Quando o controlador de uma empresa compra a maior parte das ações de outra companhia, a primeira palavra que vem à cabeça é fusão. Ao envolver gigantes como Marfrig e BRF, a expectativa pelo uso da expressão, com a concretização da união das partes, é ainda maior.

Mas não é o que deve ocorrer, mesmo que Marcos Molina, controlador da Marfrig, atinja mais de 50% de participação no capital da BRF, algo que está cada vez mais próximo de se tornar realidade.

Pelo menos essa é a avaliação de analistas que acompanham o setor de proteína animal no Brasil. Mesmo após o anúncio, nesta segunda-feira, 16 de outubro, de que a Marfrig atingiu 45% de participação no capital da BRF, por meio de compra de ações no mercado.

“Falar em fusão neste momento é bem difícil, até porque a BRF ainda está com um nível de alavancagem financeira elevada, mesmo depois da Marfrig ter contribuído para a redução do endividamento no aumento de capital”, afirma Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research.

“O próprio Molina tem dito que o foco agora está na recuperação de rentabilidade das empresas e não em uma fusão”, completa Vaz.

A expectativa aumentou nas últimas semanas, na mesma medida em que a Marfrig tem elevado sua fatia na empresa de alimentos a base de aves e suínos. Ela era de 33,27% e atingiu 40% de participação no capital da BRF, no final de setembro.

Na ocasião, os analistas do Bank of America (BofA) apontavam que uma possível fusão se transformou em assunto sério no mercado. Isabella Simonato e Guilherme Palhares, calcularam, então, como ficaria a nova empresa em termos de participação acionária e dívida.

Em um cenário de fusão total, haveria, segundo a análise, uma troca de ações na razão de 1,4 da Marfrig para cada 1 da BRF. “Isso deixaria a holding MMS (de Marcos Molina) com 24% de participação na nova empresa, ante os atuais 59,7% de fatia na Marfrig”, diz o BofA.

O banco calcula que a relação entre dívida líquida e Ebitda da nova empresa fecharia 2024 em 3,3 vezes. A estimativa para este ano é de alavancagem de 2,5 vezes na BRF, após o aumento de capital, e de 4,3 vezes na Marfrig.

Segundo o BofA, a Marfrig pode manter separadas as estruturas de capital das duas empresas e, se quiser uma fusão no futuro, partir para a compra de mais ações, mesmo depois de atingir mais de 50% da BRF, para diminuir o nível de diluição para Molina. Mesmo assim, a participação do empresário na nova companhia seria de 26%, segundo cálculo do banco.

“Os Molina não querem essa diluição agora. A depender do tamanho que a Marfrig atingir dentro da BRF, pode ser que ocorra”, afirma Vaz, da Nord.

Ele acredita inclusive que a Marfrig deve diminuir o ritmo de compra de ações da BRF. “Eles captaram recursos recentemente e direcionaram boa parte do dinheiro para comprar ações. Não devem comprometer tanto capital de uma vez para continuar esse movimento”, afirma o sócio da Nord.

Falar em fusão entre as duas empresas é assunto recorrente. Houve uma tentativa anterior, em 2019, mas na ocasião não houve acordo entre os acionistas. A explicação oficial foi de que havia divergências sobre como ficaria a governança da nova companhia.

Sem OPA à vista

Se o cenário sobre uma fusão ainda não está tão claro, os analistas afirmam que a Marfrig não vai precisar realizar uma Oferta Pública para Aquisição de Ações (OPA).

Isso porque os acionistas aprovaram a derrubada da cláusula da BRF que forçava uma oferta para os minoritários caso algum acionista atingisse mais de 33% no capital.

João Abdouni, analista da Levante Corp, afirma que o movimento de aumento da fatia da Marfrig tem beneficiado especialmente o acionista da BRF.

“O fluxo comprador favorece a valorização da BRF, ao menos no curto prazo. Em contrapartida, esses movimentos usualmente penalizam as ações do comprador, até que o mercado observe que a aquisição foi bem sucedida, o que pode levar algum tempo”, diz João Abdouni, analista da Levante Corp.

Nos últimos seis meses, a ação da BRF acumula valorização de quase 75%, saindo da casa dos R$ 6,20 em abril para R$ 10,80 no fechamento desta segunda-feira.

No caso da Marfrig, a ação também está em alta, mas em ritmo mais modesto, com valorização de quase 12% no mesmo período.

Para Max Bohm, estrategista de ações da Nomos, ainda não está muito claro quais serão os próximos passos da Marfrig em relação à BRF. “É fato que o Molina já tem o controle, e terá cada vez mais. Mas os próximos passos ainda não estão claros para o mercado”.

Como fica a concorrência?

Pelo posicionamento das duas empresas, os analistas descartam qualquer problema com os reguladores em relação à concentração de mercado, já que a Marfrig é mais focada em bovinos e a BRF, em aves e suínos.

Para as outras empresas do setor, o impacto também deve ser mínimo, segundo Abdouni, da Levante.

“Para Minerva e JBS, embora as empresas atuem no mesmo segmento, o direcionamento dado por cada companhia tem sido diferente. Marfrig e BRF têm focado em marcas de maior valor agregado, já a JBS se tornou a maior empresa de alimentos do mundo e a Minerva agora é a líder de proteína animal in natura com maior foco em exportações para Ásia”, diz o analista.

Fabiano Vaz, da Nord, afirma que a Minerva foi até mais beneficiada por esse movimento, por ter conseguido comprar os ativos de abate da Marfrig, que agora está mais focada em processados bovinos.

“Esse controle da BRF até reforça a estratégia, já que é uma empresa forte em processados de aves”, afirma.

Para a JBS, Vaz não enxerga qualquer impacto, até pelo tamanho que a companhia tem, inclusive no mercado internacional.