Historicamente, o fenômeno climático El Niño é positivo para o agronegócio brasileiro. Com mais chuvas nas regiões Sul e Sudeste, a produtividade aumenta. Mas nesta parte final de 2023, além das altas temperaturas e da falta de chuvas no Centro-Oeste, até mesmo o grande volume de água em estados como Rio Grande do Sul e Santa Catarina atrapalham o setor.

Este é o resumo da análise feita pela Consultoria Agro do Itaú BBA, que classifica o fenômeno atual como El Niño “inimigo”. O panorama climático deve provocar menor produção de soja até o final da safra 23/24, redução mais intensa na área de milho e pressão sobre os custos para os pecuaristas.

Mas os analistas do Itaú BBA apontam também bons direcionamentos para o agronegócio brasileiro nos próximos anos.

Para César de Castro Alves, gerente da Consultoria Agro do banco, os biocombustíveis são o grande “delta futuro do mercado”. “O combustível de aviação (SAF) trará muitas oportunidades para o setor”, afirma.

Ele aponta não só o etanol de cana, mas também o etanol de milho e o biodiesel feito a partir da soja como grandes vetores de demanda nos próximos anos.

Ao tratar da safra 23/24, Alves afirma que a grande variável foi a falta de chuvas no Mato Grosso. “Isso provocou mudanças muito grandes nas perspectivas para o agronegócio em 2024. Devemos ter perdas, e até mesmo redução de área em soja”.

O analista aponta que o atraso na plantação de soja, provocada pela falta de chuva, não é um problema propriamente para o grão. Mas afeta bastante a produção de milho, que tem uma janela de plantação bastante restrita para que o produtor tenha sucesso.

“Com esse atraso na soja, a produção de milho pode recuar entre 10% e 15%. Isso aumenta a cotação do grão, e também os preços da ração animal”, explica Alves. Ele afirma que só será possível ter uma ideia mais clara do cenário em fevereiro.

O Itaú BBA já tem uma projeção mais conservadora sobre a produção de soja em 2023/2024, em relação à Conab e à agência norte-americana USDA. O banco espera 158 milhões de toneladas, contra mais de 162 milhões de toneladas das duas entidades.

Esse volume representaria um crescimento de 2% em relação à safra 20222/2023. Ao mesmo tempo, o Itaú BBA mantém a projeção de demanda para o grão, com crescimento de 4%.

“Esse cenário depende essencialmente de uma retomada das chuvas no Mato Grosso agora em dezembro. Os mapas meteorológicos mostram que vai acontecer”, afirma Francisco Queiroz, analista do Itaú BBA.

Mesmo com a expectativa de produção menor no Brasil e nos Estados Unidos, as cotações da soja não devem ter altas relevantes. Isso por conta da Argentina, que com as chuvas trazidas pelo El Niño, deve quase dobrar sua produção em relação a 22/23.

A produção mundial de soja, pelas projeções do banco, deve crescer 6% na safra 23/24, enquanto o aumento do consumo estimado é de 5%.

No milho, o Itaú BBA uma redução de 10% na produção brasileira. No entanto, o balanço mundial de oferta e demanda não deve ser alterado, já que Estados Unidos e principalmente a Argentina vão suprir essa oferta.

“Mas em relação aos preços, estamos no meio de uma recuperação. Nos últimos meses, o preço da saca no Brasil já aumentou entre R$ 6 e R$ 7”, afirma Queiroz.

Apesar do cenário desafiador para o milho, Annelise Izumi, analista do Itaú BBA que segue o segmento de etanol, afirma que nos próximos anos, boa parte da demanda por milho virá da indústria de combustíveis.

“Os Estados Unidos têm um programa de incentivo para construção de plantas de etanol de milho. Aqui no Brasil, já temos algumas em construção. No longo prazo, será sem dúvida uma boa oportunidade para os produtores”, diz Izumi.

Para o segmento de proteína animal, esta alta do milho já começa a pressionar os resultados, especialmente em aves.

Segundo levantamento do Itaú BBA, em novembro, o spread para os avicultores, que consiste na diferença entre custo de produção e preço do frango vivo, voltou a ficar negativo, após três meses positivos.

Os criadores de suínos também começam a sentir os efeitos do aumento de custos, com os spreads caindo de 10% para 6% em um espaço de três meses.

“Além da cotação dos grãos, os avicultores ainda devem ficar atentos à gripe aviária. É um risco que deve continuar a ser monitorado em 2024. Para os suínos, a exportação é um caminho, já que a China não tem aumentado sua produção, e a demanda é crescente”, afirma César Castro Alves.

Programa Reverte

O diretor de Agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes, fez um balanço do Programa Reverte, uma parceria com a Syngenta para recuperar solos degradados.

“Já liberamos R$ 950 milhões em crédito para este programa, e estamos correndo para atingir R$ 1 bilhão antes do final do ano”, afirma Fernandes.

O Reverte foi uma iniciativa desenvolvida pelo banco e pela Syngenta em 2019, e o início da sua implementação ocorreu em 2021. Os agricultores têm acesso a crédito para comprar insumos e reverter a degradação do solo e torná-lo produtivo novamente.

Segundo Fernandes, o Reverte já permitiu a conversão de 158 mil hectares de solos degradados. “Essa área é equivalente a 8% da área desmatada do país”, afirma.