A aposentadoria não combina com o engenheiro agrônomo Welles Pascoal. Homem de grandes negócios, em 38 anos de carreira no mundo corporativo ele comandou empresas do porte da Dow Agrosciences, da qual foi CEO no Brasil, e da distribuidora de insumos AgroGalaxy.
No ano passado ele decidiu retirar-se da rotina atribulada. Já vinha procurando por opções interessantes que pudessem ocupar seu tempo. "Como bom mineiro, comecei pesquisando o mercado de queijos", conta ele. Mas foi o vinho que conquistou sua atenção. E que, como não podia deixar de ser, transformou em negócio.
Agora, trabalha em jornada dupla. Com a AgroGalaxy vivendo um momento delicado - depois de anos de expansão acelerada e com a principal executiva, Shelia Albuquerque, em licença médica - Pascoal foi chamado de volta. Desde a semana passada voltou a dar expediente, novamente como CEO da companhia. E com uma missão espinhosa.
A AgroGalaxy enfrenta um período difícil. O balanço do primeiro trimestre mostrou que a empresa sentiu o refluxo do mercado de insumos depois de anos atípicos de vendas muito fortes. Sobretudo 2022, quando, com medo dos efeitos da crise na Ucrânia sobre o mercado de fertilizantes, produtores e revendas reforçaram seus estoques.
Agora, com o fornecimento normalizado e as cotações das commodities agrícolas em baixa, a demanda por insumos caiu bruscamente. E encontrou algumas distribuidoras alavancadas e com armazéns abarrotados. Os preços dos insumos também sofreram reduções, configurando uma tempestade perfeita sobre o setor.
Na AgroGalaxy, o primeiro efeito foi a sublimação do apetite por novas aquisições e, nas palavras do CFO, Mauricio Puliti ao AgFeed, "ser mais cuidadoso com o caixa". Isso inclui redução de custos, cortes de pessoal e até estudos de possível venda de ativos.
O retorno de Pascoal à empresa surpreendeu até mesmo pessoas próximas a ele. Sua chegada coincidiu, por exemplo, com as notícias do início de uma série de demissões em diferentes áreas. Somente na comercial, teriam sido cerca de 40 dispensas. Alguns departamentos foram extintos, com suas operações terceirizadas, segundo apurou o AgFeed.
Pascoal traz um reforço para o seu time. Com ele, chega à AgroGalaxy um antigo parceiro, Axel Labourt, ex-diretor comercial da Dow Agrosciences e com passagem pela Corteva. Labourt será uma espécie de braço direito de Pascoal e atuará como vice-presidente de Operações.
Sob seu comando estarão nada menos que seis diretorias: Planejamento Estratégico, Integração e Originação; Soluções Agronômicas e Pesquisa & Desenvolvimento; Estratégia e Comercialização de Sementes; Transformação Digital; Gente & Gestão; e Operações – que envolve as dez unidades de negócio espalhadas pelo País.
A volta às tensões do mundo corporativo atendeu a uma convocação de Sebastian Popik, presidente do Conselho de Administração do AgroGalaxy e fundador do Aqua Capital, fundo controlador da companhia.
Popik já havia recorrido a Pascoal antes, ao chamá-lo para liderar a AgroGalaxy durante o processo de IPO, realizado em julho de 2021. Já naquela ocasião o executivo havia manifestado interesse em desacelerar e cuidar de projetos pessoais.
“O Welles sempre nos inspirou e foi fundamental para chegarmos aonde estamos hoje. Temos absoluta confiança de que o retorno dele ao cargo de CEO irá contribuir para mantermos nossa liderança no mercado, mantendo nosso foco no produtor e todos os elos da cadeia do agronegócio”, afirmou Popik em nota.
Pausa no vinho
Prova de que o retorno não estava nos planos de Pascoal - e de que Popik deve ter sido incisivo na convocação - foi a forma relaxada e entusiasmada, como, dias antes de ser chamado de volta à AgroGalaxy, ele contou ao AgFeed detalhes de seu ambicioso projeto, que mistura em um mesmo pacote enologia, turismo e gastronomia.
"Eu já gostava da bebida, e percebi que seria um projeto de longo prazo que aproximaria a família", disse. Assim, da alma empreendedora de Pascoal, surgiu a Alma Mineira, vinícola localizada na cidade de Senador José Bento, no sul de Minas Gerais, perto de Pouso Alegre.
Trata-se de uma iniciativa que não apenas está ligada à herança italiana da família de Pascoal, como pretende consolidar ainda mais o setor vitivinícola da região.
Minas Gerais, afinal, não é exatamente um paraíso geográfico adequado para o cultivo da Vitis vinifera, família de uvas usadas na produção de vinhos finos.
O Estado está bem longe da faixa entre as latitudes 30 e 50 graus que oferecem as condições tidas como ideais. Mas graças a uma técnica inovadora, a dupla poda, ou poda invertida, diversos viticultores estão tendo sucesso na desafiadora empreitada.
O processo foi criado e aperfeiçoado pelo professor Murillo de Albuquerque Regina, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Ela consiste na realização de duas podas, uma feita em meados de agosto e outra janeiro, o que altera o ciclo de desenvolvimento da videira, concentrando sua maturação nos meses mais secos, de maior amplitude térmica. São os chamados vinhos de inverno.
Há um movimento crescente na região, e os resultados são surpreendentes. Na edição mais recente do prêmio britânico Decanter World Wine Awards, conhecido pelo rigoroso processo de seleção dos melhores vinhos, apenas dois rótulos brasileiros receberam medalha de ouro: um branco feito no Rio Grande do Sul e um tinto produzido em Piranguçu, não tão distante de onde está a Alma Mineira.
"Eu conheci o Murillo, criador da técnica, e percebi que havia potencial", diz Pascoal. O empreendedor optou por plantar mil pés de Syrah, variedade que já se adaptou ao clima da região, em um solo de alta qualidade que foi usado para o cultivo de café durante mais de 100 anos na propriedade da família.
"Como engenheiro agrônomo, fiquei apaixonado quando vi o desenvolvimento da planta", conta Pascoal. Após o teste inicial, ele acelerou o processo de plantio.
Hoje, a estrutura já está montada, com capacidade de produção anual de 100 mil garrafas. "Mas há a possibilidade de expansão", diz Pascoal.
O vinhedo conta com 8 hectares e meio já plantados com as variedades Syrah, que representa a maior parte, além de Sauvignon Blanc, casta usada na produção de vinhos brancos, e a tinta Cabernet Franc.
Atualmente, ele está plantando mais 5 hectares, com outras variedades, incluindo Marselan, Cabernet Sauvignon, Viognier e Petit Verdot.
Embora todas as uvas sejam de origem francesa, Pascoal afirma que pretende trazer também algumas castas italianas, como a Nebbiolo, base para os grandes Barolo, no Piemonte. Seria uma forma de homenagear a ascendência italiana da família.
O primeiro rótulo, Felício, uma homenagem a seu pai, já está finalizado. Feito com Syrah, foi apresentado oficialmente há algumas semanas no festival de vinhos de inverno de Campos do Jordão. O objetivo é começar a vendê-lo no final de julho.
O primeiro lote foi composto pelo vinho que passou apenas por tanques de inox. "Separei uma parte para estagiar em barricas de carvalho francês, e esses serão vendidos a partir de dezembro", diz Pascoal.
Há também um plano em curso para abrir a vinícola para visitação. O projeto arquitetônico foi elaborado por Vanja Hertcert, responsável pela estrutura de outros produtores, como Luiz Argenta e Don Laurindo.
Após uma viagem pelo sul de Minas, ela criou um conceito baseado nas estações de trem características da região. A abertura está prevista para o ano que vem.
A partir de 2024, Pascoal vai começar a etapa seguinte. "Quero implementar um hotel boutique e, assim, unir turismo, enologia, gastronomia e visitação", conta.
Sem revelar as cifras, afirma que o alto investimento foi feito com recursos próprios. "Eu acredito no projeto e decidi colocar meu dinheiro aqui. É um investimento que vai crescer demais".
Sua iniciativa pode dar ainda mais corpo à indústria vitivinícola local, que já conta com uma importante entidade, a Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin).
O objetivo é fomentar também a profissionalização do setor. "Não temos perto de nós uma escola de enologia. Acho que esse seria o próximo passo, colocar uma instituição para formar gente interessada", diz.
"Meu plano é produzir vinhos excepcionais. Não quero ser só mais um produtor", afirma o engenheiro agônomo, que já está com um pé na enologia. "Espero que nos próximos anos a gente possa estar falando de prêmios ganhos por aí".
Tudo isso, pelo jeito, terá de esperar. Pascoal agora está em missão. Só depois poderá brindar.
*Com reportagem de André Sollitto