A menor rentabilidade na produção de soja e milho vem afetando e muito a receita das empresas que vendem equipamentos para a armazenagem de grãos, inclusive a maior delas, a Kepler Weber, que já chegou a ter mais de 40% de market share.
Para 2024, as previsões são distintas entre as empresas menores, que dependem mais dos investimentos dos produtores rurais, e companhias como a Kepler, que ganha espaço em outros elos da cadeia, como as agroindústrias e também os portos e terminais.
O AgFeed conversou com Bernardo Nogueira, diretor comercial da Kepler Weber, que no começo de 2024 deverá substituir Piero Abbondi, na posição de CEO da companhia.
Ele afirma que a queda nas vendas em 2023 está relacionada ao resultado "excepcional para toda a indústria" verificado no ano anterior.
"Saímos de R$ 80 a saca de soja em 2020 para R$ 180 até o início deste ano, portanto houve um salto na renda espetacular até 2022", lembra Nogueira.
Em 2023 houve uma queda significativa nos preços de soja e milho durante boa parte do ano, o que acabou reduzindo a disposição, principalmente dos produtores rurais, em fazer investimentos.
"Mas 2023 foi o segundo melhor ano da história para Kepler, perdendo apenas para 2022", ressalta o executivo. O último balanço da Kepler Weber mostrou uma queda no lucro líquido, de janeiro a setembro, de quase 44%, na comparação com o mesmo período de 2022.
Bernardo Nogueira adiantou ao AgFeed que as vendas de dezembro de 2023 “foram maiores que dezembro do ano passado". Ele diz que essa presença ao longo de toda a cadeia é um diferencial da Kepler, que teria registrado um resultado pior este ano, nas vendas para o agricultor.
O executivo ressaltou que "a carteira de clientes nesta virada para 2024 é bem diferente da que era vista no início de 2023, já que entra bem melhor em volume e em diversificação de portfólio. Tem uma proporção maior de portos e terminais, aqueles que estão do meio para frente da cadeia, como cerealistas e industrias de etanol".
Perguntado se prevê crescimento na receita para o ano que começa, Nogueira preferiu repetir que "será um ano robusto, tão forte quanto 2023”.
Déficit segue acima dos 100 milhões de toneladas
Um dos motivos para o otimismo da Kepler Weber é o alto déficit de armazenagem no Brasil, hoje estimado pela empresa entre 100 milhões e 120 milhões de toneladas.
"Enquanto a produção brasileira chegou a 322 milhões de toneladas, nossa capacidade estática é de cerca de 200 milhões de toneladas”, diz o presidente da Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos da Abimaq, Paulo Bertolini. A Abimaq representa as indústrias de máquinas e equipamentos no País.
Bertolini diz que este déficit vem crescendo cerca de 5 milhões de toneladas por ano, em média, nos últimos 15 anos. Isso porque a produção de grãos tem crescido o dobro, anualmente, do que avança a capacidade em armazéns.
"Só que cresce em maior proporção em centros urbanos, industriais e portos. E em menor proporção dentro das fazendas", diz o representante da Abimaq.
Para a Kepler Weber, os números significam uma oportunidade de crescimento.
"Quando olho para o agro como um todo, que é o o negócio mais competitivo que o Brasil tem mundialmente, entendo que a grande pujança está na armazenagem, especialmente quando se considera esta questão estrutural, o déficit, que continua alto, mesmo com a esperada quebra de safra”, afirmou Bernardo Nogueira.
O executivo se refere às projeções já feitas por lideranças do setor de que, somente em Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, haverá uma quebra de 20% em relação ao potencial que era esperado para 2023/2024, em função da chuva escassa e irregular.
A safra brasileira que tinha potencial para chegar a 170 milhões de toneladas, já vem sendo estimada por consultorias privadas, em patamares mais próximos de 150 milhões de toneladas.
"Ainda assim, saímos de uma safra (total de grãos) de 270 milhões de toneladas em 2022 para 320 milhões este ano e poderá cair para 310 milhões em 2024. Isso quer dizer que continuaremos produzindo 40 milhões de toneladas a mais do que há dois anos, portanto, continuaremos na UTI quando o assunto é déficit de armazenagem", explicou o diretor da Kepler Weber.
Durante a safra de verão o problema é maior, já que no inverno sem chuva do Centro-Oeste muitos deixam milho a céu aberto por falta de armazéns e no caso da soja isso não é possível. Por isso, Nogueira prevê que os problemas deste ano de prêmios muito negativos para a soja, por exemplo, com o produtor vendendo a produção por não conseguir armazenar, podem se repetir em 2024.
"A armazenagem deixou de ser muito necessária, ela é algo crítico para o sucesso do agro brasileiro, desde o agricultor, até o terminal portuário”, diz.
Como nos últimos 60 dias houve uma melhora nos preços do milho, principalmente, o executivo também acredita em melhor rentabilidade no próximo ano, o que pode motivar o agricultor a investir em silos e armazéns, para passar a ter a opção de esperar o momento mais oportuno de comercializar a safra.
Outro ponto levantado pela empresa é a expectativa de uma safra "desuniforme” em 2024. A seca no Centro-Oeste na fase inicial das lavouras e o excesso de chuvas na região Sul trazem prejuízos não apenas em quantidade, mas também na qualidade da produção.
Nogueira acredita que o produtor deve precisar ainda mais da tecnologia dos equipamentos de pós-colheita para evitar novas perdas de qualidade. A Kepler concluiu esse ano a compra da Procer, empresa que faz este tipo de controle de forma digitalizada.
"Na hora de comercializar, o grão também é valorado pelo seu peso, sua massa final. Se tem menos matéria seca devido ao problema climático, vai entregar produto com menor valor agregado. Usamos sensores digitais de temperatura e umidade, além de softares, que geram alertas 24h para acionar por exemplo os aeradores de silos de forma automática, prevenir os problemas", disse Juliana Soares Zeymer, Product Owner da Procer, que também conversou com o AgFeed.
A Kepler Weber já tem 1,6 mil unidades utilizando essa tecnologia, o que representa mais de 15% da capacidade estática. A expectativa é chegar a 50% da capacidade nos próximos anos, segundo o diretor comercial.
Abimaq pessimista
O outro lado da moeda nos desafios do setor de pós-colheita no Brasil está na dificuldade em financiar estes projetos. Por isso, Paulo Bertolini, da Abimaq, faz uma leitura um pouco diferente dos executivos da gigante do setor.
O empresário, que também é diretor comercial da Granfinale Sistemas Agrícolas, disse que os recursos do plano safra destinados ao segmento já se esgotaram.
Ele se refere ao PCA, Programa para a Construção e Ampliação de Armazéns, que tem taxas de juros subsidiadas e este ano totalizou recursos de R$ 6,65 bilhões, 30% a mais que na safra passada.
"O problema é que o PCA é dividido em 2 linhas, uma delas para equipamentos até 6 mil toneladas, e somente essa é totalmente dirigida para grãos, com juros de 7% ao ano. A outra tem taxa de 8,5%, mas não é só grãos, entram cooperativas com outros produtos agrícolas, inclusive usinas de açúcar e isso toma boa parte dos recursos do Plano Safra”, explicou Bertolini.
O dirigente diz que essa é uma das razões para uma participação tão pequena de silos e armazéns dentro das fazendas no Brasil, se comparado ao seu principal concorrente em grãos, os Estados Unidos.
"Apenas 15% da nossa capacidade estática de 200 milhões de toneladas estão nas fazendas. Lá nos EUA esta fatia é de 66%", destaca. "É um absurdo porque lá eles conseguem armazenar uma safra e meia, enquanto aqui temos este enorme déficit e nossos silos estão longe das fazendas”.
Bertolini diz que, com o esgotamento dos recursos no Banco do Brasil, Caixa e BNDES, principais agentes do PCA, os produtores só têm encontrado linhas que chegam a 18% ao ano de juros e nem sempre há carência, como no programa público. Assim, em meio à menor rentabilidade verificada este ano, acabam adiando investimentos.
"Só teremos mais recursos do plano safra em agosto de 2024, já que o próximo anúncio ocorre em junho, quer dizer, nem para a safra 24/25 vai dar tempo de contar com os novos armazéns", avalia.
A Abimaq não divulga números específicos para o desempenho das empresas deste segmento, mas segundo Paulo Bertolini, os números que aparecem no balanço da principal companhia do setor (a Kepler), que é listada na B3, com queda superior a 40%, "se repetem nas demais empresas, com redução no faturamento e nos lucros".
Com os problemas climáticos que apontam quebra de safra em algumas regiões, o dirigente acredita que 2024 “pode ser até pior" que este ano. "Vai ter uma redução da renda se safra não vier cheia, isso faz com que investimento seja menor".
Segundo a Abimaq, para que um agricultor construa uma estrutura simples de armazenagem na fazenda, é necessário gastar pelo menos R$ 1,2 mil por tonelada estática.
"Tenho cliente com 70 hectares plantados que possui estrutura própria, portanto, é viável, mas para fazer, é preciso financiamento, e os grandes acabam consumindo boa parte dos recursos", diz Bertolini.
Para reduzir o déficit de 100 milhões de toneladas, ele estima que seriam necessários entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões em investimentos.
"O que tira a renda do produtor brasileiro é ele não ter silo e armazém na fazenda. Chega a perder R$ 15 por saca, porque até no Paraná, que tem boa estrutura, este ano, muitas cooperativas não tiveram mais espaço para armazenar e o agricultor foi obrigado a vender, o que levou aos prêmios negativos", acrescentou.
E como para tudo há sempre o "copo meio cheio ou meio vazio”, o diretor da Kepler Weber, Bernardo Nogueira tem uma visão mais otimista.
"Temos 50% da armazenagem que deveríamos ter, não é uma quebra de safra que vai mudar essa situação, e a prova disso é a nossa carteira de clientes, que está aumentando neste momento. Enquanto alguns choram, nós preferimos vender lenços”, diz o futuro CEO da Kepler.
Em relação aos problemas de financiamento, o executivo diz que a participação do crédito público tem sido cada vez menor e que os clientes tem optado por recursos próprios ou então novas ferramentas, como CRAs e FDICs, no caso de cooperativas e usinas de etanol, por exemplo.
A Kepler Weber criou um Fiagro, em parceria com o BTG, que tem perfil semelhante ao PCA no que se refere a carência e prazo de 10 anos para pagar.
Nogueira admite, no entanto, que com a Selic muito alta, os juros não estavam atrativos para os clientes. Para o segundo semestre do ano que vem, quando juros voltarem a “1 dígito”, ele espera um aumento na demanda. Segundo o executivo, do total de R$ 300 milhões que a empresa esperava conceder em crédito por esse mecanismo, aproximadamente um terço já foi liberado.
"O Fiagro foi concebido quando juros eram 5% e passamos um ano com juros de dois dígitos, quando cair para 9%, vai voltar a ser bastante demandado", prevê.