, a expectativa é atingir 8,50%.
Enquanto os CRAs são emitidos por empresas e envolvem securitizadoras e outros players financeiros, as LCAs são feitas única e exclusivamente por bancos, o que concentra o risco.
Mesmo os bancos ganhando dinheiro com a Selic alta, já que acabam emprestando dinheiro a taxas maiores de retorno, Fialho, da Genial, pontua que os balanços dessas instituições acabam ficando mais saudáveis com a Selic mais baixa, com rentabilidade e ROE maiores.
“Com a queda da Selic, que já vem acontecendo nos últimos meses, vejo as LCAs continuarem a crescer”, diz Marina Renosto, head de alocações da Blackbird Investimentos, que se diz “animada com o mercado de crédito” no ano que vem.
Segundo ela, a queda da Selic melhora o mercado de crédito em dois pontos. Primeiro, a dívida fica “mais barata”. E, em segundo lugar, acaba derrubando as projeções de taxas dos títulos públicos. “O investidor já voltou a repensar se aloca ou não. Eu acho que é momento para apostar nesses títulos, vejo espaço para lucrar”, afirmou.
Ela ressalta que o banco prefere emprestar dinheiro com juros mais altos, mas no nível alto que estava a Selic, já estava desestimulante para as instituições. “Pelo perfil de produtor ou empresa que consegue pagar a dívida com juro alto, o banco não consegue liberar tanto crédito. Numa taxa mais estável, pode ajudar os bancos a liberar mais créditos, e o financiamento de LCA deve aumentar”, completou Renosto.
De acordo com a Anbima, as emissões de LCAs até novembro somavam R$ 372 milhões, acima do total acumulado de 2022, de R$ 252 bilhões.
Luiz Cláudio Caffagni relembra que, em junho deste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) mudou as novas regras para aplicação dos recursos captados via emissão de LCAs.
O colegiado ampliou de 35% para 50% as exigibilidades de aplicação das LCAs pelas instituições financeiras em empréstimos para o setor rural. “Muita gente achou que poderia ser um risco esse aumento, mas não foi”.