Matupá (MT) - Foram três anos de trabalho conjunto, resumidos em um momento simbólico em uma fazenda no município de Matupá, no coração da região produtiva do Mato Grosso.
Ali, quatro gigantes do agronegócio brasileiro – Bayer, Embrapa, ADM e Bom Futuro – realizaram na quinta-feira, 25 de maio, a entrega da primeira carga de soja brasileira com pegada de carbono mensurada, rastreada e livre de desmatamento.
Era um volume pequeno diante do gigantismo da produção nacional da oleaginosa. Mas ambicioso na intenção de movimentar o mercado de créditos de carbono no país e também se adequar a normas internacionais.
Unidas, as quatro empresas acreditam ter dado um passo importante para desenvolver uma tecnologia que ajude a cadeia produtiva a reduzir emissões de carbono. E, finalmente, ganhar com isso.
Chamada de PRO Carbono Commodities, a iniciativa foi apresentada a parceiros das empresas envolvidas e a jornalistas dentro de uma fazenda do Grupo Bom Futuro, uma das maiores companhias de produção agrícola do Brasil.
A entrega da primeira carga, produzida pela Bom Futuro, será feita à trading americana ADM, que acompanhará a fase de transporte até a chegada do grão na unidade de armazenamento.
A iniciativa PRO Carbono Commodities mensura a pegada de carbono durante toda a fase agrícola, desde o pré-plantio até colheita, ou seja, desde a preparação do solo e a escolha do fertilizante até a hora de retirar o grão da lavoura.
Os produtores que entraram nessa primeira etapa do projeto passaram por uma análise completa para aferir se a área de produção e das florestas da propriedade não foram desmatadas nos últimos 10 anos.
Depois do plantio e da colheita, também é medida a quantidade de carbono emitida ao longo do transporte até a entrega do grão para a compradora. Todas as informações do processo são rastreadas com tecnologia blockchain, a fim de garantir sua integridade ao final do ciclo.
Para mensurar as emissões, a Embrapa desenvolveu uma “calculadora tropical”. De acordo com a pesquisadora da instituição, Marília Folegatti, a metodologia leva em consideração a chamada Análise de Ciclo de Vida (ACV) de um grão. O resultado final é medido em quilos de gás carbônico (CO2) equivalentes por tonelada de soja colhida.
“Mensuramos desde a extração dos recursos e todos os processos de colheita e transporte até chegar nas traders, com transparência e rastreabilidade de informações a fim de validar esse produto inovador junto à cadeia de comercialização da commodity”, comenta Folegatti.
Com essa medição, é possível aferir onde intervir para diminuir as emissões, seja em substituir ou otimizar o uso de fertilizantes ou até mesmo trocar o veículo que transporta a soja por outro que consuma menos diesel, por exemplo.
Segundo dados da EcoInvent, a emissão média da soja produzida no Brasil é algo em torno de 2,6 toneladas de CO2 equivalente por tonelada de soja colhida. Estudos feitos pela Bayer durante esta primeira safra mostraram que, ao adotar todas as medidas de “intervenção” do projeto, a emissão da soja colhida dentro do âmbito do PRO Carbono Commodities caiu para cerca de 650 kg de CO2 equivalente por tonelada do grão.
A metodologia consegue mensurar, por enquanto, apenas a quantidade emitida de carbono. Porém, segundo Fábio Passos, diretor de negócios de carbono para a América Latina da Bayer, uma plantação além de emitir também sequestra carbono, o que deixaria o resultado final ainda melhor.
Esta é a primeira safra do projeto, que abrange a produção de soja de 10 agricultores brasileiros localizados em cinco municípios dos biomas Cerrado e Amazônia, em uma área total de 159 mil hectares.
Desses 159 mil hectares, 64 mil hectares são de soja e o restante é de florestas ainda em pé. De acordo com Passos, até julho de 2024 a expectativa é levar a metodologia de agricultura de baixo carbono também para as culturas do milho e da cana-de-açúcar.
Em números, a primeira colheita atingiu 4 milhões de sacas de soja, que foram colhidas em 327 talhões nos municípios, que também tiveram mais de 90 mil hectares de floresta preservados. “É possível produzir e proteger ao mesmo tempo”, destacou Passos.
Mercado rentável?
Se o mercado brasileiro de carbono ainda não é tão desenvolvido como o europeu, o projeto apresentado pode mudar essa dinâmica.
Segundo dados de um estudo da consultoria McKinsey, a demanda por créditos de carbono no mercado livre pode atingir de US$ 1,4 bilhão a US$ 2,3 bilhões até 2030 no Brasil. Atualmente, o País emite menos de 1% desse potencial.
Já a Câmara de Comércio Internacional (ICC), estima que o mercado de carbono tem um potencial de gerar até US$ 100 bilhões em receitas até 2030.
Luciano Souza, diretor comercial da ADM, vê com otimismo uma escalabilidade dessa cultura de baixo carbono para os próximos anos, e destaca que os compromissos ambientais da própria ADM e de outras empresas são públicos e precisam ser colocados em prática.
“Essa metodologia traz uma oportunidade ímpar para o produtor, pois vamos mostrar uma maneira transparente e reconhecida internacionalmente de fazer negócios. A pegada de carbono dessa agricultura vai gerar uma oportunidade de mercado”, afirma.