Uma das apostas mais ambiciosas do bilionário sulafricano Elon Musk, dono da montadora de automóveis elétricos Tesla e da companhia aeroespacial SpaceX, o serviço de conexão de internet de banda larga via satélite Starlink já tem cerca de 70 mil clientes no Brasil.
É um número expressivo, sobretudo ao se considerar que a empresa não tem representante oficial no País e hoje chega aos usuários apenas através de revendedores “não oficiais”.
Com uma constelação de mais de 4.600 satélites de baixa órbita órbita, a Starlink oferece a possibilidade de conectar até mesmo áreas remotas do planeta, o que a torna atraente para setores como o agronegócio brasileiro – hoje, cerca de 70% das propriedades rurais brasileiras não têm acesso à internet.
Nos próximos meses, as oportunidades de mercado podem ser ainda maiores para a empresa de Musk. Graças a um acordo global fechado no início de agosto, o grupo espanhol Telefónica – controlador, no Brasil, da operadora Vivo – tornou-se a primeira empresa autorizada a incorporar, em seu portfólio mundial de produtos, as soluções corporativas, que permitirá a incorporação dos serviços da Starlink.
A parceria já funciona no México e, segundo anunciou a Telefónica Global Solutions (TGS), braço de negócios do grupo espanhol, deve ser estendida em breve a outros países, a começar pelo Brasil, Peru, Colômbia, Chile e a própria Espanha.
Será um reforço e tanto para a estratégia da Vivo Empresas para conquistar mais espaço no ambiente rural. Nos últimos meses, a companhia vem fazendo uma série de movimentos para ampliar a oferta de serviços e, consequentemente, o número de clientes entre companhias do agronegócio.
Um dos mais importantes, em maio passado, foi o anúncio de adesão à ConectarAgro, associação que reúne empresas de vários segmentos para estimular a proliferação da conectividade em áreas rurais.
Com empresas como AGCO e Jacto no segmento de máquinas, Nokia e Trimble no de tecnologia, Bayer e até a concorrente TIM, a ConectarAgro afirma já ter conseguido levar internet a 14,4 milhões de hectares de propriedades rurais – mas estima o potencial total a ser coberto em 85 milhões de hectares.
“A conexão via satélite pode ser uma boa solução”, afirma Diego Aguiar, diretor de Operações do segmento digital B2B da Vivo. Segundo ele, a parceria com a Starlink ainda está em fase muito inicial e, por enquanto, não consta das ofertas que o grupo tem levado ao campo.
“O nosso portfólio permite criar todo um ecossistema de conectividade para o produtor rural, que vai desde a infraestrutura até, principalmente, o tratamento de dados”, diz. A companhia tem focado sobretudo em soluções que ampliem a automação das operações no campo, utilizando a conectividade entre máquinas e sensores, conhecida como Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês).
Com a estrutura atual, a Vivo consegue fazer parcerias e ampliar serviços para os produtores. A empresa oferece monitoramento de máquinas, informações sobre clima, gestão pecuária e de frota, e até drones para pulverização.
Desde março passado, por exemplo, a operadora tem uma parceria com o Broto, plataforma de marketplace do Banco do Brasil voltado para o setor agro, que oferece as soluções da Vivo, inclusive as voltadas para agricultura de precisão.
Além disso, grandes grupos agrícolas, como SLC e UISA, já fazem parte da carteira de clientes agro da operadora. Mais recentemente, o Grupo Bom Jesus também fechou contrato com a empresa.
A Vivo não revela investimentos específicos por setor. Segundo Aguiar, este ano a companhia deve manter aportes de até R$ 9 bilhões, de forma geral, no Brasil. Somente no segmento para empresas, onde o agronegócio está inserido, as receitas da Vivo somaram R$ 800 milhões no segundo trimestre de 2023, crescimento anual de 24%. Esse valor corresponde a mais de 6% do faturamento total da companhia.
“Temos feito uma aposta grande no agronegócio, através de parcerias, através de investimento em empresas que tenham soluções para o agro, afirmou, em entrevista recente, o CEO da Vivo, Christian Gebara.
Segundo disse, os focos da companhia estão em maquinário inteligente para as plantações, uso de drones para a pulverização, uso no futuro de veículos e máquinas autônomas, medições de temperatura, umidade, qualidade do solo.“Já estamos trabalhando com parceiros para que isso seja disponível”, diz.
De acordo com Aguiar, a maior presença no campo tem exigido até mesmo a contratação de engenheiros agrônomos para atuar ao lado de especialistas em telecomunicações para desenvolver projetos mais adequados às necessidades de cada cliente.
A Wayra, hub de inovação da companhia, já investiu em duas startups, a Ativa e a IoTag, voltadas para o monitoramento de clima e gestão de maquinário.
Aguiar admite, porém, que a infraestrutura ainda é um obstáculo para uma expansão mais rápida dos serviços oferecidos pela Vivo no campo. “Desde a privatização dos serviços, o foco ficou muito voltado para as cidades. Na última década, começaram a aparecer startups voltadas para melhorar a conectividade no campo”.
Para o executivo, a rede 4G é e deve continuar a ser a melhor solução para as necessidades do agronegócio. Isso porque a tecnologia se utiliza de ondas mais longas em relação à 5G, que é mais rápida, porém funciona com ondas curtas e exige maior infraestrutura de antenas para cobrir uma mesma área.
“A 5G serve para redes privativas. Por exemplo, dentro de uma área de indústria de cana, podemos instalar a rede para comunicação interna”, conta Aguiar. A Vivo participa de um projeto nesse sentido, desenvolvido pela São Martinho, uma das maiores companhias do setor sucroenergético.
A companhia observa ainda com atenção a evolução das discussões em torno da Lei das Antenas e do uso do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que prevê a aplicação de cerca de R$ 1 bilhão por ano para a expansão de conectividade para regiões remoras. “Essa discussão é muito importante, especialmente pensando no médio e pequeno produtor”.
Aguiar conta que um comitê gestor define o direcionamento dos recursos. “O setor tem suas demandas, mas imagino que a prioridade seja dada a escolas e outras carências sociais”.
A solução que vem do espaço
Para áreas sem acesso sequer ao 4G, porém, a parceria com a Starlink pode ser relevante. José Damico, CEO e fundador da SciCrop, empresa de análise de dados no agronegócio e que prepara o lançamento de um satélite próprio, conta que já testou a conexão da Starlink em uma fazenda. “Não chega na velocidade prometida, mas a conexão é boa”.
Segundo Damico, a Starlink consegue superar problemas causados pelo clima em outras conexões do tipo, já que seus satélites estão posicionados em altitudes mais baixas. “Eles estão em uma faixa chamada de ‘baixa órbita’, a cerca de 500 quilômetros de altura, e são satélites menores. Os mais tradicionais são maiores, e ficam a cerca de 35 mil milhas de altura”, explica Damico.
O especialista conta que o grande problema da Starlink está no impacto sobre o meio ambiente. “Hoje, eles têm 4.600 satélites, e pretendem chegar a 46 mil. Eles têm cinco anos de vida útil, e depois caem na atmosfera. O grande problema é que são muitos satélites caindo ao mesmo tempo, criando um aquecimento da camada de proteção da Terra”.