Controlador do Marfrig, segundo maior grupo de proteína animal do mundo, Marcos Molina está a R$ 4,5 bilhões de se tornar líder de um bloco majoritário també na BRF. O valor corresponde à subscrição, a R$ 9 por unidade, de novas 500 milhões de ações a serem feitas pelo Marfrig e o fundo saudita Salic, caso os demais acionistas aceitem a oferta feita esta semana em comunicado enviado à B3 pelos dois grupos.

Caso a operação seja aprovada e venha a ocorrer, a Marfrig deve ver sua participação na composição acionária da BRF subir dos atuais 33,27% para 38%. O Salic, que hoje não possui ações, passaria a deter 15%. Assim, juntos, formariam um bloco de controle com 53% do total do capital.

Os demais acionistas, por sua vez, devem ter seu capital diluído. Previ, com 6,24%, e Kapitalo, com 5,14%, são os principais minoritários, com cerca de 0,5% das ações ficando para o conselho, tesouraria e diretoria, enquanto os outros 54% estão diluídos em posições menores.

A maior concentração do poder nas mãos de Molina foi bem vista pelo mercado, pelo que se pode ver nas primeiras horas após o anúncio. Segundo analistas, essa injeção de capital por meio da compra de novas ações pode resolver um problema de fluxo de caixa da BRF, além de fortalecer a entrada no mercado oriental com a ajuda da Salic.

Em relatório enviado a clientes na noite da quarta-feira 31 de maio, o BofA (Bank of America), alterou sua recomendação para o papel da BRF de uma posição underperform, o equivalente à recomendar venda, para uma posição neutra. Além disso, aumentou o preço-alvo da ação ao final deste ano de R$ 6,30 para R$ 8,50.

O movimento positivo da ação da BRF continuou a ser visto nesta quinta-feira (1). Por volta das 15h30, o papel do frigorífico avançava 3,80%, cotado a R$ 8,44. Já a ação da Marfrig subia 0,90%, valendo R$ 6,70.

A expectativa também é que a realização de uma antiga ambição do controlador da Marfrig de ter as rédeas da BRF crie um clima de entendimento quase inédito entre os acionistas.

Desde que a empresa foi criada, em 2009, com a fusão de Sadia e Perdigão, disputas por assentos no conselho e pelo comando da gestão foram frequentes, envolvendo nomes pesados dos mercados corporativos e de capitais.

A possibilidade de pacificação ficou evidente pelas declarações, em uma conversa com o AgFeed, do sócio de uma gestora que possui um fundo com capital alocado na BRF – e que, portanto, pode ter sua participação diluída.

O investidor afirmou que vê com bons olhos a possibilidade de injeção de capital da Marfrig e do fundo saudita no frigorífico, embora o fundo ainda não tenha definido se irá participar do movimento de follow-on e comprar novas ações, caso ele ocorra. Um follow-on, ou “oferta subsequente de ações” é um processo no qual uma empresa emite novos papéis para serem negociados no mercado.

“A BRF tinha dois tipos de problema. O primeiro era o operacional, que melhorou bastante desde a entrada de Miguel Gularte na operação. O segundo era a alavancagem. Com o aumento de capital, a perspectiva melhora bastante no negócio”, afirmou. Ex-CEO da Marfrig e atual CEO da BRF, Gularte assumiu o posto em agosto do ano passado.

Participações e histórico

Procurados, os principais minoritários não se manifestaram oficialmente. Deles, a Previ é a que está presente há mais tempo no negócio e já enfrentou uma série de embates na epresa.

O fundo de previdência dos funcionários do BB possuía, na época da criação da BRF, uma participação de 14,16% do capital da Perdigão e 7,33% da Sadia. Com a fusão e criação da BRF, a Previ, que hoje possui cerca de 6% da empresa, tinha algo em torno de 12%.

Na época, a Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social) também era um dos acionistas relevantes do negócio. Hoje a fundação possui menos de 5% da BRF.

No início das operações, sob o comando de Nildemar Secches, executivo tido como referência no setor de embutidos, a presença da Previ e da Petros ajudou a empresa a levantar R$ 5 bilhões no mercado.

Em 2012, no entanto, a gestora Tarpon realizou um movimento para retirar Secches do comando. Criada em 2002, a gestora é uma das mais antigas do Brasil, e possui atualmente mais de R$ 5 bilhões sob gestão. A empresa, inclusive, foi uma das únicas gestoras brasileiras a ter capital aberto na B3.

A manobra da Tarpon contou com apoio da Previ, que tinha ambição de exercer maior poder na empresa e vislumbrava um corte agressivo de custos.

Nessa articulação, a gestora, que possuía algo em torno de 7% do negócio, com apoio também da família fundadora da Sadia, conseguiu destituir o executivo do conselho e indicou o empresário Abílio Diniz em seu lugar.

A calmaria durou pouco. Em 2015, uma quebra da safra brasileira de milho impactou os negócios e criou um problema na produção da proteína de frango. A partir dali, a Tarpon, que chegou a ter 60% de seus ativos alocados no frigorífico, afundou junto com a BRF. Entre 2015 e 2018, a BRF acumulou prejuízos bilionários, desagradando funcionários, produtores rurais e acionistas.

Na operação Carne Fraca, realizada em 2017 pela Polícia Federal, que investigou as práticas dos principais frigoríficos brasileiros, até o ex-presidente daBRF, Pedro Faria, foi preso.

Em 2018, insatisfeitos com prejuízos corriqueiros e crises envolvendo a dona da Sadia e Perdigão, Previ e Petros se articularam para realizar mudanças no conselho de administração da companhia. O alvo, desta vez, era Abílio Diniz, que foi sacado da presidência do colegiado.

A Marfrig entrou nesse jogo em 2021, com a aquisição de um terço da participação da Previ, que passou de 9% para cerca de 6%.

Mas se num primeiro momento o fundo de pensão foi parceiro da investida de Marcos Molina, o que se viu depois foi um entrave. Isso porque o novo acionista quis criar um conselho inteiramente formado por indicados da Marfrig, o que não agradou a Previ.

Antes da assembleia, contudo, Previ e Marfrig chegaram a um acordo e o fundo de pensão conseguiu incluir Aldo Mendes no colegiado. A avaliação do mercado, então, era a de que Molina queria assumir o controle da BRF, pelo meio que fosse.

Em 2021, em um aumento de capital da BRF, tentou comprar ações suficientes para ultrapassar os 33% da empresa sem acionar a chamada poison pill, que o obrigaria a realizar uma proposta aos demais acionistas.

Na ocasião, contudo, o fundo Petros chamou o ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade, para escrever uma contestação da estratégia. A ideia deu certo, e a Marfrig continuou com os mesmos 33% que já possuía.

O novo passo, dado esta semana, pode permitir a Molina concretizar seu projeto. Com menor poder de fogo e a empresa precisando de capital, os minoritários tendem a abrir espaço para um novo controlador. Basta saber se será, de fato, um pacificador.