Kriss Corso tem um plano de voo bem definido. Nos próximos meses, CEO da Perfect Flight espera poder anunciar a aterrissagem definitiva da startup paulista nos Estados Unidos, anunciando uma parceria com um investidor local.

“As conversas estão avançadas, estamos na fase de avaliação da documentação”, afirma o empreendedor ao AgFeed. Com um NDA (sigla em inglês para Non Disclosure Agreement, ou acordo de não divulgação, em tradução literal) assinado, ele preserva os detalhes e, sobretudo, o nome do novo parceiro.

Revela, porém, que os dólares a serem captados nessa rodada de captação (a busca é por US$ 10 milhões) não serão o principal combustível para que a empresa voe pelos ares americanos.

“O que buscamos é o valor estratégico desse parceiro para os negócios, as possibilidades que ele pode nos trazer para um maior alcance internacional da empresa”, resume.

Corso é também produtor rural. Ao lado do primo, Josué, comanda o grupo JCN, que atualmente possui fazendas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo e cultiva 90 mil hectares entre soja, milho e algodão.

Por isso, diz que pilota a Perfect Flight no ritmo do campo, sem pressa, respeitando o que as condições externas lhe trazem. A expansão internacional é um exemplo disso.

“A gente cresce conforme o bolso permite, a empresa é gerida para ser saudável”, diz. O crescimento apresentado até aqui pela empresa vai além da velocidade de cruzeiro.

Bastaram poucas safras para que a iniciativa dos dois jovens produtores se transformasse em uma plataforma que, segundo seus sócios, detém o maior banco de dados de pulverização agrícola do mundo.

Cerca de 39 milhões de hectares já fora processados pelo software de mapeamento e análise de pulverização aérea da Prefect Flight, que, como o nome em inglês indica, busca oferecer às empresas mais eficiência e assertividade nas aplicações por aviões e drones.

Acordos com grandes empresas do agronegócio, como Koppert, SLC e Raízen, vem garantindo uma expansão acelerada – o banco de dados tinha 16 milhões de hectares processados em 2021, ou seja, mais que dobrou em dois anos.

A construção da plataforma que analisa os dados de aplicação de cada talhão teve início em 2015, mas a trajetória dos fundadores começou bem antes. O avô deles, Josué Corso Neto, teve o primeiro contato com o agronegócio em São João da Boa Vista (SP), onde comprava frutas e verduras nas fazendas e revendia para os feirantes da região.

Mais tarde passou de vendedor a produtor rural e em 1979 fundou o grupo JCN. Em 2008, depois de um exame de rotina em São Paulo, Josué Corso Neto morreu de forma repentina.

A sucessão familiar foi diferente do convencional e o comando passou direto do avô para os dois netos. Josué tinha 29 anos e Kriss, 22 anos na época.

Para continuar expandindo os negócios e honrar o trabalho antecedido pelo avô, os primos criaram estratégias para reduzir o custo de produção nas propriedades e 'fechar as torneiras’ como eles gostam de relatar.

Entre as melhorias, eles perceberam a necessidade de elaborar uma gestão da aplicação de insumos, um sistema que pudesse mapear a eficiência da operação com responsabilidade social e ambiental nas áreas atingidas durante o voo. Foi assim que, em 2015, nasceu a Perfect Flight.

O projeto piloto foi testado nos hectares do grupo JCN. Em 2017 a proposta ganhou corpo e passou a fazer parte do time de startups do Pulse HUB, um hub de inovação aberta da Raízen, em Piracicaba.

O desenvolvimento e implantação da ferramenta contou com a consultoria e validação da Unesp Botucatu. O engenheiro agrônomo e professor que participou do processo, Ulisses Antuniassi, conta que o primeiro passo foi entender a forma de cálculo utilizada pelo algoritmo e adaptar à realidade e características da aplicação prática.

“A gente alinhou as expectativas entre o que a ferramenta propunha com toda a sua inovação, com o que o campo, de fato, entendia como realidade e qualidade da análise operacional”, enfatiza o professor.

“A percepção do mercado foi que nós tivemos uma melhoria muito grande e muito significativa no atendimento, porque os índices e os resultados oriundos do algoritmo passaram a refletir melhor a realidade no campo”,.

O processo começa com o primeiro voo. Todas as informações registradas durante o trajeto, como, por exemplo, deslocamento, manobra, área aplicada e deriva, ficam armazenadas no sistema LOG da aeronave, que é similar ao termo conhecido como caixa preta em aviões de passeio.

Os arquivos do LOG são compartilhados diretamente pelo aparelho da aeronave ou via pendrive no caso de modelos mais antigos. Com esses dados em mãos, a Perfect Flight analisa e cruza todos os parâmetros na plataforma, usando algoritmos e inteligência artificial, além de outras ferramentas, como por exemplo, Power BI.

O resultado é um grande relatório com quatro índices principais: acerto, desperdício, falha e uniformidade. O piloto do avião importa esse novo arquivo LOG que vai direcionar as aplicações naquele ciclo.

Durante a operação, o produtor consegue acompanhar o que está sendo feito através do aplicativo no smartphone. O serviço pode ser contratado por demanda, de acordo com a necessidade da safra e da cultura.

Quanto mais safras forem mapeadas, maior assertividade na próxima temporada, diz a empresa. Em clientes monitorados foi registrado um aumento de 20% na capacidade de aproveitamento da pulverização. Lavouras que alcançavam 70%, passaram a atingir 90% de eficiência, de acordo com a agtech.

O diretor de operações, Leonardo Luvezuti, gosta de explicar a tecnologia usando uma palavra não existente no português (ainda), que é ‘pulverizabilidade’, um sinônimo mais adequado para aplicabilidade na operação.

“O agricultor consegue conhecer um pouco mais da capacidade de pulverização da área e saber o quanto ele consegue fazer com o avião, com o trator e com o drone, que está entrando agora”. Esse banco de dados cria um histórico da fazenda e é possível otimizar as próximas safras”, ressalta.

Pulverização sustentável

O avanço da empresa e o uso crescente da plataforma também são influenciados pela maior adoção de bioinsumos na agricultura brasileira. Os defensivos biológicos, por exemplo, são aplicados por meio de drones que, aliados a tecnologias como a oferecida pela agtech, oferecem maior segurança.

“Como os biodefensivos são organismos vivos, você precisa ter uma maior e melhor acurácia na aplicação para você não ter efeitos negativos. É um controle que mostra onde, como e quando os biológicos foram aplicados”, afirma Luvezuti.

Outro benefício destacado por Luvezuti é que a precisão durante o trabalho contribui para a produção sustentável através de um mapeamento mais seguro da área.

“Com essas informações é possível melhorar o direcionamento das aplicações, evitar áreas que não podem receber fertilizantes ou defensivos, como [por exemplo] áreas que contenham polinização de abelhas, preservação, mananciais ou moradias. Então, esse histórico personalizado da fazenda é muito importante para a sustentabilidade local”.

Próximos voos

Seis anos depois de implantada, a empresa ampliou o portfólio de culturas e além de grãos e fibra, atua na cana-de-açúcar, citrus e hortifruti. A fronteira Brasil foi ultrapassada com clientes na Argentina, Paraguai e Honduras.

O próximo passo agora é o mercado norte-americano, que possui a maior frota de aeronaves agrícolas do mundo, com o Brasil está em segundo lugar.

A Perfect Flight instalou um escritório na Iowa State University, em Ames (EUA). Três operações comerciais já estão em negociação, segundo Kriss Corso.

“Tivemos de passar por um processo de adaptação do nosso sistema às necessidades do mercado americano”, explica. “Lá, o modelo de contratação não é por propriedade, mas por uma espécie de cooperativa, que cadastra diversas áreas para viabilizar um voo”.

O potencial do mercado americano é imenso. Corso estima em 100 milhões de hectares por ano a área para pulverizações aéreas nos Estados Unidos.

De vias aéreas para terrestres, outro objetivo da empresa é desenvolver uma plataforma com o mesmo conceito de inteligência agronômica e gestão de dados para pulverização, mas desta vez, em terra, com máquinas agrícolas. O projeto está em fase piloto iniciando os primeiros testes.

“O que a gente quer é que independentemente da forma que seja feita essa aplicação - aérea, drone ou terrestre - é que a gente consiga olhar para o padrão de qualidade e acerto de dose no local correto”, finaliza Corso.