“Eu não estava com vontade de voltar ao dia a dia da empresa”, admite Welles Pascoal em entrevista ao AgFeed. “Mas pela conexão, pelo carinho que tenho com a AgroGalaxy, disse que faria uma exceção neste momento”.
Ex e novamente CEO da distribuidora de insumos agrícolas, o executivo, com mais de 40 anos de experiência, atendeu a um chamado do presidente do Conselho de Administração, Sebastian Popik.
O “momento” a que se refere é o de “arrumação da casa”, que sofreu pela reversão do mercado, que pegou a AgropGalaxy – e algumas de suas concorrentes, diga-se – com estoques em níveis historicamente altos em um cenário de demanda baixa e preços em queda.
Pascoal ocupa temporariamente, segundo diz, o posto que pertence a Sheilla Albuquerque, licenciada para tratamento de saúde. E sua primeira missão tem sido conversar. Com clientes, fornecedores e com o mercado, que também passou a comentar e a precificar as dificuldades da companhia.
Com menos de um mês de gestão, o executivo afirma que está próximo de resolver o principal problema encontrado na AgroGalaxy: o excesso de insumos em estoque.
“Estávamos com 30% dos insumos contratados no nosso inventário. É um recorde, eu nunca tinha visto isso. Agora, estamos com 90% do problema equalizado, e em 15 dias, terminamos esse processo”.
A solução, conta Pascoal, envolveu devolução de produtos para os fornecedores, prorrogação de prazos para pagamento e renegociação de preços.
Segundo ele, o crescimento não é prioridade para a AgroGalaxy neste momento. “Temos que colocar a casa em ordem. Nosso foco é produtividade e entregar resultados. Não vou dizer que teremos crescimento zero, mas vamos ser muito seletivos, e talvez até combinar lojas que ficam próximas”.
Confira trechos da entrevista dele ao AgFeed:
Como enxerga a Agrogalaxy neste seu retorno ao comando da empresa?
Eu saí em agosto do ano passado, a Sheilla (Sheilla Albuquerque) assumiu em setembro de 2022, depois de um período de transição que durou um ano. Quando eu saí, não tinha essa condição de um mercado conturbado. Não tinha o plano de voltar, eu estava no conselho da AgroGalaxy. Meu plano era seguir no conselho, contribuindo com a empresa. Por um problema de saúde da Sheilla, ela teve que se afastar. O presidente do conselho, Sebastian Popik, disse que eu seria a melhor pessoa para assumir novamente neste momento.
Seu projeto pessoal não passava pela volta ao mundo corporativo...
Eu não estava com vontade de voltar ao dia a dia da empresa. Tenho um projeto de produção de vinhos em Minas. Estou muito entusiasmado com esse projeto. Mas pela conexão com a empresa, tenho um carinho enorme pela AgroGalaxy, disse que faria uma exceção. Tive de organizar minha vida pessoal e outros negócios para assumir, mesmo que por um período limitado. Não sei se serão quatro meses, seis meses, oito meses. Até que tenhamos uma definição sobre a saúde da Sheilla, que é o mais importante neste momento. Quero ajudar a empresa a passar por este momento turbulento.
Qual é a situação atual?
Tenho 42 anos de agronegócios, já passei por outras crises nesse mercado. A que estamos vivendo neste momento não chega sequer perto das de 2008 e 2015, que foram muito complexas. O problema desta vez é de falta de pagamento por parte dos produtores. Havia uma expectativa grande de alta nos preços dos grãos e não aconteceu. Também tivemos uma pressão nos preços dos insumos e uma taxa de juros alta, com a Selic a 13,75% ao ano, o que aumenta o custo de captação. O real apreciado frente ao dólar também traz menos receita para o produtor.
Qual a estratégia para sair desta crise? Ela pode se prolongar?
O agricultor tem recursos, continua tendo lucro. Alguns deles estão atrasando entre 45 dias e 60 dias seus compromissos. Temos que ir atrás. Como empresa, nosso primeiro foco é o caixa. Precisamos ter um caixa sadio. No resultado do primeiro semestre, vai aparecer um nível de caixa muito saudável. Isso faz a AgroGalaxy ter uma boa condição ante os compromissos que possui. A segunda prioridade é entregar o plano para o ano. Para isso, precisamos ajustar algumas coisas.
Por exemplo?
Primeiro, os inventários de insumos que ficaram dentro de casa. Nós fechamos a safra 22/23 com 30% do que foi contratado de insumos químicos dentro do estoque. Eu nunca vi isso nestes meus anos de agronegócios. Normalmente, esse inventário fica com cerca de 10%, 12%, no máximo em 15%. Ter 30% é recorde mesmo, nunca tivemos.
O segundo problema é que este inventário tinha um preço muito alto. Então, chamamos os fornecedores e vamos analisar. Equalizar preços, ver que produtos não serão vendidos e devolver.
Eles aceitaram bem essa proposta?
A aceitação foi muito positiva. De começo, alguns tiveram uma reação contrária mais forte. Mas eles perceberam o cenário do mercado, que não afeta somente a AgroGalaxy. Assim, aceitaram a devolução de parte do inventário, prorrogaram prazo de pagamento para o que ficou na empresa e equalizaram os preços. Esta renegociação nos coloca em condição de entregar o planejamento do ano.
Qual é esse plano?
Não temos a perspectiva de crescer muito, o momento é organizar a casa. Isso aparece no nosso plano de abertura de lojas. Devemos abrir somente oito lojas, que já estavam com equipe e prédios contratados. Estudamos melhor onde vamos colocar o dinheiro. Nós vamos crescer nas lojas que estão chegando em ponto de maturação. Temos hoje cerca de 170 lojas abertas. Deste total, entre 35% a 40% estão alcançando agora esta maturidade, ou vão alcançar entre um a dois anos.
Outro ponto de crescimento vem do uso adicional de fertilizantes nesta safra que está começando, com os preços voltando aos patamares normais. Priorizando os produtos que têm melhores margens. Não queremos fazer negócios por volume, queremos margem.
Algum foco especial nesse sentido?
Temos os mercados de sementes e especialidades, que são muito importantes para a AgroGalaxy. Principalmente especialidades, que têm uma rentabilidade muito boa. Vamos olhar com lupa o que podemos economizar, e é um momento muito importante para estarmos perto do nosso time também. Quanto à crise do mercado, tem tudo para terminar no próximo ano, depois da colheita. Somente algum imprevisto pode alongar mais essa situação.
Uma das coisas que se falava no mercado era que havia problemas na relação da empresa com fornecedores. Como está a renegociação?
Agora, em julho, terminamos todo o processo de ajuste destes inventários. Hoje, nós estamos 90% prontos. Nos próximos 15 dias, nós terminamos este processo, com uma perspectiva muito boa. Ao final deste mês, teremos a lição de casa feita. Nós renegociamos preço e devolvemos o que for excesso. O retorno de um varejista de insumos é muito pequeno. Não podemos nos dar o luxo de ter tanto estoque de uma safra para a outra.
A que atribui este problema de inventário tão alto?
Como tivemos uma produção recorde em 22/23, o mercado de insumos teve uma sede muito grande, se estocou mais do que o necessário. Alguns produtos não foram muito utilizados. O varejista compra um pacote completo e, se tem menos praga, menos doenças, se usa menos insumos. Vamos lembrar também que as fábricas, quando voltaram das paradas provocadas pela pandemia, o fizeram com a carga máxima. O nível de competitividade no Brasil é altíssimo, as maiores empresas do mundo estão aqui, todo mundo querendo crescer muito. O Brasil é o país em que o mundo vê mais oportunidade para insumos. Porque continuamos avançando em tecnologia e em área plantada.
E do lado da inadimplência dos produtores, como está a situação?
Temos sido muito proativos no trabalho com os clientes. Quem não nos procura, nós procuramos. Procuramos entender se houve alguma quebra de safra, que no geral é muito baixa, ou se o agricultor não paga porque está com o grão parado. Nós queremos que ele use esse grão para pagar a conta. Uma parte deste dinheiro é nosso. A grande maioria tem boa fé, mas se for preciso, nós negativamos o cliente e chegamos até às vias jurídicas. Mas isso é uma minoria. De modo geral, conseguimos negociar. Temos tido bastante sucesso. Teremos uma inadimplência maior, mas dentro de um patamar controlável.
É possível dizer em números como está a inadimplência?
Não consigo dizer, mas está maior que o verificado nos últimos três, quatros anos. Sempre tivemos um patamar bem saudável de inadimplência. Acredito que precisamos esperar mais 30 ou 60 dias para ter um cenário mais preciso. O governo anunciou um Plano Safra de quase R$ 370 bilhões que começam a ser liberados neste mês, é uma excelente oportunidade para o agricultor usar uma parte dos recursos para fazer esta renegociação.
Você mencionou a venda de sementes e de especialidades. Esta é uma das grandes apostas da AgroGalaxy para sair da crise?
Estamos crescendo muito na venda de sementes, principalmente para os produtores de grãos, como soja e milho. Em especialidades a margem é muito alta, chega a ser o dobro de insumos químicos e é maior também que sementes. No caso de grãos, a margem é muito pequena. Então, atuamos mais para ajudar o agricultor na comercialização e também aceitamos como troca, já que é a moeda do produtor. Então, nossas apostas são em especialidades, sementes, insumos e grãos, nesta ordem.
Como projeta a empresa para depois desta próxima safra? Como está o plano para o período 24/25?
Nos próximos dois anos, o nível de abertura de lojas será muito baixo. Teremos um novo modelo de operação a partir do ano que vem, com muito foco em produtividade, principalmente em organizar processos. Nós tivemos oito aquisições, e um momento de três safras seguidas muito boas. Nunca tivemos a chance de olhar para dentro da empresa, porque o foco era crescimento. Agora, queremos nos concentrar em resultados. Não vou dizer que vamos crescer zero, mas seremos muito seletivos. Talvez combinar lojas que sejam próximas. Então, a ordem é focar no cliente e gerar resultados. Os próximos dois anos serão desta forma. Daí para frente, vai depender do mercado. Nós temos liderança neste mercado. Temos que aproveitar isso. Temos 11 centros tecnológicos, onde buscamos soluções e apresentamos aos clientes. Queremos estreitar mais as nossas relações com fornecedores também.
A relação ficou desgastada?
Eu diria que está excelente. Podemos dizer que um ou outro ficou chateado, porque tivemos que conversar sobre ajuste de inventário, devolução de produtos, prorrogar prazos de pagamentos. Pode ter criado clima que naquele momento, não foi bom. E a formação do portfólio depende muito da AgroGalaxy também, tem que ser interessante também para a empresa ter aquele produto. Mas fazemos isso de forma muito respeitosa. Acho que isso é bem visto por eles.