Por quase quatro décadas, a Girassol era sinônimo de Gilberto Goellner, um produtor rural, como tantos outros de Mato Grosso, que saiu do Rio Grande do Sul e conquistou o Cerrado, construindo uma das maiores sementeiras do Centro-Oeste.
O sobrenome virou referência na região, assim como os Maggi e os Scheffer. Tanto que Goellner fez uma incursão pela política – foi senador até 2010 –, além de encarar períodos mais desafiadores nos negócios.
Nos últimos cinco anos, o empreendedor profissionalizou o comando de sua empresa, a Girassol Agrícola. Deixou a lida cotidiana e delegou as decisões a uma executiva de sua confiança.
O AgFeed conversou com a escolhida de Goellner, Neusa Lopes, que trabalha no grupo há 12 anos, tendo iniciado pela área financeira e assumiu a posição de CEO em 2018.
"Não sou parente dos sócios, sempre perguntam isso, mas, nesta convivência de mais de 10 anos, sinto como se fosse”, diz Neusa. “Existe um apego em relação a história, às batalhas que tiveram"
Gilberto Goellner atualmente é presidente do conselho de administração da empresa. A CEO diz que, mesmo aos 78 anos, “ele não para, continua pensando ativamente em projetos de expansão, mas saiu um pouco do dia a dia".
A missão de Neusa Lopes tem sido garantir um crescimento sustentável e ampliar práticas de gestão, com mais foco em Recursos Humanos, por exemplo, “mas sem perder o perfil mais conservador em relação ao negócio", como faz questão de dizer.
Uma das conquistas recentes da executiva foi a empresa ter conquistado o certificado Great Place do Work (GPTW), sendo a única sementeira entre as médias empresas do agronegócio classificada no ranking de melhores para trabalhar.
A previsão é contabilizar este ano um faturamento de R$ 1,2 bilhão, aumento de cerca de 10% em relação ao ano anterior. A produção e comercialização de sementes de soja, milho e algodão para diferentes regiões do Brasil representam 60% da receita.
"Conseguimos esta melhora no faturamento porque estamos ampliando o negócio e por ter feito um reposicionamento estratégico em sementes, o que compensou os preços, que tiveram queda significativa este ano”, disse Neusa.
A mudança de estratégia, segundo ela, está relacionada a uma melhor precificação do portfolio de sementes, que agora tem 80% no chamado modelo de licenciamento restrito, em que poucas empresas oferecem determinadas cultivares.
Também houve uma aposta maior na venda direta das sementes aos produtores rurais, com equipes dedicadas para cada uma das culturas.
"Hoje em sementes de algodão a Girassol Agrícola já é líder de mercado, seguindo essa estratégia de diferenciação, com materiais exclusivos, e chegando com mais força em outras regiões, como Pará, Maranhão e Tocantins”, ressalta a executiva.
Neusa Lopes admite que a empresa já teve uma produção maior do que contabiliza hoje, mas diz que foi uma decisão pensada, de colocar mais foco no negócio de sementes a partir de 2010 e voltar a crescer de forma "sustentável".
A área plantada com soja, milho e algodão está subindo de 50 mil hectares para 55 mil hectares na safra 2023/2024.
Nem tudo é direcionado a sementes, já que 40% do faturamento da Girassol ainda se refere a venda de commodities e também a comercialização de biomassa, em função de 7 mil hectares plantados com eucalipto.
Plano de expansão
A CEO da Girassol diz que a intenção é seguir crescendo entre 10 e 15% ao ano no mercado de sementes e quase dobrar a área cultivada com commodities agrícolas no prazo de 5 anos.
O projeto que mais empolga a executiva no momento é, no entanto, a perspectiva de triplicar a área plantada com eucalipto.
"Há uma demanda muito forte por parte das usinas de etanol e esmagadoras da região por essa biomassa, mas temos a expectativa de que em breve tenhamos alguma indústria de papel e celulose na região Sul de Mato Grosso", revelou a CEO.
O grupo entende que áreas arenosas e, principalmente, as pastagens degradadas destas regiões de Mato Grosso são capazes de garantir altas produtividades em florestas plantadas, seguindo os resultados que já vêm sendo alcançados até agora.
As conversas com grupos do setor de celulose ocorrem há alguns anos e, segundo Neusa Lopes, já há visitas feitas este ano "por grupos internacionais” para avaliar a capacidade da Girassol de ampliar o cultivo de eucalipto.
"É algo que o fundador Gilberto Goellner sempre acreditou. Ele fala nisso há 10 anos e agora está prestes a se concretizar, poucas pessoas teriam pensado e acreditado", afirma.
Ela diz que o baixo investimento em eucalipto na região deve-se ao prazo maior para dar retorno, o que demanda mais capital inicial.
Nos planos da Girassol de faturar R$ 1,8 bilhão daqui a 4 anos não estão na conta as vendas do eucalipto justamente porque demora em média 7 anos para dar resultado.
Enquanto não chega a fábrica de celulose, o grupo segue investindo na ampliação de área plantada de soja e milho, principalmente em áreas mais ao Norte de Mato Grosso, já próximas do estado de Rondônia.
A executiva prevê que no prazo de 4 anos a área plantada com soja pelo grupo suba dos atuais 35 mil hectares para mais de 75 mil hectares. No algodão, por enquanto, a área segue a mesma. Já o milho ainda é uma cultura que “requer atenção", segundo Neusa, em função da forte queda de preços registrada em 2023.
Mercado de capitais
Em novembro do ano passado a Girassol Agrícola fez a sua primeira – e até agora única – emissão de CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), no valor de R$ 183 milhões em até sete anos.
Neusa Lopes diz que os recursos vêm sendo utilizados em várias frentes, principalmente na expansão de 20 mil hectares em área plantada, mas também na instalação de novas unidades de beneficiamento de sementes (UBS), como uma recente, na Bahia, com capacidade de beneficiar 400 mil sacas.
"Já investimos R$ 100 milhões somente no negócio de sementes nos últimos dois anos", afirma.
A executiva não dá detalhes sobre quanto já foi utilizado, mas admite que os recursos da emissão do CRA de 2022 também foram utilizados como “reposicionamento financeiro”.
A conversão de áreas de pastagens em lavouras também demandou outros R$ 100 milhões, segundo ela, mas nesta conta foram utilizados não apenas os recursos do CRA, mas parte dos lucros aprovados pelo acionista e financiamento obtido no BNDES em linhas de investimento.
"Os acionistas seguem com uma abordagem mais conservadora na captação de recursos e no crescimento também. Quando a commodity estava alta, nós vimos aquela “debandada”, todo mundo abrindo área a qualquer custo”, afirma Neusa.
“Este crescimento exacerbado é perigoso. Nós temos um projeto, mas nosso olhar não é focado exclusivamente no pilar econômico e financeiro", garante Lopes.
O endividamento líquido da Girassol hoje, segundo ela, é de 1,5 vez o Ebitda.
Perguntada sobre planos para um possível IPO, já que empresas de sementes vêm se arriscando mais no mercado de capitais, ela diz que já estudou o assunto, até já levou esta possibilidade para o acionista, mas que no curto prazo ainda preferem atuar neste modelo de empresa familiar.
"Quem sabe uma próxima geração acabe decidindo por esse caminho, não sei, mas posso garantir que não é por falta de olhar", diz.
Momento atual
A Girassol Agrícola garante que o momento de preços mais baixos para produtos como soja e milho e as recentes oscilações na taxa de câmbio não assustam.
"Nós convivemos com essa variável faz bastante tempo e sempre tivemos curvas até mais severas do que estamos vendo agora. Muitas vezes a conta não fechava e ainda assim a gente sobrevivia", conta Neusa.
A executiva ressalta que o importante é fazer a gestão de risco, travar parte dos custos com antecedência, um modelo que a empresa adotou depois de “algumas lições do passado".
Neusa Lopes diz que, apesar da queda de preço, o negócio segue muito rentável e lucrativo e que o problema é aquele produtor que se baseia nos picos de preço e não no conjunto de variáveis envolvidas.
Em função deste cenário, a CEO da Girassol descarta, por enquanto, novas emissões de CRA. "É um mercado mais desafiador, por isso, como temos um perfil conservador nosso foco está nos projetos já existentes, que se sustentam com os recursos que já tomamos".
A estratégia de comercialização da Girassol para a safra que começa a ser plantada agora, em setembro, foi vender de forma antecipada somente o equivalente a 30% dos custos de produção.
"Se o mercado tivesse bom, teríamos vendido mais, desta vez preferimos deixar para seguir avançado aos poucos".
Ela revela que 90% dos insumos já foram comprados, principalmente para a soja. Já os fertilizantes para o milho ainda não foram adquiridos.
"Eu acredito que todas as culturas ainda entregam bom resultado na próxima safra, mas o milho demanda mais energia no gerenciamento da tomada de decisão de margem", explica.
Neusa destaca que o produto da Girassol, a semente, é um insumo chave para o produtor. Portanto, o mercado seguirá avançando. Segundo ela, basta manter o diferencial em relação a qualidade.