As tradições judaicas são muito rígidas quando se trata de manejo de carne para consumo. Existem regras específicas a serem cumpridas, que precisam ser auditadas por rabinos, para que o produto possa ser vendido em Israel, por exemplo.
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Os avicultores brasileiros, porém, não enxergam as tradições como obstáculos, e estão de olho no mercado israelense, depois que o governo do país abriu seu mercado para a carne de frango daqui.

“O Brasil pode ocupar um terço do mercado de frango de Israel, que é de 666 mil toneladas por ano. Eles têm o maior consumo de frango per capita do mundo, com 65 quilos por ano. No Brasil, são 48 quilos, e nos Estados Unidos, 58 quilos”, conta Felipe Kleiman, fundador da KLM Kosher Consult.

Kleiman não só acompanhou como atuou nas negociações que envolveram esta abertura para as aves brasileiras. Ele afirma que o mercado potencial para o Brasil em Israel é de US$ 4 bilhões por ano e que o país pode ocupar este um terço do frango consumido lá em até cinco anos.

A KLM já atuou na elaboração de 16 projetos de abate e processamento de carne kosher no Brasil, sendo 13 para bovinos e três para aves. Agora, Kleiman classifica a abertura do mercado de Israel para o frango brasileiro como a “maior oportunidade que já vi aparecer” em relações comerciais.

O consultor conta que o governo de Israel tem colocado em prática, nos últimos 10 anos, estratégias para atacar abusos no mercado de alimentos, provocados pela concentração de poder por poucos grupos empresariais.

“No caso do frango, houve uma grande consolidação, que praticamente acabou com pequenas granjas. Agora, está muito verticalizado, com poucas grandes empresas dominando o mercado”.

Kleiman relata que, recentemente, o governo israelense, que acompanha de perto o comportamento dos preços dos alimentos, detectou um aumento de 3% nos custos de produção do frango e, para o consumidor final, a carne subiu 25%.

“Por isso, o governo foi atrás de alternativas para aumentar a competição. Os três maiores produtores de frango do mundo são Brasil, Estados Unidos e Indonésia”, diz o especialista.

Segundo ele, a Indonésia foi logo descartada por se tratar de um país de maioria muçulmana, o que inviabiliza a adequação aos parâmetros kosher.

“Sobraram Brasil e Estados Unidos. Só que lá, o custo é muito maior. Além disso, o Brasil é um parceiro confiável, inclusive em termos geopolíticos, já que tende a se manter neutro em confrontos internacionais”.

Kleiman conta que a discussão sobre esta parceria entre Brasil e Israel começou com uma grande empresa o procurando para ajudar a abrir os caminhos.

Agora, a questão é construir plantas que estejam de acordo com as normas. O consultor afirma que no primeiro momento, 15 unidades atenderiam o mercado potencial de 220 mil toneladas de carne de frango congelada.

“Uma unidade consegue produzir, em média, cerca de 10 mil toneladas por ano. E por conta dos feriados judaicos, um frigorífico kosher consegue trabalhar durante nove meses por ano, pela necessidade de presença dos rabinos”, diz Kleiman.

Uma das plantas que ajudou a desenvolver foi a da Korin, empresa que atua com aves sem uso de antibióticos e também com alimentação orgânica.

“Quando foi necessário um investimento adicional, a empresa decidiu interromper a produção kosher. Mas já estou conversando com o CEO para retomar, aproveitando esta abertura do mercado de Israel”, diz Kleiman.

Ele pontua as diferenças entre o mercado halau, que atende países muçulmanos do Oriente Médio, para o kosher.

“No halau, os processos permitem o abate de até 200 mil frangos por dia com duas pessoas. No abate kosher, para um número de 40 mil a 50 mil animais, você precisa de 20 pessoas atuando”, afirma.

A maior dificuldade, segundo Kleiman, está na retirada das penas. “Não é permitido esquentar a pele, algo que facilita a depenagem. Tem que ser feita a frio. E aí pode ter pele rasgada, até mesmo danificar demais a carne”.

Os judeus não podem consumir o sangue dos animais, e no processo de aquecimento do animal para retirar as penas, uma parte do sangue é cozido e retido na carne.

Para se adaptar uma unidade para produção de frango kosher, o investimento necessário fica entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, afirma Kleiman. Para bovinos, o custo é maior, entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões.

Mesmo com todos os obstáculos, Kleiman afirma que a margem conseguida pelos produtores de frango no mercado de Israel é muito boa.

“Por aqui, a carne de frango é vendida nos mercados a cerca de US$ 2 o quilo. Lá, o preço é de US$ 5 dólares, para a congelada”, conta.

O sucesso projetado por Kleiman tem como base a participação do Brasil no mercado de bovinos em Israel.

Segundo ele, as exportações de carne bovina kosher saltaram de US$ 60 milhões em 2003 para US$ 250 milhões em 2021.

“Cerca de 46,5% da carne bovina consumida em Israel é congelada, e o Brasil produz cerca de um terço dentro deste segmento. São 196 mil toneladas, bem menor que o mercado de frango”, diz Kleiman.